A maravilhosa experiência de ensinar e aprender

Hoje é dia do Professor. Com textos de Paulo Freire

e Seymour Papert, ARede homenageia os profissionais da educação.

15/10/09 – Hoje é Dia do Professor e ARede faz sua homenagem aos educadores com histórias sobre aprendizado contadas por dois dos mais brilhantes entre eles: Paulo Freire e Seymour Papert. Não foram escolhidos por acaso: as ideias de educação libertadora de Paulo Freire e do uso do computador como instrumento de aprendizagem, de Papert, estão no coração de ARede. E a paixão de ambos pelas descobertas proporcionadas pela educação, com as quais nunca deixaram de se maravilhar, é inspiradora.

Para Paulo Freire, educador pernambucano, mundialmente respeitado, não existe educação neutra. Todo ato de educação é um ato político. A alfabetização é, também, um processo de conscientização, no qual as pessoas aprendem a leitura e adquirem a visão crítica de seu mundo. “Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”, escreveu ele no livro Pedagogia do Oprimido.

Seymour Papert é matemático e educador estadunidense, nascido na África do Sul. Ele é o teórico mais conhecido sobre o uso de computadores na educação, tendo criado, na década de 1970, a linguagem de programação Logo, para crianças, quando os computadores eram muitos limitados, não existia a interface gráfica nem a internet. Na educação, Papert cunhou o termo construcionismo — abordagem que permite ao educando construir o seu próprio conhecimento por intermédio de alguma ferramenta, como o computador, por exemplo.

Os dois se conheciam (Freire morreu em 1997) e se admiravam mutuamente. Aqui, um video de um encontro de Freire e Papert na PUC, em São Paulo, em 1995, em um debate sobre educação. Abaixo, duas histórias de aprendizado narradas por eles.

De Paulo Freire, extrato de um texto que pode ser lido, na íntegra,  aqui.

Me achava na Ilha de São Tomé, na África Ocidental, no Golfo da Guiné. Participava com educadores e educadoras nacionais, do primeiro curso de formação para alfabetizadores.

Havia sido escolhido pela equipe nacional um pequeno povoado, Porto Mont, região de pesca, para ser o centro das atividades de formação. (…) Foi exatamente numa das tardes de formação que, durante a discussão de uma codificação que retratava Porto Mont, com suas casinhas alinhadas à margem da praia, em frente ao mar, com um pescador que deixava seu barco com um peixe na mão, que dois dos participantes, como se houvessem combinado, se levantaram, andaram até a janela da escola em que estávamos e olhando Porto Mont lá longe, disseram, de frente novamente para a codificação que representava o povoado: ‘É. Porto Mont é assim e não sabíamos’.

Até então, sua ‘leitura’ do lugarejo, de seu mundo particular, uma ‘leitura’ feita demasiadamente próxima do ‘texto’, que era o contexto do povoado, não lhes havia permitido ver Porto Mont como ele era. Havia uma certa ‘opacidade’ que cobria e encobria Porto Mont. A experiência que estavam fazendo de ‘tomar distância’ do objeto, no caso, da codificação de Porto Mont, lhes possibilitava uma nova leitura mais fiel ao “texto”, quer dizer, ao contexto de Porto Mont. A ‘tomada de distância’ que a ‘leitura’ da codificação lhes possibilitou os aproximou mais de Porto Mont como ‘texto’ sendo lido. Esta nova leitura refez a leitura anterior, daí que hajam dito: ‘É. Porto Mont é assim e não sabíamos’. Imersos na realidade de seu pequeno mundo, não eram capazes de vê-la. ‘Tomando distância’ dela, emergiram e, assim, a viram como até então jamais a tinham visto.

Estudar é desocultar, é ganhar a compreensão mais exata do objeto, é perceber suas relações com outros objetos. Implica que o estudioso, sujeito do estudo, se arrisque, se aventure, sem o que não cria nem recria.

Por isso também é que ensinar não pode ser um puro processo, como tanto tenho dito, de transferência de conhecimento do ensinante ao aprendiz. Transferência mecânica de que resulte a memorização maquinal que já critiquei. Ao estudo crítico corresponde um ensino igualmente crítico que demanda necessariamente uma forma crítica de compreender e de realizar a leitura da palavra e a leitura do mundo, leitura do contexto.

De Seymour Papert, A Maravilhosa Descoberta do Nada, escrita em 1996:

Quase todos os pais acham bom para seus filhos ‘aprender matemática’ e por isso procuram no mercado softwares que possam ‘ensinar matemática’ às crianças. Até aí, tudo bem. O que não é tão bom é que ideias dos pais a respeito do que vem a ser a matemática, e porque as crianças deveriam aprendê-la, são muito fracas. E isso os deixa em uma posição semelhante a de alguém que queira comprar alimentos para os filhos sem saber a diferença entre comida nutritiva e junk food.

Eu acho que 99% do que se vende é matemática junk.

Já que esta é uma afirmação muito peremptória, vocês têm o direito de perguntar — na verdade, deveriam perguntar — quais são minhas qualificações para dizer uma coisa assim. Não é dificil saber minha qualificação formal… como ser PH.D. em matemática e ser professor de matemática em um departamento do MIT. Mas eu gostaria de ser avaliado por vocês de outra maneira. Gostaria que ouvissem minhas histórias com a cabeça aberta, para analisar se fazem algum sentido. (…)

Quando eu era criança, me disseram que ‘os Hindus inventaram o zero’ e eu fiquei tentando entender o quê realmente eles haviam inventado. Como assim ‘inventar o zero’? Conclui que o que eles inventaram doi o símbolo redondo que usamos para representar o zero. Muitos anos depois, uma garota do jardim de infância, chamada Dawn, me ensinou a entender o que os Hindus realmente inventaram.

Dawn estava trabalhando (ou brincando…não vejo muita diferença entre as duas coisas quando são bem feitas) em um computador, usando uma versão da linguagem Logo com a qual podia controlar a velocidade dos objetos se movendo na tela. Teclava comandos como SETSPEED 100 e fazia as coisas se moverem bem depressa. Ou SETSPEED 10 as deixava bem lentas. Ela havia examinado algumas velocidades que pareciam importantes, como 55, e depois se voltou para as bem lentas, como 5 e 1.

De repente ela ficou muito feliz, agitada, e chamou primeiro um amigo depois um professor para mostrar algo interessante. Eu estava visitando a classe naquele momento e fiquei tão intrigado quanto os professores: nós não conseguíamos entender porque a Dawn estava tão contente. Não havia nada acontecendo em sua tela de computador.

Devagar surgiu em mim (ele faz um trocadilho com Dawn, que em inglês quer dizer nascente) a compreensão de que a questão era que Nada (com N maiúsculo) estava acontecendo. Ela havia teclado SETSPEED 0 e o objeto parou. Ela estava tentando nos dizer, mas não tinha palavras para fazê-lo com facilidade, que aqueles objetos que estavam ‘parados’ ainda estavam em ‘movimento’, eles se moviam na velocidade zero. Ficou feliz da vida porque descobriu que zero também é um número, que velocidade zero é uma velocidade, distância zero é uma distância e por aí vai. Ele entrou de repente na família dos números.