A luz das cidades digitais

Cada vez mais prefeituras criam redes sem-fio para acesso banda larga à internet. Permanece, contudo, a ausência de um modelo regulatório para sustentar o serviço. Por enquanto, a maioria dos projetos consegue atrair recursos porque no seu alvo está a educação.



Cada vez mais prefeituras criam redes sem-fio para acesso banda larga à
internet. Permanece, contudo, a ausência de um modelo regulatório para
sustentar o serviço. Por enquanto, a maioria dos projetos consegue
atrair recursos porque no seu alvo está a educação.

Lia Ribeiro Dias e Verônica Couto


Lívia Vidal,
analista de suporte
da prefeitura, usa
seu notebook no
topo do morro. De
lá se avista toda
Piraí.

As experiências com o uso de tecnologias sem-fio para montar redes
municipais de acesso à internet multiplicam-se de Norte a Sul do país e
servem de modelos para políticas públicas federais que buscam estender
o alcance das conexões em banda larga no território brasileiro. Apesar
de persistirem dificuldades regulatórias, financeiras e tecnológicas,
as cidades digitais que conseguiram implantar suas redes Wi-Fi, WiMAX e
pré-WiMAX, Mesh ou variações constatam melhoria de indicadores sociais,
educacionais e econômicos. Casos da pioneira Piraí, e também de Rio das
Flores e Quissamã, no Rio de Janeiro, Ouro Preto, Alterosa e
Tiradentes, em Minas Gerais, Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, ou
Parintins, no Amazonas.

Segundo Átila Souto, diretor de serviços e de universalização de
telecomunicações do Ministério das Comunicações, a pasta elaborou um
Plano Nacional de Cidades Digitais (veja a página xx), para levar o
acesso banda larga à internet a todo o país. O plano prevê experiências
piloto com tecnologias sem-fio, que estão sendo desenvolvidas por
equipe da Universidade Federal Fluminense (UFF) — a mesma que atuou em
Piraí. Os testes do Minicom serão feitos nas cidades de Almenara (MG),
Cacique Doble (RS), Goiás (GO), Garanhuns (PE), Lavrinhas (SP) e
Pindorama (TO), informou Átila, durante o 1º Wireless Mundi, realizado
em São Paulo (veja página 18).

Uma das dificuldades dos municípios é como sustentar suas redes,
especialmente o serviço prestado ao cidadão. Na freqüência recomendada
às prefeituras pela Agência Nacional de Telecomunicações, por meio do
Serviço Limitado Privado, o acesso à internet só pode ser oferecido de
forma gratuita (veja a página xx). A cobrança é permitida por meio da
licença SCM-Serviço de Comunicação Multimídia, concedida apenas a
empresas. E a prefeitura, nesse caso, deve criar uma ou conseguir uma
parceira para prestar o serviço, o que nem sempre é simples. Razão por
que, em muitos casos, a rede, sem se universalizar, faz a inclusão
digital por meio de políticas públicas, nas áreas de saúde, educação,
ou segurança pública.

Com investimentos da ordem da R$ 3,5 milhões, incluindo R$ 1,3 milhão
do orçamento deste ano (R$ 700 mil para investimento e R$ 600 mil em
custeio), Piraí Digital é mais que um exemplo bem-sucedido de cidade
digital. É um modelo de projeto pedagógico. Mas ainda não resolveu a
questão da sustentabilidade. O projeto só é o que é porque articulou um
grande número de parcerias e recursos federais. Da mesma forma, as
redes de Tiradentes e de Ouro Preto, cidades históricas de Minas,
aconteceram graças a doações de fabricantes (Cisco e Intel) e à decisão
do Minicom.

Para Franklin Coelho, da UFF, que encabeça a equipe coordenadora do
Piraí Digital ao lado de Maria Helena Cautiero Jardim, do departamento
de Ciências da Computação da UFRJ, desatar o nó da sustentabilidade
requer uma fórmula legal que permita às prefeituras cobrar de quem pode
pagar, ou seja, o cliente residencial. “Criar empresa pública é oneroso
para as pequenas prefeituras”, pondera.


A equipe responsável pelo projeto Rio
das Flores Digital trabalha no jardim
da Pousada Escondidinho; na cidade
o sinal é aberto.
Na verdade, a rede de Piraí, embora pública e gratuita nos pontos de
acesso público, é fechada. O modelo original previa que a prefeitura
fornecesse o acesso residencial, sob pagamento, e esses recursos
ajudariam a viabilizar o projeto. Mas as barreiras regulatórias fizeram
o então prefeito Luiz Fernando de Souza – Pezão (atual vice-governador)
recuar. E o piloto residencial ficou limitado a 30 clientes.

Franklin acredita que, com a ampliação de cidades interessadas em ter
uma rede para melhorar os serviços públicos, fazer a inclusão
sóciodigital e atender a seus cidadãos, alguma saída regulatória há de
ser encontrada. Por isso, entende que o modelo de Piraí, município de
24 mil habitantes, pode ser replicado. O que já começou a ser feito
desde 2005, ganhando impulso em 2006. Agora, com o programa federal de
cidades digitais, que envolve os seis municípios citados por Átila, do
Minicom, a idéia ganha outra dimensão. Franklin está à frente do
programa, num convênio do ministério com a UFF, com a colaboração de
Maria Helena.

A dupla também apoiou o projeto de Rio das Flores, que está completando
um ano, e, agora, ajuda a colocar de pé o de Conservatória, em Valença,
ambas cidades do Vale do Café do Estado do Rio. O corredor digital do
estado passa, ainda, por Barra do Piraí; mas ali não avançou por falta
de recursos.


Piraí no UCA


De cima para baixo: acesso
público nos parques de Porto
Alegre; e Kombi com terminais
WiMAX, que circulou por Ouro
Preto, no Festival de Inverno
de 2005

Mais conhecido dos projetos brasileiros de cidades digitais, várias
vezes premiado, Piraí Digital entra no terceiro ano com novos desafios.
A cidade será um dos quatro laboratórios do projeto Um Computador por
Aluno – UCA. Cada um dos 400 alunos do Centro Integrado de Educação
Pública Rosa da Conceição Guedes vai receber, em maio, um notebook
ClassMate, da Intel, e “aprender a aprender” por meio do computador, e
do acesso a softwares educacionais e à internet.

No momento, a coordenação do Piraí Digital trabalha, em conjunto com a
Intel, na capacitação dos gestores e professores. Até aí, muito chão
foi percorrido. Como todo o Piraí Digital é baseado em software livre,
a Intel substituiu o ambiente de software do ClassMate por solução de
código aberto, desenvolvida pela mineira Metasys, que permite a
interação entre professor e alunos por meio de seus laptops. Além
disso, a nova versão do ClassMate que está sendo testada em Piraí já
tem placa de rede Mesh, para restransmitir informações de um computador
para outro.

Desde que foi concebido, o eixo central do Piraí Digital é a educação.
Mas o UCA não é o único projeto pedagógico de ponta de que participa.
Ao lado de Miraflores (distrito de Lima), no Peru, Bremen, na Alemanha,
Seratti, na Itália, e Vitória (ES), no Brasil, Piraí integra, desde
2006, o programa XCross, da Comunidade Econômica Européia, voltado ao
uso de ambientes virtuais para aprendizagem de ciências e matemática.
“O objetivo é motivar o interesse pelas ciências e colocar o aluno como
produtor de conhecimento”, diz Maria Helena. Trata-se de mudar a
relação professor-aluno, o que demanda longo trabalho. “Muda tudo.
Começa por repensar o plano de aula, pois não basta introduzir no plano
tradicional as ferramentas multimídia. É um novo jeito de preparar as
aulas, de construir os roteiros”.

O programa está sendo aplicado em três classes de 7ª série. “Num
primeiro momento, os alunos mergulharam na novidade e os professores
recuaram. Num segundo momento, os professores passaram a reagir e a
participar”, conta Maria Helena. A experiência é muito recente, mas os
coordenadores estão entusiasmados com o ambiente criado em torno do
aprendizado da biologia, a primeira das ciências abordada pela
metodologia. “A motivação cresceu muito”, assegura a professora.


Vocação educacional


Quissanet, um dos telecentros
de Quissamã

Como os impactos da conexão à web são expressivos, muitos gestores
entenderam que a construção das redes pode ser viabilizada com recursos
de outras áreas — saúde, segurança pública (instalando câmeras de vídeo
para fiscalizar vias urbanas), mas, principalmente, educação. “Qualquer
projeto de inclusão digital que não passar pela educação, não tem
sustentabilidade”, acredita Marcelo Gomes, secretário de Turismo de
Tiradentes, cidade que também está na agenda do UCA, para testar cerca
de 200 unidades do Intel ClassMate.

Ouro Preto, Tiradentes e Alterosa, em Minas Gerais, assim como Piraí,
construíram suas redes com foco na melhoria do ensino público. O
projeto Ouro Preto Cidade Digital nasceu de um acordo entre o MEC e a
Intel, em 2004, com o objetivo de conectar, via wireless, escolas à
internet. A cidade foi escolhida para testar a tecnologia, porque, como
Patrimônio Histórico da Humanidade, apresenta inúmeras restrições a
intervenções locais, além de estar situada sobre morros, com uma
topologia bastante acidentada. A iniciativa na cidade histórica tem,
ainda, apoio da prefeitura, da Universidade Federal de Ouro Preto
(Ufop), do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-Ouro Preto), e
de um provedor local, a Barroco Informática.

Segundo o professor Américo Tristão Bernardes, do Departamento de
Física da Ufop e da equipe de coordenação do projeto, utilizou-se, na
primeira fase, tecnologia WiMAX, na faixa 3,5 GHz (não disponível para
prefeituras), com licença provisória da Anatel. Foi quando construíram
duas redes, doadas pela Intel, com equipamentos Aperto e Alvarion. Uma,
educacional, para ligar as institucões de ensino, com saída para a
internet via Rede Nacional de Pesquisa (RNP), com 34 Mbps; e outra
destinada a avaliar o impacto nos serviços de governo e expandir o
acesso à população, conectada à Telemar (dois links de 2 Mbps).


Petróleo da Bacia de Campos dá
sustentabilidade à rede de
Quissamã, que interligou seu
hospital público.

Na segunda fase, a partir de outubro de 2005, a rede deixa de ser
experimental e passa para a faixa não-licenciada de 5,8 GHz
(pré-WiMAX). Com a mudança, os pontos não-educacionais, ligados ao
backbone da Telemar e voltados ao atendimento da população, foram
desativados. Manteve-se, apenas, a rede educacional. O MEC, além dos
computadores para as escolas, doou outros dez para formar o Núcleo de
Tecnologia Educacional, instalado na Casa do Professor, unidade criada
pela prefeitura para ser base de capacitação dos professores.

A Casa também abriga o pólo de Educação a Distância da Ufop em Ouro
Preto. E o Centro de EAD da universidade, com recursos da Finep
(agência de fomento do Ministério de Ciência e Tecnologia), montou mais
um laboratório, para cursos de licenciatura dirigidos aos professores
municipais. Foram formados 200 professores em cursos de introdução à
informática, capacitados multiplicadores do programa Intel Educação
para o Futuro (80 professores), desenvolvidos cursos para formação de
técnicos e educadores na distribuição Linux Muriqui — adotada pelas
escolas.


Inclusão da comunidade

A Ufop, a partir da experiência adquirida na gestão do projeto, conta o
professor Américo, foi, então, chamada pelo Minicom para replicar o
modelo em Barbacena e Tiradentes. O secretário de Turismo de
Tiradentes, Marcelo Gomes, conta que o Tiradentes Digital foi todo
financiado por parceiros — Cisco (doou equipamentos e manutenção da
rede), MetaSys (distribuição Linux, aplicativos educacionais de código
aberto e a capacitação dos professores), MEC (laboratórios do Proinfo),
Ufop, prefeitura de Belo Horizonte. No primeiro semestre de 2006, foram
conectadas as escolas públicas — sete municipais e uma estadual — e o
núcleo histórico da cidade (que concentra metade das escolas), onde há
um telecentro público. A rede, com link à internet da Telemar de 2
Mbps, é subdividida: 1 Mbps para uso educacional, 1 Mbps para a rede
municipal e visitantes.

A partir deste ano, diz ele, a meta é expandir a rede para outras
áreas, onde está a população mais pobre. Especialmente, porque, no
valorizado centro turístico, a população de renda mais alta vem sendo
atendida gratuitamente pelo sinal aberto do acesso wireless. A cidade
mineira tem 7 mil habitantes, e 90% de sua renda vêm do turismo.

Outro desafio é desfazer o gargalo — provocado por uma demanda maior
que a oferta de banda — “e conseguir fazer o projeto andar com as
próprias pernas”, explica. Para tanto, foi fechado um acordo com a
Telemar, que vai aumentar para 4 Mbps a banda disponível para a conexão
à web; e uma quinta célula e duas torres estão em fase de implantação
pela Cisco, para cobrir toda a área urbana. A rede usa tecnologia
WiMesh, que preserva a cidade da poluição visual e ambiental. “As
antenas têm 25 cm, do tamanho de um pudim”, compara o secretário. Como
o casario barroco, do século XVIII, tem paredes muito grossas, os
internautas residenciais, para receberem o sinal, usam no telhado
antena direcional (R$ 70,00) ou improvisada, feita com lata de óleo ou
de batatas fritas.


Prédio da Prefeitura Municipal
de Quissamã

Outro diferencial do projeto, explica Marcelo, é a existência de um
conselho gestor, formado por oito integrantes, e de um comitê gestor,
do qual participam, além da pasta do Turismo, a Secretaria de Educação,
um representante da área adminstrativa da prefeitura, e outro da
comunicação (ligado a jornal e rádio comunitária da cidade). A expansão
da rede vai contar com a abertura de novos telecentros, dentro das
escolas, inclusive rurais. A tecnologia também incrementou serviços de
e-gov, como matrículas escolares, consulta de IPTU, programação
cultural e informação turística online. A sustentabilidade da rede, na
opinião do secretário, será alcançada com parceiros privados.

Em Alterosa, com 14 mil habitantes, as parcerias  já são muitas. O
projeto de cidade digital começou a ser elaborado pela prefeitura há
seis meses, em conjunto com a  Funpec-Fundação de Pesquisas
Científicas de Ribeirão Preto, da USP, que, por sua vez, fez uma
parceria com a empresa BST Network. Seu principal objetivo é dar
suporte à constituição de um pólo da Universidade Aberta do Brasil
(UAB), programa do MEC para cursos à distância de graduação e
pós-gradução (veja ARede nº 19), em associação com a Ufop. Ali, serão
abertas 350 vagas de graduação e pós-graduação.

De acordo com o prefeito Dimas dos Reis Ribeiro, o município gastou R$
84 mil (em três parcelas), além de ter desembolsar R$ 6 mil, durante 12
meses, para custear aluguel do sinal, supervisão e operação da rede,
que ocupa a faixa não-licenciada de 5,8 GHz, com tecnologia pré-WiMAX.
A mensalidade é paga à Funpec, que repassa os recursos à Telemar. Ou
seja, diz ele, o projeto custou cerca de R$ 156 mil, com garantia de um
ano. Só com a VoIP, a administração economizará R$ 9 mil/mês com
telefonema. “O sistema está todo pronto, aguardando a Telemar instalar
a antena-mãe, com o link da internet”, diz ele. O sinal vai estar
disponível em três pontos na cidade — na Praça Getúlio Vargas, na Praça
Benedito Valadares e no trevo de Alterosa, na estrada.


Piraí usa torres das celulares
para jogar o sinal para prédios
públicos

Para fazer a conexão de casa (não está previsto atendimento a pessoas
jurídicas), o dono do computador deve comprar a antena e acessórios,
por cerca de R$ 300,00. Mas não paga mensalidade a provedor, que custa,
na cidade, R$ 70,00. O usuário não pode ser devedor do município (nem
seu endereço, nem sua empresa, caso tenha uma), e precisa usar Linux.
“Capacitamos 20 jovens para dar suporte para as famílias e usuários da
cidade digital. A única contrapartida para ingressar na rede é usar
Linux, porque queremos que Alterosa seja uma cidade legal, sem
pirataria, e que não sofra ataques de vírus”, argumenta o prefeito.

A implantação vai ocorrer em etapas. Primeiro, a prefeitura está
conectando órgãos públicos do município, do estado e da União, num
total de 60 pontos. E vai atender cerca de 200 usuários residenciais.
Também serão abertos três telecentros, com 20 computadores em cada um.
No sistema Universidade Aberta, estarão conectados mais 200
computadores, doados pelos Correios, Banco do Brasil e Caixa Econômica
Federal.

O vestibular para o pólo da Universidade Aberta, principal razão de ser
do projeto, acontece em em maio, e as aulas começam em junho. O prédio
já está pronto e o sistema, instalado. Há cem vagas para Pedagogia, 50
para Física, 50 para Matemática, 50 para Administração Pública, além de
pós-graduação em práticas pedagógicas (50), e gestão de projetos
sociais (50). No mesmo local, funciona parceria com escola técnica
federal, onde já estão estudando 220 alunos — 120 alunos de
informática, 70 de enfermagem, 30 de técnico agrícola.

A segunda etapa do projeto de Alterosa prevê incremento no governo
eletrônico: poder imprimir boleto eletrônico de IPTU, ISS, certidões. E
a terceira fase, a instalação de microcâmeras para monitorar a
segurança pública. A economia da cidade mineira tem base na
agropecuária (café e leite) e a arrecadação deste ano promete chegar a
R$ 14 milhões. “Mas quero que o município se torne conhecido como um
pólo tecnológico e de educação”, afirma o prefeito Dimas.

Alavanca para o desenvolvimento  econômico do município

Dispor de uma infra-estrutura de comunicação faz tremenda diferença
para a economia dos municípios. O projeto Piraí Digital surgiu, em 2002
— e entrou em operação em fevereiro de 2004 —, como parte do programa
de desenvolvimento sustentado de Piraí, cidade do chamado Vale do Café
do Estado do Rio de Janeiro que, depois do fim do ciclo de ouro do café
na região, sofreu um segundo forte baque econômico, em meados dos anos
90, quando a Light, pós- privatização, demitiu de uma penada 1,8 mil
funcionários.

A infra-estrutura de telecomunicações e tecnologia da informação foi
considerada fundamental para sustentar o programa de desenvolvimento. E
o programa, comandado pelo então prefeito e hoje vice-governador do
estado, Luiz Fernando de Souza – Pezão, deu certo. Hoje, Piraí é o
segundo PIB do Rio de Janeiro, a arrecadação saltou de R$ 17 milhões
para R$ 76 milhões, a rede digital interliga todas as unidades
municipais, incluindo 21 escolas, dez postos de saúde, quatro
bibliotecas, quatro telecentros nos distritos e mais os quiosques
públicos, na rodoviária e na praça Pres. Getúlio Vargas, conhecida como
praça da Preguiça (uma homenagem não ao far niente, mas aos calmos e graciosos animais que se enroscam nas árvores da praça).

Rio das Flores, município de 7,5 mil habitantes que tem no turismo e no
setor de serviços sua principal fonte de arrecadação, seguiu os passos
de Piraí. Quer usar a infra-estrutura de telecom e tecnologia da
informação como ferramenta de desenvolvimento. Terra do Barão de Rio
Preto, um dos expoentes da República Velha, Rio das Flores viu suas
fazendas de café fenecerem. Elas são muitas, com pastos ocupando as
áreas de antigos cafezais. Mas a agropecuária, que liderava a atividade
econômica do muncípio, com a queda do preço do leite, está em quarto
lugar na economia local, que arrecadou R$ 7,5 milhões em 2006. Com as
verbas repassadas pela União, o orçamento do ano passado chegou a R$
15,7 milhões.

Transformar as imponentes fazendas em fonte de renda é o projeto número
um da cidade, que conta com oito hotéis-fazenda e pousadas, num total
de 220 leitos. “Para atrair o turista, é preciso infra-estrutura de
comunicação”, diz Marcus Alexandre Osório Macedo, um economista de 23
anos, coordenador dos telecentros dentro do projeto Rio das Flores
Digital. Mas o projeto não tem só objetivo econômico. A rede, a exemplo
da de Piraí, interliga cinco das 11 escolas e parte dos postos de
saúde. Só não estão cobertos dois distritos: o de Manuel Duarte, a ser
atendido ainda este ano, e o de Abarrancamento, na zona rural.

Mesmo assim, conta Janaína dos Santos Teixeira Silva, secretária de
Educação do município, os alunos das escolas que ainda não têm
laboratório, à exceção de uma, são trazidas à sede da cidade uma vez
por semana para terem aulas usando as instalações de um laboratório —
90 professores estão sendo treinados. Um laboratório instalado em um
ônibus percorre as escolas que não têm computadores, e é nele que
muitos professores estudam para os cursos de ensino à distância. Também
os 130 alunos do programa de alfabetização e requalificação para
aqueles que não concluíram a 4ª série –- jovens acima de 17 anos a
idosos de 80 anos –- estão usando os laboratórios nas escolas ou
volante.

Em Piraí, de acordo com Osni Augusto de Souza Silva, 32 anos, gestor da
Rede Piraí Digital, uma as novidades para este ano é o serviço de VoIP,
em fase de conclusão. Toda a comunicação da prefeitura passará a ser
via VoIP e a rede envolve todas as escolas (muitas delas não tinham
telefone), unidades de saúde, bibliotecas. Além disso, cada um dos
quatro distritos ganhará um telefone público com VoIP para ligações
para a prefeitura, através do código 0800.

Mas essa não é a única nova implementação na rede híbrida (link de fibra óptica e sistemas wireless,
além de um ponto do sistema Gesac) de Piraí. André Macara, responsável
pelo desenho e instalação da rede, conta que vai precisar migrar a rede
da freqüência de 2,4 GHz para a de 5,8 GHz, ambas não-licenciadas.
“Quando começamos, a cidade não contava com provedor internet. Com a
rede digital, surgiu um provedor que hoje tem cerca de 300 clientes, o
que provoca interferências.”

Se Rio das Flores segue as pegadas de Piraí, que fez do projeto âncora
da inclusão social, a cidade, por outro lado, optou por um modelo
diferente de rede. Com dois links, um da Rede Rio (link
óptico da Telemar) e outro do serviço Gesac, Rio das Flores montou uma
rede pública, aberta, e outra, uma rede virtual (VPN), que concentra os
serviços do governo municipal. Como a rede é aberta, qualquer um que
chega na cidade pode usar o sinal. Mas tem de se habilitar. Ao ligar o notebook
e acessar a internet, vai aparecer na sua tela uma mensagem do Rio das
Flores Digital pedindo para entrar em contato com Clelio Souza Navarro,
o Lão, gerente da rede. Ele garante que a solicitação é habilitada na
hora. Se o visitante não tiver equipamento, pode usar gratuitamente os
dois quiosques públicos ou os telecentros. Hoje, Rio das Flores conta
com 137 usuários domésticos, e há outros 57 na fila, que enfrentam
problemas técnicos para conectar suas máquinas.

Para montar sua infra-estrutura digital, Rio das Flores gastou R$ 565
mil, R$ 115 mil dos quais de recursos próprios. O maior quinhão veio de
dois programas do Ministério de Ciência e Tecnologia (R$ 350 mil) e o
restante da Faperj (R$ 100 mil).

A chegada da telemedicina

Saúde é outra área em que os benefícios da conexão à web são evidentes.
Em Porto Alegre, a rede instalada no bairro da Restinga — com 80 mil
pessoas, a 40 km do centro — permitiu validar a tecnologia sem-fio para
sua aplicação não só na área da educação, mas também em programas de
telemedicina. “Serviu para mostrar às estruturas do governo que a
tecnologia iria qualificar os serviços prestados. E transformamos esse
objetivo em dois projetos — o Wireless Educação e o Wireless Saúde –
para os quais há recursos específicos”, conta André Imar Kulczynski,
presidente da Procempa, empresa municipal de tecnologia da informação e
comunicação.

Em dezembro passado, foi aprovada a aplicação de R$ 2,8 milhões pela
Secretaria de Educação na instalação de 15 pontos (ou torres), a partir
das quais será feita a cobertura de toda a cidade, inclusive a
integração de 70 escolas públicas. Até o mês que vem, estarão
implantados os equipamentos WiMAX (Canopy), contratados da Motorola.
Agora, diz André, o projeto da Saúde, que está em avaliação, não vai
mais demandar investimento em torres, mas apenas nos equipamentos para
interligar os 132 postos de atendimento (entre R$ 2 mil e R$ 3 mil,
cada). O objetivo é desenvolver um trabalho de telemedicina, em
parceria com o Senai e uma instituição alemã, detentora de um software e de um dispositivo de coleta de imagens que demanda muita banda para a transmissão de dados.

A expansão da rede de Porto Alegre conta com um orçamento de R$ 4,8
milhões, com os quais serão integrados 400 pontos de acesso na capital.
Um backbone
de 380 km de fibra óptica interliga 40 estruturas governamentais,
principalmente secretarias. Mas estendê-la à periferia, analisa André,
não seria viável economicamente. Por isso, na Restinga, onde não havia
ADSL, a decisão da Procempa foi combinar tecnologias — inclusive PLC (PowerLine Communication),
que faz a transmissão pelos cabos da rede elétrica, numa parceria com a
CEEE-Companhia Estadual de Energia Elétrica. Da subestação da CEEE, a
prefeitura puxou mais 2 Km de fibra até um ponto de presença, na
Brigada Militar, que fica na Restinga, e conectaram, wireless (em 5,8 GHz), os 24 pontos de transmissão do bairro: quatro escolas, um centro administrativo, além de um hotspot Wi-Fi na Esplanada, centro de realização de eventos, entre outros. Atualmente, a prefeitura oferece espaços com sinal wireless
e internet gratuita na Praça da Alfândega, no Mercado Público, em 24
pontos do bairro da Restinga e nos Parques Farroupilha (Redenção) e
Moinhos de Vento (Parcão).

A telemedicina também é uma das principais aplicações do projeto de
Parintins, no Amazonas, informa Jorge Coelho, diretor regional de setor
público da Cisco (integradora de equipamentos para redes). A
aplicação  é desenvolvida sobre a rede sem-fio implantada com
recursos da empresa (pontos de acesso Wi-Fi) e de outros parceiros —
Intel, Proxim (integradora dos equipamentos WiMAX da Intel), CPqD (que
fez a instalação), as universidades estadual e federal do Amazonas, e a
federal de São Paulo (UEA, Ufam e USP), a prefeitura da cidade, o
Minicom, e a Embratel — que dá o link de satélite, de 2 Mb, até Manaus.

Parintins está a 500 km da capital, descendo o rio Amazonas na direção
do Pará.  O projeto de telemedicina é pilotado por Chao Lung Wen,
coordenador geral da disciplina de Telemedicina da USP. Por meio de um
aplicativo, os médicos tiram dúvidas com profissionais que estão em
Manaus, via videoconferência. “O generalista, em Parintins, tira uma
radiografia e a avalia junto com o especialista na capital e toma uma
decisão. Pode até operar, com apoio do sistema”, explica Jorge.

Na cidade, a tecnologia WiMax foi instalada no Centro de Saúde Irmão
Francisco Galiani, em duas escolas (Escola Irma Cristine e Escola Lila
Maia), e no Centro de Geração de Renda Aldair Kimura (comunitário).
Foram conectados a pontos de acesso Wi-Fi, que se comunicam com a torre
da Embratel, ligada à célula master do WiMax, para que a informação
seja transmitida a Manaus. Jorge lembra que projeto similar foi feito
em Belo Horizonte, também com WiMax da Intel e Wi-Fi da Cisco. Segundo
ele, a Prodabel (companhia de processamento de dados da capital
mineira) vai cobrir 90% da cidade com WiMAX. E, nos parques, pontos de
acesso farão a ligação com a rede Mesh. “A licitação já está na praça”,
afirma.

Petróleo garante acesso grátis

A cidade de Quissamã, ao norte do Rio de Janeiro, terá 100% de seu
território coberto pelo acesso à internet até junho. O município tem 16
mil habitantes e 4,5 mil residências, com uma economia baseada na
cultura canavieira, na produção de côco (a maior do estado) e, o que
faz toda a diferença, nos royalties recebidos da Petrobras pela exploração de petróleo na Bacia de Campos, onde está situado. Os royalties respondem por 45% da receita municipal, que é da ordem de R$ 100 milhões por ano.

Os recursos asseguraram o desenvolvimento de um projeto sustentável,
que dá conexão gratuita à população, e envolve duas redes, ambas em
freqüências não-licenciadas. Segundo o secretário municipal de Governo
e Adminstração, Ronaldo C. Silva, na faixa de 2,4 GHz (com Wi-Fi), é
feito o atendimento à população; na de 5,8 GHz, a interligação dos
órgãos de governo, para uso interno da prefeitura. Cobriam, em março,
80% da área territorial.

A criação de uma infra-estrutura de acesso à web produziu resultados
mensuráveis. A rede foi inaugurada em setembro de 2005, quando não
havia nenhum provedor particular, só funcionavam duas empresas de
informática, havia um único site local (da prefeitura) e eram apenas
200 computadores nas residências. Em março de 2007, 30% da população
navegava na web, a cidade tem seis empresas de informática, e o
secretário estima que exista um computador para cada 15 habitantes.
Além de prover acesso gratuito, a prefeitura abriu quatro telecentros
(chamados de Quissanets), que registram uma média de 4 mil acessos/mês,
além de um quiosque no centro, para consulta a serviços públicos.

Foram conectados todos os postos de saúde, escolas e prédios públicos,
o hospital e o Centro de Especialidades. Ronaldo explica que cada
cidadão tem um prontuário individual, disponível online
para toda a rede de saúde. A partir deste ano, a prefeitura vai
oferecer  matrícula escolar pela internet e a formação dos
laboratórios de ensino (em 12 escolas, apenas duas ainda não possuem o
seu). “Entendemos que inclusão digital é política pública”, diz o
secretário. Além disso, a prefeitura, que tinha um gasto de R$ 80 mil
por mês com telefonia, obteve uma economia de 40%, graças ao uso de
VoIP.

Por meio de uma parceria com o Cefet de Campos, são capacitados
monitores para os telecentros, e, este ano, haverá cursos também para a
população. A prefeitura de Quissamã também optou pelo uso de software
de código aberto nos projetos educacionais e a serem disseminados para
a comunidade. Os recursos provenientes da exploração do petróleo são
importantes, mas finitos, destaca Ronaldo. Por isso, a tecnologia
também deve promover a produção de conteúdos online e o fortalecimento de novas vocações econômicas, em busca da autonomia e da autosustentabilidade.

Quanto custa?

Segundo Jorge Coelho, diretor de serviços públicos da Cisco do Brasil, o mais caro num projeto municipal de rede sem-fio é o link de acesso à internet, que precisa conectar a estrutura da cidade no backbone de uma operadora. Com um alcance de 500 km, sai na faixa de R$ 5 mil a R$ 10 mil por mês.

O terminal para conexão WiMAX é mais caro do que o de Wi-Fi – US$ 200 e
US$ 20, respectivamente. Mas, como seu alcance e sinal tem melhor
desempenho, quando se usa backhaul
de WiMAX (para assegurar a conexão à internet num ponto-chave da
cidade), combina-se a tecnologia com pontos de acesso Wi-Fi na ponta,
porque a placa de rede é mais acessível.

Para operar a rede, Jorge acredita que sejam necessários um ou dois
gerentes, contratados da prefeitura (ou terceirizados em convênio) e
treinados pelo fabricante dos equipamentos. São eles que farão a
gerência, vão monitorar os problemas e acionar fornecedores e
parceiros. A instalação, para evitar a compra de torres, pode utilizar
postes de luz, desde que a companhia elétrica ceda 110 ou 220 voltz
para ligar a antena. Cada célula Wi-Fi custa cerca de US$ 5 mil. No
caso de Tiradentes (MG), cada uma cobre 300 metros. Mas esse alcance
depende da topografia local.

Jorge avalia que, no caso da cidade histórica mineira, o investimento,
caso fosse pago, seria da ordem de US$ 30 mil/ano. Esse valor, dividido
por 7,5 mil habitantes, equivaleria a um custo de US$ 4,00 per capita.
O suporte e a manutenção saem por cerca de 10% do total gasto, ou cerca
de US$ 3 mil anuais ou US$ 250 por mês. Ou seja, somando-se os dois
gerentes da rede (cerca de US$ 2 mil, incluindo encargos sociais), e
US$ 2,5 mil de link, chega-se a um custo mensal de US$ 4,750
mil. Sem incluir microcomputadores, nem as placas de Wi-Fi que os
terminais precisam dispor.

O Plano do Minicom

O Plano Nacional de Cidades Digitais do Ministério das Comunicações,
que quer articular várias ações de inclusão digital do governo,
pretende levar acesso banda larga à internet para todo o país, em cinco
anos, e num investimento estimado de R$ 2,8 bilhões – metade para
infra-estrutura de acesso e metade para o backhaul,
ou a disponibilidade de um ponto de acesso em cada município. O acesso
banda larga nos 1.916 municípios de menor renda – “aqueles onde não há
interesse das operadoras”, segundo o representante do Minicom, Átila
Souto, deve chegar no prazo de um ano. Nesse caso, “o governo vai ter
que levar (a conexão) e pagar”, afirmou, durante o 1º Wireless Mundi.

Nesse sentido, anunciou que está pronta a licitação para aquisição de
novos 8 mil pontos de presença do Gesac – Governo Eletrônico Serviço de
Atendimento ao Cidadão. Atualmente, o Gesac dá acesso à web
em áreas de baixa renda apenas via satélite (com 13.330 pontos, em 2,1
mil cidades), mas o novo edital inclui conexões terrestres, com outras
tecnologias.

O Plano do Minicom distingüe estratégias para “para três brasis”, diz
Souto. O primeiro envolve 696 cidades com ampla oferta de banda larga,
em que o ministério deve fazer apenas ações pontuais para cobrir áreas
de periferias, em que o serviço não esteja disponível. No segundo
grupo, estariam 2.951 municípios, onde a cobertura plena se dará por
meio do acesso individual, num prazo estimado de quatro anos. “São
lugares em que o serviço tem sustentabilidade, com classes A e B bem
definidas”, afirma, admitindo, ainda, o surgimento de parcerias
público-privadas com foco nessa demanda. E, finalmente, os 1.916
municípios que dependem de recursos públicos.

www.prefeitura.alterosa.net/ — Pref. de Alterosa (MG)

www.masterix.com.br/pmop/hp_final/index.php
— Pref. de Ouro Preto (MG)

www.pirai.rj.gov.br — Pref. de Piraí (RJ)

www.portoalegre.rs.gov.br/
— Pref. de Porto Alegre (RS)

www.quissama.rj.gov.br/
— Pref. de Quissamã (RJ)

www.pmrf-rj.com.br/— Pref. de Rio das Flores (RJ)

www.tiradentes.mg.gov.br/ — Pref. de Tiradentes (RJ)

www.anatel.gov.br – Agência Nacional de Telecomunicações

http://ibest.forumpcs.com.br/viewtopic.php?t=159531 — Como montar uma antena Wi-Fi com uma lata.