12/12/2011 – Pesquisas e projetos para integrar as tecnologias digitais na educação básica vêm acontecendo de maneira crescente desde as últimas décadas do Século 20. Atualmente, com a possibilidade de acessar a Internet e os mais variados aplicativos e softwares educacionais, não é difícil imaginar os benefícios que a tecnologia traz para as práticas educativas. O acesso a ilimitadas fontes de informação e a possibilidade de comunicação apoiam o ensino e a aprendizagem em qualquer nível. Mas é o uso da tecnologia como recurso para criação que considero a inovação mais importante e fascinante. Talvez na época em que as escolas não acessavam a Internet, quando hardware e software eram mais restritos, talvez nessa época o papel da tecnologia enquanto recurso para criação ou autoria fosse mais claro. Mas por que criar é importante?
Do Século 20 aprendemos com Piaget que o conhecimento não é uma fotografia do real. Não se trata de uma memorização impessoal ou descontextualizada, mas sim da representação de objetos que integram o mundo. Conhecer envolve criar a representação de um determinado objeto. Esta criação é carregada de significados e referências do sujeito que está aprendendo, conhecendo. O matemático sul africano Seymour Papert integrou a equipe de pesquisa de Piaget em Genebra de 1958 até 1963. Mudo-se para Boston para dar continuidade a suas pesquisas no MIT. Inicialmente com inteligência artificial e mais tarde propondo o Construcionismo. Papert e seus colegas inspiraram o mundo a usar a tecnologia como um recurso para o aprendiz criar a sua representação do real. Inicialmente isso foi viabilizado na matemática com a linguagem Logo, na década de 80 quando as telas de computadores ainda eram em preto e verde. Os recursos eram limitados, mas os objetivos eram ambiciosos: melhorar a formar como as crianças pensam e resolvem problemas.
Se trouxermos os fundamentos de Piaget e as propostas de Papert para os dias atuais, notamos que as possibilidades aumentaram muito. Os alunos podem representar o seu conhecimento de maneiras fantásticas, sejam elas por texto, hipertexto, imagem com legenda, imagem com gravação de voz, vídeos, editores de imagens e ambientes programáveis de autoria multimídia (sucessores do Logo como Etoys e Scratch). Além de contar com recursos valiosos para representar o seu entendimento do conteúdo, o aluno autor tem a possibilidade de compartilhar o seu arquivo com professores e colegas antes de concluí-lo, receber comentários e então fazer alterações em seu trabalho. Se for oportunizada essa repetição em ciclos teremos caracterizado o espiral da aprendizagem descrito por Piaget.
Esta educação que envolve autoria e trabalho em equipe já era defendida por Piaget em meados do século 20 quando ainda não se falava em tecnologias digitais na educação. Mais de meio século depois, tendo a tecnologia invadido nossos lares, espaços de trabalho e lazer, e mudado radicalmente nossa forma de viver, a sociedade e em especial os empregadores, solicitam à escola que priorize o desenvolvimento de uma série de habilidades e competências necessárias aos jovens na era do conhecimento.
Se antes especialistas em educação explicavam que métodos ativos de aprendizagem eram importantes para um melhor aprendizado. Agora estes métodos são vistos também como fundamentos de uma educação que desenvolve habilidades como comunicação, colaboração, criatividade, capacidade de resolver problemas, pensamento crítico, capacidade de usar a informação, capacidade de usar as TICs entre outras. São as habilidades do Século 21 necessárias para tornar-se um cidadão participativo na sociedade do conhecimento.
Ao encontro desse movimento vêm também as práticas das ONGs que integram as políticas públicas de desenvolvimento social e trabalham com jovens em turno inverso à escola. Nestes espaços são as práticas fundamentadas em protagonismo juvenil que levam os jovens a engajar-se em atividades que envolvem comunicação, criatividade, uso da informação e o desenvolvimento de diversas outras habilidades. Vivemos um momento onde todos parecem concordar que a educação centrada na memorização de fatos e procedimentos é coisa do passado. O presente nos traz a tecnologia, mas também nos desafia a construir e disseminar práticas educacionais fundamentadas em criação e colaboração. Esta forma de educar, por ser tão alinhada com as possibilidades da internet, é também conhecida como educação 2.0.
Favorecidos com a flexibilidade dos sistemas educacionais, professores inovadores vêm experimentando o uso da tecnologia no desenvolvimento de projetos e atividades diversas. O envolvimento dos alunos no processo de criação colaborativa resulta em um maior engajamento e motivação pelo trabalho escolar, aumento da auto-estima, desenvolvimento da autonomia e de habilidades do século XXI. Mas a maioria dos educadores não se encontra ainda nesse estágio de uso da tecnologia. Estamos em uma fase de comemorar os casos de sucesso, vibramos porque as inovações se mostram possíveis e exitosas. Mas como levar este sucesso a totalidade de um sistema educacional?
Infraestrutura de tecnologia e formação dos professores são os passos iniciais, mas o desafio é mais amplo. Por muitos anos a avaliação de alunos e por consequência também das escolas, tem se baseado na verificação da memorização de fatos e procedimentos. Como avaliar a criação e a colaboração? Como evidenciar o desenvolvimento de habilidades e competências? Como os sistemas educacionais podem lidar com o novo paradigma?
Me parece que ainda não temos esta resposta. As formas de avaliação anteriores não se adéquam as novas práticas e aos novos resultados. Como fazer para que os sistemas educacionais reconheçam o sucesso dos educadores inovadores? Como estas inovações são expressas e comunicadas para as famílias, sociedade, e ministério da educação? Como elas são consideradas para promover o aluno, o professor e a escola que as pratica?
O desafio é enorme, porque envolve mudança cultural. A escola é parte da vida das famílias, parte das comunidades e parte de um sistema de governo. As pessoas em geral pensam educação nos moldes das vivências que tiveram em sua infância e juventude. Para conseguir dar escala e sustentar as inovações ao longo do tempo é necessário que a escola comunique sua nova forma de ser. Mas só comunicar não basta, é preciso conhecer quais são os critérios, neste novo paradigma, que definem uma educação de qualidade, e como esses critérios serão verificados.
Buscando apoio no conceito de complexidade de Morin, considerando o contexto descrito como uma trama complexa e tomando como elementos desta trama os pensadores de diversos campos do conhecimento, os operadores da educação, incluirmos também as novas tecnologias, questões culturais e sociais do nosso tempo, veremos que algumas emergências preciosas poderiam contribuir para apoiar mudança de paradigma. Considerando que a mudança da educação precisa de boa tecnologia (1), que leve em conta o funcionamento do cérebro da criança (2), os métodos de ensino e aprendizagem (3) e administração dos recursos públicos disponíveis para educação (4, que a escola precisa ainda comunicar-se com a sociedade (5) e ser parte dos seus movimentos culturais (6).
Se pensarmos pelo menos os seis elementos acima citados como partes inseparavelmente associadas. Uma possível emergência da colaboração entre esses elementos seria o pensamento conjunto de como funcionaria a escola fundamentada na criação e colaboração. Este imaginário permitiria reconhecer a necessidade de um ambiente digital que facilitaria e induziria a mudança da escola da era industrial para a escola da era do conhecimento. Hoje adaptamos ambientes de educação a distância ou redes sociais para usar nas escolas. Eles ajudam, mas não resolvem. Suas limitações impedem determinadas mudanças. A escola da era do conhecimento precisaria contar com uma comunidade online que funcionaria como uma intranet e apoiaria a nova lógica de valorização da produção do aluno e de atitudes, um bom ambiente induziria a mudança. Os diversos elementos dessa trama complexa deveriam contribuir na definição desse ambiente. Ainda que limitada às minhas vivências e pesquisas, com objetivo de ilustrar a possibilidade arrisco sugerir que este ambiente precisaria de repositórios e possibilidades diversas de interação; que valorize as produções dos alunos; que induza à colaboração; à apreciação entre os pares; que estimule e reconheça o esforço; que permita o erro e a edição, a releitura e o remix; que valorize a construção multimídia permitindo reduzir a “literalização” excessiva da escola, entre tantos outros.
Tal ambiente viabilizaria ainda novas formas de avaliação fundamentadas na apreciação das produções dos alunos e de suas interações no ambiente, e de outras dimensões viabilizadas no novo paradigma. A avaliação não surgiria de cima para baixo, mas ao contrário, de avaliações formativas incluindo a avaliação entre pares, não apenas no nível dos alunos, mas também entre escolas de uma micro região que poderiam fortalecer-se em rede.
Marta Dieterich Voelcker – Diretora da Fundação Pensamento Digital, doutoranda em Informática na Educação na UFRGS. Trabalha em projetos e pesquisas em inclusão digital e informática na educação. Possui especial interesse em dar escala aos experimentos que demonstram o uso de tecnologia para adequar a educação para era do conhecimento. É mestre em Psicologia Social e Bacharel em Administração com Análise de Sistemas. Integra o Board da Squeakland Foundation e o Conselho Municipal de Ciência e Tecnologia de Porto Alegre. Coordena grupo de pesquisa que conduz o Global Impact Study no Brasil em parceria com Universidade de Washington. Rede acadêmica interligará instituições de ensino e pesquisa do Caribe