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conexão social – A transformação começa de dentro

conexão social


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A transformação começa de dentro

Jovens pesquisam sobre jovens e levantam dados que podem municiar a formação de políticas públicas mais eficazes

Áurea Lopes

ARede nº 100 – setembro/outubro de 2014

revista-arede-100-conexao-social-a-transformacao-comeca-de-dentro-02O rapaz bate na porta: “Com licença, senhora, estou fazendo uma pesquisa sobre os jovens da comunidade”. A reação da moradora, desconfiada: “Você trabalha para quem?”

Essa cena, real e nada incomum, mostra o tamanho do desafio que os Agentes da Transformação têm pela frente. Os agentes são um grupo de jovens que se propõem a mapear o que fazem e o que desejam meninos e meninas de 14 a 24 anos, nos morros cariocas. Para isso, eles precisam desfazer os medos do tempo da hegemonia do tráfico e convencer a população a colaborar com uma ação que pode ajudar a criar políticas públicas (não a partir dos gabinetes, mas das efetivas necessidades das pessoas a serem beneficiadas).

Criado em 2013, por uma parceria entre o Instituto Pereira Passos, ligado à prefeitura municipal do Rio de Janeiro, e o Instituto TIM, o projeto é uma espécie de “censo da juventude das áreas pacificadas”. Consiste em selecionar, capacitar e dar uma ajuda de custo de R$ 250 mensais para jovens que recebem a tarefa de identificar onde estão os jovens de suas comunidades e realizar com eles uma pesquisa quantitativa e qualitativa em temas como trabalho, educação, família e lazer.

Os agentes saem a campo munidos de um tablet com sistema operacional Android, onde postam os dados coletados, que são processados pelo software livre Para Pesquisa, desenvolvido por outra parceira, a empresa La Fabrica, especialmente para o projeto (ver página 29). “Algumas pessoas ficam assustadas quando a gente chega perguntando. É natural. Antes da pacificação, a coisa aqui era complicada”, conta Matheus Wassil Mesavilla Esperança, 18 anos, participante da segunda fase do projeto, iniciada em junho. Ele mora no Morro do Salgueiro. Faz supletivo pela manhã e usa o período da tarde – nos dias em que não tem aula de inglês e não joga futebol – para sair a campo.

Matheus fica chateado quando um morador não recebe bem o projeto, “às vezes a senhorinha nem abre a porta!”, mas nem pensa em desistir: “É muito legal, eu tenho contato com as pessoas, perdi a timidez”. O jovem também não vê dificuldade em relação à metodologia tecnológica do projeto – as informações devem ser coletadas em um tablet e os dados serão processados por um aplicativo de pesquisa. Matheus já teve um tablet, que quebrou. Agora faz tudo no celular. Na sua escola há computadores, mas os alunos, diz, não têm acesso. Quando conversa com os vizinhos no papel de um agente, Matheus prefere anotar os dados em um caderno “e passar para o tablet depois”.

revista-arede-100-conexao-social-a-transformacao-comeca-de-dentro-03Outra agente bastante envolvida com o projeto é Ana Paula Bloch (nome artístico, porque ela queria ser atriz), de 17 anos, aluna do 1º ano do ensino Médio em uma escola estadual. Voluntária de ações sociais da secretaria municipal do Meio Ambiente e integrante da Agência de Redes para a Juventude, é uma das criadoras da Revista Sou Dessas, que se apresenta como “a primeira revista de moda e comportamento dos jovens da favela”. Por conta dessa experiência, hoje pensa em fazer curso de vitrinista. Ela explica por que se entusiasmou com o projeto imediatamente: “É difícil a gente ver um projeto para jovem aqui; só vão para o Alemão, a Rocinha, o Vidigal”. A resistência da comunidade é um fato, concorda com Matheus. E arremata com uma acurada avaliação crítica da realidade em que vive: “A comunidade está cansada de responder pesquisas e não ver mudanças, de não ver continuidade nos projetos”. A maior preocupação de Ana Paula, porém, é com a tal geração “Nem, nem”. Antes de se tornar uma agente da Transformação, confessa que não imaginava que havia tantos jovens na favela. “Isso é muito preocupante. E eu me perguntei: será que existe isso aqui?”, lembra. E é esse dado que pretende descobrir, com seu trabalho no projeto.

Tanto Matheus quanto Ana Paula chegaram aos Agentes da Transformação pelas mãos de Denise Vieira dos Santos, que há 22 anos faz trabalhos sociais no Salgueiro. Ela é filha de dona Olindina, fundadora da primeira creche da comunidade, que faleceu recentemente. Nessa creche, Matheus e Ana paula foram cuidados e cresceram. Hoje, Denise é coordenadora de campo da equipe à qual os dois pertencem. Com formação em magistério, Denise é uma militante tradicional do morro. Arregaçou as mangas para formar seu grupo. “Sai batendo de casa em casa, chamando os conhecidos. E eles fizeram o boca a boca. Porque não temos rádio comunitária. Nem o alto-falante funciona aqui. Então colocamos cartazes na padaria, nas escolas do entorno. A gente queria ter gente de todas as regiões da favela”, conta ela.

Além do projeto da pesquisa, Denise está travando mais uma luta social: para levar um curso de informática à comunidade. “Aqui não tem nada. Tem um computador na associação dos moradores. As pessoas têm interesse em aprender, em fazer um curso. Mas se quiserem fazer um curso, precisam sair da comunidade, ir para outras favelas”, lamenta.

Na coordenação geral do projeto desde o início, Rubens Kurin explica que a pesquisa, para além de mapear as condições e aspirações dos jovens dos morros, tem um efeito natural positivo: “Acaba por fomentar a formação de grupos e propiciar articulações locais. Também se torna um instrumento para formação cidadã e pode estimular o surgimento de novas lideranças”.

A segunda etapa do Agentes da Transformação envolve mais sete comunidades cariocas: Bairro Ouro Preto, Batan, Mangueira, Manguinhos, Santa Marta, Santa Teresa e Salgueiro. Em cada uma, dez jovens integram o time de pesquisadores que deve aplicar cerca de
3,5 mil questionários. Essas informações, ressalta Kurin, são valiosas: “Esperamos que alguém se interesse e utilize os dados para melhorar a qualidade de vida dessas pessoas”.

Essa esperança é compartilhada por Marlon de Souza Rangel, de 17 anos. Ele acredita tanto no projeto que participa pela segunda vez. E quer virar coordenador de campo. “Com esse trabalho aprendi muita coisa. Fiquei surpreso de ver quantos jovens pararam de estudar. E concluí que muitas pessoas reclamam da vida, mas não sabem como é a realidade de gente que está muito abaixo, gente que ganha 400 reais para sustentar três filhos…”, diz. O trabalho em equipe é outra motivação para o estudante do 3º ano do ensino Médio. Ele terminou sua meta antes do tempo e foi ajudar um companheiro a encontrar ruas, localizar mais jovens.

Eduardo Rosa Thomé dos Santos, que participou do projeto na primeira fase, também se chocou ao perceber a mesma realidade nas favelas: jovens parados, falta de projetos sociais. “Na época do tráfego eu praticamente não saía de casa. Por isso, não conhecia a minha comunidade”, conta. Dudu, que hoje trabalha na campanha de um candidato carioca, acredita que falta também a esses jovens um estímulo que venha da família. Ele espera que com a revelação dos dados da pesquisa essas questões ganhem mais atenção do poder público e  da sociedade.

 

Realidade que não se vê

Na primeira etapa do Agentes da Transformação, em 2013, cem jovens e mais dez coordenadores de campo trabalharam na pesquisa com 5,4 mil jovens, de 14 a 24 anos, das comunidades Borel, Cidade de Deus, Formiga, Morro dos Prazeres, Nova Divineia, Pavão, Pavãozinho, Providência, São Carlos, Tabajaras e Vidigal. Conheça, abaixo, alguns destaques dos dados computados, que podem ser consultados na íntegra no endereço: http://institutotim.org.br/project/agentes-da-transformacao.

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Software livre no tablet

Para Pesquisa é um software livre para criação de formulários desenvolvida pela La Fabrica, parceira do Agentes da Transformação. O aplicativo, criado especialmente para o projeto, serve para empresas e instituições interessadas em aplicar pesquisas em campo, nas áreas de saúde, educação, moradia, ambiente, entre outras. Funciona em tablets com sistema operacional Android. Os formulários preenchidos são transmitidos pela internet e armazenados em plataforma web. Nessa plataforma, gestores podem criar novos formulários e acompanhar o desenvolvimento das pesquisas.

Tem uma interface de visualização das pesquisas realizadas, pendentes, fluxo de aprovação de pesquisas, criação de
usuários pesquisadores e coordenadores e atribuição de cotas de pesquisa. O aplicativo roda em tablets de quaisquer marcas, modelos e tamanhos.

Para baixar: https://github.com/LaFabbrica/para-pesquisa-servidor.