ARTIGO – Uma cidade digital não é, necessariamente, uma cidade inteligente.

É fundamental pensar no desenvolvimento econômico que alavanque a comunidade digital e atraia empregados e investidores talentosos.

Do portal Wireless Mundi

Por Silvana Veloso e Paulo Moura* 

17/01/2012 – Atualmente, existem mais de 400 cidades no mundo com uma população acima de 1 milhão de habitantes, o que tem gerado grandes problemas globais, como limites dos recursos naturais, congestionamentos no trânsito, enchentes, problemas de logística comercial, de infraestrutura dos aeroportos, de demandas por energias. Alguns governos e empresas vêm estabelecendo metas e desafios para superar esses problemas, com soluções mais integradas e sistemas mais inteligentes.

Com o avanço tecnológico e o barateamento das soluções, as Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs) vêm sendo utilizadas com o objetivo de melhorar a qualidade vida dos cidadãos e das cidades. Os gestores têm reaproveitado, em larga escala, suas infraestruturas para transformar os grandes centros urbanos em espaços mais inteligentes para se viver. Dessa maneira, as cidades digitais têm se tornado cada vez mais sustentáveis e inteligentes.

Em resumo, esse foi o cenário mostrado no evento Intelligent Cities-Expo, realizado em Hamburgo, na Alemanha. A própria cidade é um exemplo de como os governantes podem gerar políticas públicas que garantam um desenvolvimento ambiental e sustentável. Com uma população de 1,8 milhão de habitantes, Hamburgo é considerada a cidade verde da Europa, apesar de ser o grande centro de transportes do Norte da Alemanha e ter o terceiro maior porto da Europa.

A conferência e exposição centrada nas políticas, nas estratégias de desenho e nas tecnologias para a construção das cidades do futuro reuniu mais de 60 especialistas mundiais, vindos de setores tão diferentes quanto energia, resíduos e água, arquitetura, planeamento e financiamento, além de especialistas na gestão da informação. O evento deixou claro que o maior desafio para os governantes e para as empresas é o de combinar atividades industriais, geração de empregos e um bom nível do qualidade de vida dos seus habitantes. E tudo isso pode ser feito com a geração de políticas públicas que garantam um desenvolvimento ambiental sustentável.

A meta de Hamburgo é reduzir a emissão de gás carbônico em 40% para 2020 e 80% em 2050, o que contribuirá para a União Europeia atingir a meta de 20% para 2020. Para isso, a cidade tem promovido e incentivado a criação de diversos fóruns de discussão sobre o papel das tecnologias na criação de energias limpas, no manejo e gestão dos lixos. Também tem estimulado a responsabilidade industrial, no apoio ao desenvolvimento de pesquisas ambientais, criação de sites para os cidadãos e no trabalho em redes.

No Brasil, desafios ainda maiores.

Os conceitos globais sobre cidade inteligente mostram que é preciso pensar no desenvolvimento econômico que alavanque a comunidade digital e atraia empregados e investidores talentosos. O Wikipédia, por exemplo, diz que para se ter uma cidade inteligente é necessário combinar a “economia da banda larga”com educação e qualificação (para gerar o trabalho do conhecimento); com os programas que promovam democracia digital; e com a inovação nos setores públicos e privados para criar agrupamentos econômicos e capital para o desenvolvimento de negócios. Na chamada economia da banda larga é preciso garantir uma ampla oferta de banda para governos, empresas e cidadãos.

A cidade inteligente é também a integração do mundo da infraestrutura física com o mundo digital (mundo conectado – objeto-pessoa/objeto-objeto). Portanto, as cidades inteligentes são também cidades digitais, mas não necessariamente todas as cidades digitais são cidades inteligentes.

No Brasil, os dados da pesquisa sobre o “uso das TICs”, de 2010, do Comitê Gestor de Internet (CGI.br), indicam 75 milhões de usuários de internet. Apesar do número significativo, ainda há disparidades entre as classes sociais quanto ao uso de TICs. As classes A e B representam 80% dos usuários de computador, enquanto as classes D/E representam apenas 10% desse contingente. E o principal obstáculo para o acesso dessa parcela da população às TICs é o custo elevado da manutenção da internet no país.

Um diagnóstico realizado, também em 2010, pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA) sobre a banda  larga no Brasil apontou que a banda oferecida pelas operadoras é cara, pois o gasto na renda mensal per capta é 5 vezes maior que no Japão, 2,7 vezes maior que na Rússia e 2,5 maior que no México. Além de cara é concentrada, pois apenas 21% dos domicílios que possuem banda larga estão concentrados na região Sul-Sudeste e Centro-Oeste. E lenta: 33% das conexões de internet são de 256 Kbps e somente 1% delas possui conexão superior a 8Mbps.

Os dados demonstram que ainda estamos muito distantes de transformar o Brasil em um país de cidades inteligentes. O Índice Brasil de Cidades Digitais, realizado no ano passado pela Momento Editorial e pela Fundação CPqD mediu o nível de digitalização das cidades brasileiras e mostrou que apenas quatro cidades, entre as 75 avaliadas, estão no nível de Serviços Eletrônicos, ou seja, têm uma infraestrutura tecnológica que combina a informatização dos órgãos públicos, com acessibilidade dos cidadãos às políticas públicas em TICs (por meio de telecentros, hotspots, laboratórios de informática), o grau de usabilidade e inteligibilidade dos sistemas de informações utilizados, e a cobertura geográfica da rede de conexão, considerando a frequência e a velocidade da banda de internet. A grande maioria dos municípios avaliados neste ranking ficou no nível telecentros.

Mas, estamos otimistas com as várias iniciativas nacionais como, por exemplo, o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL) do governo federal,  que pretende, em parceria com a iniciativa privada, reduzir os gastos per capita com a banda larga, e também, através da ativação da rede de fibras ópticas da Telebras, levar conexão de internet a mais de três mil municípios do país, o que permitirá que as administrações municipais possam ter suas políticas mais integradas, promovendo políticas de inclusão digital e geração de renda.

É importante que os nossos governos construam fóruns para a troca de experiências no desenvolvimento de sistemas inteligentes, que permitam uma gestão mais integrada e inteligente das políticas públicas no país. Um bom exemplo é a experiência de Vitória-ES (ficou em 4º lugar no ranking do Índice de Cidades Digitais). A partir de um sistema georreferenciado, é possível organizar as informações coletadas em campo, em palm tops com o modem 3G, que são transmitidas em tempo real, indicando os principais focos do mosquitos aedes aegypti na cidade, para melhorar as rotas dos carros fumacês.

A Prefeitura de Belo Horizonte, que obteve o primeiro lugar no Índice Brasil de Cidades Digitais, tem investido para ampliar a cobertura de serviços de TICs para o cidadão, com o Programa BH Digital. O programa conta, atualmente, com mais de 50 áreas de hotspots e mais de 350 telecentros nos diversos bairros da cidades, o que tem permitido, principalmente para a população de baixa renda, o acesso às tecnologias, com a promoção de cursos presenciais e na modalidade a distância. Isto é possível graças a uma rede municipal de internet, composta por um sistema híbrido de conexão (fibra óptica, rede sem fio e links alugados), gerenciada pela Prodabel (Empresa Municipal de TICs).

Além dos investimentos em rede, a cidade de BH tem o Centro de Recondicionamento de Computadores, implantado em parceria com o Ministério das Comunicações, que recondiciona os computadores doados por pessoas físicas e jurídicas para instalação nos telecentros da cidade. Neste espaço também são qualificados jovens e adultos, oriundos dos programas sociais da Prefeitura, em manutenção de computadores, de sistemas operacionais, redes de conexão e gestão de telecentros. Isto contribui para que  muitos deles possam ter uma qualificação em TIC, e uma inserção melhor no mercado de trabalho. A Prefeitura também oferta mais de 80 serviços eletrônicos, integra a base de dados entre os três níveis de governo para a gestão das políticas públicas realizadas entre município, governo estadual e federal.

Como prêmio por obter o primeiro lugar no Índice Brasil de Cidades Digitais, a Prodabel recebeu o convite para enviar dois gestores para participar da Conferência Intelligent Cities Expo, que aconteceu no final do ano na Alemanha. O próximo evento Intelligent Cities está previsto para outubro/novembro de 2012, em San Francisco, nos Estados Unidos.

Paulo Moura é presidente da Prodabel e Silvana Veloso é diretora de Inclusão Digital