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Um hackerspace no Parlamento
ARede nº 100 – setembro/outubro de 2014
Chegamos ao oitavo mês desde a criação do Laboratório Hacker na Câmara dos Deputados. Várias experiências interessantes aconteceram nesse espaço, que surgiu por demanda de participantes da Maratona Hacker (hackathon) de outubro de 2013 na Câmara.
Um dos motivos para a existência do Labhacker é exercitar, em uma estrutura burocrática, hierárquica e politizada, a lógica do trabalho horizontal em rede, incluindo o elemento colaborativo no desenvolvimento de projetos de transparência e participação. Nestes meses, tivemos atividades com a participação de hackers, parlamentares e servidores públicos na discussão de temas de cidadania e na elaboração de projetos de democracia digital.
“Contagiar” essa casa legislativa com a cultura hacker tem sido muito interessante e, digamos, disruptivo. Por exemplo, faz parte da lógica hacker realizar experimentações de todo tipo. Essa forma de agir baseada no binômio tentativa/erro contribui para uma dinâmica muito mais célere de desenvolvimento de tecnologia.
O despretensioso mexe e remexe de softwares, hardwares, aparelhos, maneiras de pensar, metodologias, e outros processos e mecanismos traz grande conhecimento sobre o objeto de estudo, permitindo aos hackers (ou inovadores) desenvolver instrumentos de maneira rápida, criativa, inteligente e adaptável. Essa maneira de agir gera tensão com a lógica lenta de desenvolvimento de tecnologia no serviço público: ciclos de planejamentos longos, definição exaustiva de requisitos, desenvolvimento de produtos “quase perfeitos”, implementação e customização lentas na instituição, necessidade de capacitação para uso da ferramenta desenvolvida etc.
As atividades hackers na Casa formam uma rede de colaboração que ajuda na construção de aplicativos e em projetos destinados a melhorar a interação da sociedade com os parlamentares. A criação ou fortalecimento de uma rede de colaboração também ajuda a minimizar alguns dos problemas das maratonas hackers, como a falta de sustentabilidade dos aplicativos criados. O grande esforço despendido em poucos dias de trabalho durante uma maratona hacker acaba gerando resultados promissores na forma de protótipos em versão beta.
Passados esses momentos de intensidade e empolgação, surgem os problemas: aplicativos são retirados pelos desenvolvedores, ou simplesmente não funcionam mais; problemas apontados por usuários não são resolvidos; não se tem a manutenção mínima dos aplicativos, nem se verifica sua evolução. Aqui no Labhacker discutimos maneiras de tornar sustentáveis projetos desenvolvidos em atividades hackers.
Essa rede de colaboração já gera resultados. Desde 2011 a Câmara tem sua página de dados abertos: www2.camara.leg.br/transparencia/dados-abertos. Foi bastante usada pelos participantes do Hackathon 2013 e continua recebendo um número significativo de acessos.
Algumas inconsistências são volta e meia encontradas pelos hackers, que criaram um wiki de probleminhas. Dessa forma, os técnicos da Câmara que trabalham para melhorar os dados agora recebem ajuda por meio do feedback da comunidade, consolidado nesse wiki. Graças a instrumentos como esses, vamos construindo valores de maneira colaborativa, de modo a diminuir as tensões entre sociedade e Parlamento. Afinal, antes de hackers, parlamentares ou servidores públicos, somos todos cidadãos.
Cristiano Ferri
É Coordenador do Laboratório Hacker da Câmara dos Deputados