A Estação Digital pacifica a periferia de Teresina
Primeira unidade do Programa de Inclusão Digital da Fundação BB, que completa cinco anos, a estação de Teresina (PI), gerida pelo MP3, desenvolve um conjunto de atividades comunitárias, além de oferecer aulas de informática e acesso à web.
Em 2004 foi inaugurada a Estação Digital de Teresina (PI), primeira de uma rede que hoje conta com 263 estações, formada com o apoio do Programa de Inclusão Digital da Fundação Banco do Brasil (FBB). O parceiro escolhido para gerir a primeira estação foi o Movimento pela Paz na Periferia (MP3). Na época, o MP3 sequer contava com uma sede. Vivia em movimento, levando a cultura hip hop para os jovens da cidade, com rodas semanais de break na Praça D. Pedro II, no Centro, e também nas favelas de Teresina. Para receber os computadores, o MP3 precisou buscar uma sede fixa. O local escolhido foi um prédio no bairro São Pedro, cedido pela Secretaria de Assistência Social do Piauí, na época praticamente abandonado. Desde então, o MP3 transformou o lugar em um centro cultural e de trabalho. Fez mais que isso. Ao assentar ali os 20 computadores da primeira estação, começou uma ocupação pacífica no bairro São Pedro, periferia de Teresina, então tomado pela guerra entre as gangues.
O São Pedro era dividido entre “lá em cima”, a Senzala, e “aqui em baixo”, o Mangueirão. Os de cima não desciam e os de baixo não subiam, porque as gangues inimigas de cada área eram temidas também pelos moradores. Sem alternativa de estudo, lazer, emprego, os jovens da periferia de Teresina acham sentido na violência e no destruidor consumo do crack. Na estação digital, desde o início de suas atividades, o coordenador do MP3 e da estação, Francisco Chagas do Nascimento Jr., fez um acordo com os frequentadores. Ali é um lugar de paz. Para apaziguar de fato os ânimos, o MP3 organizou atividades com participantes de gangues opostas. Promoveu – e promove até hoje — sessões de cinema nos bairros, além das rodas de hip hop. Há cursos de informática, artes gráficas, corte e costura, skate e capoeira na estação. A condição para participar de tudo isso é que não haja brigas. Na estação não entram bebidas alcoólicas, drogas, cigarros. O acordo funcionou. Desde a ineuguração da estação, nunca houve roubos ali dentro, nem depredações. Nas atividades, moradores de vários bairros se conheceram e descobriram que sua inimizade não tem fundamento. O trânsito entre as áreas de cima e de baixo no bairro São Pedro agora é possível.
Estigma da violência
Trabalhar em um contexto violento, com jovens em situação de risco social, não é uma alternativa fácil. Por isso, é preciso divulgar o trabalho de organizações como o MP3 e a Fazenda da Paz, que trabalha com a recuperação de toxicômanos e alcoólatras, afirma o governador do Piauí, Wellington Dias. “Há um preconceito enorme contra o trabalho deles, com pessoas em risco social”. Jr., o coordenador da estação, explica que o público do local é eclético, “mas a maioria, de verdade, é gente complicada, procurando saída para viver melhor”, comenta.
É só conversar com as pessoas que estão ali para entender isso. Uma delas é Márcio Ramos, de 22 anos. Ele morava em Timon, cidade maranhense, do outro lado da ponte do Rio Parnaíba. Era pixador. Há alguns anos, viu uma reportagem sobre o trabalho do MP3, e guardou, por conta do grafite que ilustrava a matéria. Em 2006, em uma sessão do Cine Periferia, conheceu o Jr.. O Cine Periferia é uma kombi que realiza sessões de cinema ao ar livre nos bairros de Teresina. É também uma maneira de atrair as pessoas para as atividades da estação.
Foi o que aconteceu com Márcio. Na estação, ele fez um curso de mecânica de motocicletas, outro de informática, trabalhou na feitura de calhas para bicicletas. As coisas que aprendeu lhe deram condições para que, há um ano, fosse contratado pelo governo do estado, dentro do projeto Jovem Aprendiz. Hoje, trabalha como auxiliar administrativo na Universidade Estadual do Piauí. Nunca mais usou nem vendeu loló (entorpecente à base de clorofórmio), como fazia antes de frequentar a estação, para ajudar a mãe a sustentar a casa. E também para fugir um pouco da realidade dura. “Minha mãe voltou para o Maranhão e me deixou sozinho. Meu compromisso com ela é me cuidar, e estou fazendo isso”, diz ele.
Trabalhar na estação digital foi, para Ana Maria Pereira da Silva, 28 anos, uma maneira de não se afastar de seu estado. Em 2004, ela havia terminado o ensino médio e se preparava para mudar para São Paulo. Ana dava aulas de reforço escolar para as crianças de sua comunidade, Salobro, na zona rural de Teresina, e também de alfabetização para as crianças da creche. Cobrava R$ 5,00 por mês, por aluno. Nem todas as mães, quebradeiras de coco, tinham condições de pagar. Foram elas quem encontraram a maneira de não perder a professora. Contaram a Jr., quando a estação estava se formando, que Ana queria ir embora, porque precisava de trabalho. Ele propôs que ela fizesse o curso básico de informática na estação e ficasse, depois, como monitora, com a bolsa da Fundação Banco do Brasil. Três vezes por semana, a R$ 150,00 por mês, com vale transporte e alimentação. Depois, fez também o curso de artes gráficas e, com o tempo, assumiu mais turmas de informática básica. Hoje, contratada pela Empresa de Gestão de Recursos do Piauí (Emgerpi), graças a uma parceria do governo do estado com a estação, recebe R$ 465,00 por mês. Coordena as aulas de informática e se prepara para o vestibular de Ciência da Computação. Já se inscreveu no Prouni e faz as aulas semanais de inglês – junto com Márcio e outros frequentadores da estação.
Conhecimento obrigatório
Todos os participantes das atividades da estação – acabamento de sacolas de papel, em parceria com uma gráfica; corte e costura, Som na Quebrada, Cine Periferia, o pessoal da coordenação – fizeram o curso de informática. Ele é fundamental, explica Ana, porque o local é uma referência para empresas que buscam mão-de-obra. E quem contrata, sempre exige conhecimentos de informática. Os concursos públicos também exigem. Além disso, alunos precisam saber pequisar para realizar seus trabalhos escolares, e mesmo para frequentar uma lan house é necessário saber usar o computador. “É um conhecimento importante e aqui as pessoas têm acesso”, diz ela.
A capacidade de realizar parcerias, tanto com o poder público quanto com empresas e organizações da sociedade civil, foi fundamental para que a estação permanecesse em atividade. Há uma sala com equipamentos de fisioterapia, onde alunos dos cursos da Faculdade Santo Agostinho realizam seus estágios, atendendo a comunidade. Quando foi montada a sala de informática, com os 20 computadores comprados pela FBB, a condição estabelecida pela coordenação do MP3 era que a aquisição fosse feita em Teresina. A medida foi o início de uma parceria com fornecedores locais de hardware e serviços de manutenção, que depois passaram a empregar jovens que aprenderam infornática na estação.
A parceria com a FBB é importante por muitos motivos. Estimulou o MP3 a se estabelecer em um local físico, em torno do qual conseguiu ampliar suas atividades. Permitiu o trabalho com uma habilidade reivindicada pela comunidade – a de lidar com a informática. Também garantiu à instituição o crédito necessário para manter as atividades funcionando, quando as bolsas da fundação acabaram, seis meses depois da inauguração. Ao longo dos anos, o MP3 colocou em prática o discurso institutcional da FBB: realizar transformações sociais por meio do protagonismo local. “O Programa de Inclusão Digital da Fundação BB tem como proposta reduzir o índice de exclusão digital, promover a iniciação à informática, propiciar formação e qualificação para o trabalho, acesso aos serviços do governo eletrônico, além de fortalecer as ações das organizações da sociedade civil’, conta o presidente da Fundação Banco do Brasil, Jacques Pena. Tudo isso aconteceu em Teresina. Nesta estação, cerca de 6 mil pessoas fizeram cursos desde 2004.
Justa comemoração
Por conta de tudo isso, Teresina foi escolhida para sediar a festa de cinco anos do Programa de Inclusão Digital da Fundação Banco do Brasil. No dia da festa, a quadra da estação ficou lotada. Eram 500, 600 pessoas. Famílias inteiras, jovens de skate e bicicross, muitas crianças, quilombolas do Mimbó, comunidade do município vizinho de Amarante; breakers; alunos e ex-alunos; empresários parceiros da Estação Digital de Teresina; produtores de artesanato. O presidente da Fundação Banco do Brasil, Jacques Pena. Autoridades. O vice-prefeito de Teresina, Elmano Ferrer; a secretária de Administração do governo do estado, Regina Sousa; o deputado estadual Fábio Novo (PT), a promotora da infância e juventude, Vera Lúcia Santos, e o governador Wellington Dias.
Cinco anos depois de aberta, a primeira sala de informática continua em funcionamento, para os cursos básicos. A Fundação BB cedeu à estação 20 novos computadores, mais potentes, que serão usados para iniciar uma nova leva de cursos: animação de vídeo, webdesign, edição de áudio e vídeo. A quadra onde a festa foi realizada era, em si, uma representação do trabalho bem sucedido. Construída com recursos do governo do estado, ficou pronta em abril. Nem inauguração teve. Logo que ficou pronta, o pessoal do bairro começou a usar. E estava inaugurada. É uma alternativa de lazer para os jovens dos bairros próximos. Nunca está vazia.