Apesar de ter uma enorme potência educacional, a robótica entra nas salas de aula em baixa velocidade. Áurea Lopes e Graça Coelho
ARede nº55, fevereiro de 2010 – Pela primeira vez na sua vida de docente, Alexandre Simões precisou “mandar os alunos embora para casa”. Empolgados, eles não queriam encerrar a aula, conta o professor, que conduzia um processo de aprendizagem literalmente “movido” pela construção de um robô. Mas não há qualquer novidade nesse episódio. Desde 1968, quando o educador sul-africano Seymour Papert sacou que a robótica poderia ser uma poderosa ferramenta pedagógica e criou a linguagem de programação Logo, temos tido notícias de experiências bem-sucedidas de ensino por meio da automação. O surpreendente é que, passados mais de quarenta anos, e apesar de tamanho potencial educacional, poucas escolas conseguiram, de fato, colocar os robozinhos nas salas de aula.
No Brasil, essa tecnologia não está inserida nos parâmetros curriculares oficiais e aparece de modo bastante tímido no Guia das Tecnologias Educacionais, do Ministério da Educação (MEC). Aos professores – para variar – falta informação e falta formação. Por essas e outras, a robótica educacional ainda predomina nas iniciativas isoladas e deve demorar para se tornar universal, principalmente na esfera da educação pública.
O avanço se dá lentamente, em grande parte como resultado das investidas das empresas do setor, que vendem peças ou motores e prestam serviço de capacitação tanto para as escolas particulares quanto para as públicas que podem pagar pelos kits. Raras exceções despontam aqui e ali, em projetos de baixo custo, que utilizam programação em software livre e materiais de sucata.
Entre os diversos fornecedores estrangeiros que atuam no país, a maior penetração é da Lego, que oferece um kit desenvolvido pela divisão educacional da corporação transnacional, a Lego Education. A companhia implanta o projeto em algumas escolas públicas do país, como ação social. Mas seu foco principal é a comercialização dos kits, disponíveis em versões que vão desde a educação infantil até o ensino médio. Esses kits – em média, na faixa de
R$ 2 mil – são compostos por peças de encaixe em variados formatos, sensores, motores e um software de programação. No pacote, está incluída a capacitação dos professores, que recebem fascículos da coleção Zoom, com conteúdos disciplinares baseados nos Referenciais Curriculares Nacionais (RCNs) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Também estão disponíveis no mercado brasileiro kits importados da empresa alemã Fischertechnik, da estadunidense Innovation First, entre outros.
O Colégio Formosa, na capital paulista, começou este ano com o projeto da Lego. Os pais, pagam uma taxa extra para que os filhos participem das atividades de robótica, aprovaram a novidade por considerar que o benefício vai ser grande, relatou a coordenadora pedagógica Cleide Infante de Paula. Os docentes pensam da mesma forma. Daniela Fiorillo, professora de informática da escola, se viu pela primeira vez diante de um kit de robótica e achou difícil montar o coração que se mexe, reproduzindo os movimentos do batimento cardíaco humano. Mas está confiante: “A motivação e o interesse dos alunos vão compensar o esforço”.
O kit da Lego é usado também no Instituto Internacional de Neurociências, conhecido como Campus do Cérebro, no Rio Grande do Norte. O instituto, que desenvolve pesquisas que unem cérebro e máquina para ajudar pessoas tetraplégicas a voltar a andar, mantém uma escola que atende cerca de 1000 alunos na faixa dos 11 aos 16 anos, em dois turnos. Essas crianças estão regularmente matriculadas em outras escolas e se encontram para participar de projetos interdisciplinares de ciência e tecnologia, artes, física, química e biologia. Nesse ambiente são ministradas as oficinas de robótica, quatro dias por semana. Os professores mostram a presença da robótica no cotidiano dos alunos e os estimulam a construir protótipos que se aproximem das suas realidades. Na escola Alfredo J. Monteverde, que abriga o projeto, os alunos utilizam os kits como recurso para solucionar problemas enunciados coletivamente. A diretora da Escola, Dora Maria de Almeida Prado Montenegro, diz que “outra ferramenta relevante para os registros das turmas é o blog da oficina, onde os alunos periodicamente publicam artigos contando as vivências de sala de aula”.
Selo tupiniquim
As empresas nacionais trabalham nos mesmos moldes, fornecendo kits. Porém, muitas vendem apenas os componentes eletrônicos, não as peças para montar os artefatos móveis – que podem ser construídos com material reaproveitado, como sucata de aparelhos eletrônicos ou de computadores. Um kit genuinamente brasileiro é o X-Bot, criado pelo programa de inovação e novos negócios da incubadora Cientistas Associados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A empresa foi concebida para fabricação e comercialização de robôs móveis para as áreas de pesquisa, educação e entretenimento. Entre os hardwares produzidos pela X-Bot destaca-se o Curumim, utilizado por estudantes de cursos técnicos para o aprendizado de conceitos nas áreas de lógica digital, controle e programação.
No ano passado, uma empresa fundada por um engenheiro e um analista de sistemas que se especializaram em robótica educacional iniciou um projeto pioneiro na rede municipal de Guarapuava (PR). “Não entregamos robôs prontos. Ao contrário, estimulamos a construção de robôs a partir das realidades locais de cada escola, com elementos da vida na cidade e no campo. Uma aluna de uma escola rural montou um monjolo automatizado. Essa é a ideia, ter essa riqueza de desenvolvimento”, diz Rodrigo Barbosa e Silva, um dos sócios da Robótica Educacional.
A empresa trabalha com linguagem Logo, software livre e material de sucata. Nas dez primeiras escolas onde o projeto iniciou, em 2009, foram capacitados 16 professores – além de quatro pedagogos da secretaria de Educação do município. O projeto deve se expandir para todas as 43 escolas da rede até 2012. A Robótica fornece componentes robóticos e faz a capacitação dos professores. Em média, um kit custa R$ 630,00.
Robótica livre
Apesar do atrativo do baixo custo, a robótica livre encontra entraves em ambientes escolares. O principal é a falta de qualificação dos professores para reconstruir e aplicar kits não convencionais em salas de aula. Danilo César, professor da rede pública de ensino de Belo Horizonte (MG), doutorando de educação na Universidade Federal da Bahia, tem em seu currículo uma extensa militância projetos bem-sucedidos nesse sentido. Ele trabalha com formação de professores no uso sucata como tecnologia de mediação para a construção do conhecimento. O princípio é o da construção colaborativa do conhecimento. Já formou mais de 100 professores em diferentes estados do país.
No final de 2009, o professor ministrou um curso a distância para alunos de pedagogia da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), usando a plataforma Moodle. Ele observa que os alunos aprendem com o desafio de dominar os recursos da robótica articulada a diversos conteúdos como matemática, química, física, biologia, entre outros. Hoje, o projeto está implantado no Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) de Itabirito (MG), no Centro Marista de Inclusão Digital, nas universidades Federal do Ceará (UFC), Estadual da Bahia (Uneb) e Federal da Bahia (UFB). “A proposta é formar professores para usar a robótica na sala de aula”, explica César, um dos fundadores do portal Robótica Livre, mantido pela comunidade da robótica livre.
Inclusão digital
No Rio Grande do Norte, existe, desde 2005, uma experiência de sucesso voltada a alunos de diversas faixas etárias e diferentes níveis escolares: o Projeto de Inclusão Digital com Robôs, que utiliza o software RoboEduc, desenvolvido pela equipe do professor Luiz Marcos Gonçalves, do Departamento de Engenharia da Computação e Automação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Os alunos projetam robôs criando modelos, bases, atuadores, sensores e ações. Dentro do conceito dos jogos educativos, os estudantes fazem programações em cinco níveis de complexidades diferentes. Entre os objetivos do projeto, está a inclusão digital em escolas públicas da periferia de Natal (RN). Participam do trabalho estudantes de graduação e pós-graduação dos cursos de Engenharia da Computação e de Educação, da UFRN. Pedagogas em formação ministram as oficinas de robótica. Está em andamento uma experiência com crianças de 6 e 7 anos, no Núcleo de Educação da Infância, do Colégio de Aplicação da UFRN. O entusiasmo dos estudantes foi tão grande que os professores integrantes do projeto resolveram tornar a temática da robótica objeto das atividades bimestrais da escola.
www.roboticalivre.org
obr.ic.unicamp.br
Guia de tecnologias educacionais – http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13019;saiba-mais-guia-de-tecnologias-&catid=195;seb-educacao-basica
Olimpíada nacional
Acontece no Brasil, desde 2007, a Olimpíada Brasileira de Robótica, criada por um conjunto de docentes de várias universidades, públicas e privadas. No ano passado, participaram 20 mil estudantes, de todos os estados do país. Nas instituições que trabalham com kits de robótica – de qualquer tipo, que operem em qualquer plataforma tecnológica – são realizadas atividades práticas, de montagem de robôs. Mas escolas que não têm projetos de robótica também podem participar, por meio de provas escritas.
A proposta é identificar alunos talentosos nas modalidades de ciências exatas e despertar, nas escolas, o interesse pelas tecnologias da informação e comunicação. “Já estamos com carência de profissionais qualificados nessas áreas. Precisamos estimular a formação de competências para produzirmos nossa própria tecnologia”, diz Alexandre Simões, professor do curso de Engenharia, Controle e Automação, da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (Unesp), um dos organizadores da Olimpíada.
Simões conta que, este ano, a Olimpíada vai ter um foco especial nos professores. A Olimpíada vai promover um debate e reunir materiais de experiências bem-sucedidas. “No Brasil, não temos literatura sobre robótica educacional, nem modelos para trabalhar com os kits”, relata Simões. Também está sendo lançada uma rede social de interessados em robótica educacional, a Robotics 4 All. Com ambiente multimídia, a rede vai fomentar a troca de materiais entre docentes e as construções colaborativas de novos conteúdos.
robotics4all.ning.com