A ousada meta de Nova Iguaçu

Até o fim de 2007, devem ser 109 salas, para letramento e outras atividades. Mas não há recursos para conexão à web.



Até o fim de 2007, devem ser 109 salas, para letramento e outras atividades. Mas não há recursos para conexão à web.
Anamárcia Vainsencher

Com dinheiro, é fácil conectar telecentros à internet. Mas, numa cidade
com quase 1 milhão de habitantes, baixo Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), carência de esgotamento sanitário, mais de 30 mil
famílias dependentes de ajuda federal, a história é outra. “Aqui, 42%
das crianças têm problemas de letramento, e para conectar as escolas de
Nova Iguaçu (RJ) custa R$ 2,5 milhões. Valor elevado para uma cidade
com inúmeras carências,” pondera Celso Cunha, responsável pelo Projeto
Telecentro e, até recentemente, titular da Secretaria da Indústria,
Comércio e Agricultura de Nova Iguaçu (que abriga funções de
tecnologia), de onde está saindo para assumir o cargo de subsecretário
da pasta de Desenvolvimento e C&T da prefeitura de Niterói. Nem por
isso, a alfabetização digital vai devagar: hoje, há 17 telecentros em
atividade, instalados em 21 salas, cada uma com dez computadores e um
servidor, em média, conta Celso. O projeto é ambicioso: dispor de 109
espaços até o fim de 2007, dos quais 59 em escolas (são cem no
município).


Conexão em escola municipal (à esq), e feira livre na Praça Ruy Barbosa, Centro de Nova Iguaçu.

Dos espaços em funcionamento, oito estão em escolas, nove são
comunitários, abertos de sol a sol — esses têm conexão à internet, via
Velox (o serviço de banda larga da Oi) e Gesac (são dois pontos no
município, um na área rural de Tinguá, outro no TC comunitário tocado
pela ONG Cisane). O projeto, diz Celso, firmou, entre outras, uma
parceria com a Universidade Estácio de Sá, que cedeu três salas, cada
uma com 25 máquinas, por onde passam 25 pessoas por hora. Conta, ainda,
com duas instalações para cidadãos com necessidades especiais, uma na
Estácio, outra no Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Energia
(Sintergia). E, em parceria com o Serpro, foi montado um telecentro no
Centro Especial de Atenção ao Idoso, que dispõe de conexão Wi-Fi à
internet, fornecida pela AssisData, provedor local via rádio. Nessa
unidade, os idosos aprendem a usar computadores e a recorrer à web para
serviços de governo eletrônico.


Projeto barato

O Projeto de Telecentro de Nova Iguaçu começou a tomar forma em março
de 2006, quando foram equipadas as primeiras quatro escolas e a Casa da
Cultura. Os ambientes restantes foram implantados neste ano. “É um
projeto que custa pouco”, informa Celso. Os computadores são doados
pelo Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Cisane, HSBC, secretaria
municipal de Educação, Serpro, Sintergia. A cidade bem que gostaria de
ser digital, chamou a equipe de Piraí para fazer o projeto Wi-Fi, mas
ele não foi adiante. “Nova Iguaçu tem problemas de infra-estrutura de
telecomunicações. É um município com 523 km², dois terços dos quais são
reserva ambiental, na extensão restante moram perto de 1 milhão de
pessoas, a exclusão digital é alta”, resume o arquiteto do projeto.

Apesar de desconectado, o programa de letramento digital da cidade tem
o mérito de integrar políticas públicas existentes. Entre elas o Bolsa
Família, a Casa Brasil e o ProJovem. O Bolsa atende 35 mil famílias de
Nova Iguaçu, cujo cadastro é levado em conta no mapeamento para
implantação dos telecentros comunitários, que oferecem cursos de
informática. É necessário instalar salas nessas áreas, cujas populações
sequer têm dinheiro para tomar condução, e o deslocamento acaba
provocando alto grau de evasão escolar. Porque a distância de uma ponta
a outra da cidade é de 50 quilômetros. No caso do ProJovem, os 22
espaços onde são ministrados cursos noturnos de informática, durante o
dia funcionam como telecentros. A oferta não tem sido suficiente: no
Sintergia, a fila de espera é de 800 pessoas; na Estácio, de 1,9 mil;
no Km 32, 400.


Turma da Terceira Idade.

O Projeto Telecentro é tocado por um time multidisciplinar de sete
gestores, e cerca de 80 estagiários, todos estudantes bolsistas de
nível superior de quatro universidades, entre elas o campus
avançado da Universidade Rural, e do Cefet. Após a capacitação, os
melhores são convidados para trabalhar com os gestores no suporte aos
telecentros (cada um tem cinco estagiários), assumindo a função de
multiplicadores, e é também do grupo dos melhores que saem os
integrantes da fábrica de software do município. Nela, são desenvolvidos projetos, como o Siget — Sistema de Gestão online
de Telecentros. Ou o “vestibulinho” criado com os professores da Escola
Municipal Chaer-Kazen-Kalaoum, localizada em bairro de extrema
vulnerabilidade social: uma prova semestral sem nota, para melhorar a
auto-estima das crianças.

“O Projeto Telecentro tem duas fases”, explica Celso. A primeira é de
ambientação no mundo da informática. A segunda, desde março deste ano,
é de apropriação, onde cada unidade assume sua vocação, como a dos
idosos; ou a “Casa das Meninas”, em parceria com a ONG Brasil-Itália,
para formação profissional das que sofreram violências, ou estão em
liberdade assistida. Ou o da área rural, um trabalho conjunto com a
Emater-RJ, instalado na Escola Barão de Tinguá, junto da reserva de
mesmo nome, que atende à demanda de produtores familiares com serviços
de governo eletrônico, informações sobre tempo e plantio. “Cada
telecentro com sua cara, sua vocação, sua especificidade”, resume Celso.

Rogério Pessoa, subsecretário municipal de tecnologia de Nova Iguaçu,
diz que a apropriação, além do letramento, inclui atividades
“aprendendo-fazendo”, que têm entre suas ferramentas o GCompris
(conjunto interdisciplinar de aplicativos que pode ser utilizado em
Língua Portuguesa, Matemática, Educação Artística, Geografia), rodando
em Linux Fedora Core VI. Para o processo se consolidar, contudo, é
preciso “ganhar os professores”, admite Celso Cunha. “O primeiro passo
é lúdico, depois vêm os professores”, arremata ele.

Integrar faz bem à comunidade

Para virar o jogo da exclusão que afeta 97% da rede pública de ensino,
a prefeitura de Nova Iguaçu decidiu reduzir o analfabetismo digital.
Para isso, incluiu o Projeto Telecentro no do Bairro Escola, criado em
maio de 2006. Nesse projeto, as atividades acontecem em horário
integral, graças ao estabelecimento de parcerias entre as escolas e
organizações civis dos respectivos bairros: o clube cede a piscina que
fica ociosa durante a semana para uso das crianças; a igreja empresta a
sala para aulas de reforço, e assim por diante. O mérito do programa,
segundo a prefeitura, é duplo: envolve toda a comunidade na tarefa de
educar, e barateia o custo per capita
do horário integral (R$ 12,00 para as crianças do primeiro segmento, R$
34 para as do segundo). O prefeito Lindenberg Farias diz que o
Bairro-Escola nasceu de uma necessidade financeira: “Não tínhamos
dinheiro para construir grandes escolas, grandes equipamentos. Foi aí
que surgiu a idéia das parcerias.” Necessidade esta que também leva à
concessão de incentivos (isenção de ISS) para investimentos na cidade.
E às bolsas concedidas pela Estácio de Sá aos monitores dos telecentros.