22/03/2010 – O professor Yochai Benkler, um dos mais importantes pesquisadores sobre a internet e o surgimento da economia da sociedade em rede, publicou ontem, no New York Times, um artigo em que critica o Plano de Banda Larga dos Estados Unidos, anunciado na semana passada pela Federal Communications Commision, a agência reguladora de telecomunicações.
O ponto central de sua crítica é que o plano da FCC poderá incentivar o aumento da rede de banda larga daquele país, mas dificilmente vai conseguir que o serviço chegue a preços acessíveis e velocidades altas aos lares americanos, porque não estimula a competição entre várias operadoras.
O texto, escreveu Demi Getschko em sua página no Twitter, tem paralelos interessantes com o Brasil. É verdade: na maior parte do país não há competição no provimento de serviços de banda larga. E este é um dado fundamental a ser levado em consideração quando o país está fazendo seu próprio plano para tornar a banda larga acessível — em termos de existência da rede e de preços que os brasileiros possam pagar — a todo o país. Segue a tradução do artigo:
“Imagine que por US$ 33,00 mensais você poderia contratar um acesso à internet duas vezes mais rápido do que você recebe, hoje, da Verizon ou da Comcast, em um pacote com TV digital de alta definição, sem limite de chamadas de longa distância ou internacionais para 70 países e conexão sem fio para seu laptop ou smartphone em boa parte do país.
Você pode comprar um pacote assim na França e há serviços com preços e velocidades parecidos em outros países onde há competição no mercado de telecomunicações. Mas não nos Estados Unidos. Os preços aqui são de três a cinco vezes mais caros para os serviços com maior velocidade — são os preços mais altos entre os países desenvolvidos.
O Plano Nacional de Banda Larga da Federal Communications Commission (FCC), anunciado na semana passada, tem como meta oferecer serviços de banda larga quase universais e a preços acessíveis até 2020. Ao mesmo tempo em que dá passos maravilhosos — incluindo esforços importantes para abrir espaço no espectro de frequências — ele não vai à raiz do problema de acesso: sem uma ampla política de estímulo à competição, os Estados Unidos vão continuar na lanterninha dos países desenvolvidos no que diz respeito ao serviço de banda larga.
Veja as “100 Squared Initiative” da FCC, iniciativa prevista no plano para entregar serviços de 100 megabits-por-segundo a 100 milhões de lares americanos, com tarifas acessíveis, até 2020. Alcançar a velocidade desejada não vai ser complicado, a indústria já está a caminho de chegar lá nos próximos dez anos.
O problema é o preço acessível — porque não há competição forçando uma queda nesses preços. De acordo com o plano, apenas 15% dos lares poderão escolher entre mais de um provedor. Mesmo assim, com uma escolha limitada entre a rede de fibras ópticas FiOS da Verizon FiOS e a rede da TV a cabo local (a oferta de “fibra” da AT&T é somente um ADSL vitaminado, transmitindo parcialmente sobre os fios de cobre da empresa, e não pode competir em altas velocidades). Os outros 85% dos lares americanos só vão poder comprar serviços de um provedor.
No ano passado fiz, com meus colegas, um estudo para a Federal Communications Commission mostrando que um motivo fundamental para outros países terem conseguido expandir o acesso à banda larga e, ao mesmo tempo, reduzir os preços ao longo da década passada foi o compromisso com políticas de acesso aberto às redes de telecomunicações (open-access), determinando que as operadoras construíssem redes para vender capacidade para seus competidores que, por sua vez, investiram, e competiram, nessas redes.
Esses países se deram conta de que a inovação ocorre na eletrônica e nos serviços — não no trabalho de esticar ou enterrar cabos. Se toda empresa precisa cavar seus próprios buracos para implantar seus cabos, o preço de entrada no negócio se torna muito alto e a competição não acontece; com o tempo, a inovação deixa de acontecer e a meta de melhor e mais amplo acesso claudica.
As operadoras locais argumentam que merecem o controle sobre o mercado porque investiram uma quantidade enorme de dinheiro cavando rotas e enterrando os cabos de suas redes de telecomunicações. É realmente caro fazer isso. Mas outros países estão criando formas para que mais competidores compartilhem o risco de implantar fibras, algumas vezes em conjunto com investimentos públicos, para que as operadoras dominantes consigam conviver com a concorrência sem se ferir desnecessariamente.
Fazer uma articulação como esta funcionar é, em última instância, uma questão de vontade política. No Japão e em vários países da Europa os órgãos reguladores brigaram muito para que as operadoras existentes aderissem ao acesso aberto. Ganharam a briga e hoje, nesses países, há competição, preços baixos e velocidades mais altas. E uma política como esta está claramente ausente do plano da FCC.
O Telecommunications Act de 1996 (a lei das telecomunicações dos EUA) na verdade colocou os Estados Unidos na direção do acesso aberto. Mas depois de oito anos de intensas disputas legais e lobbies das operadoras de telefonia, a FCC se entregou e decidiu que a competição entre uma operadora dominante e uma operadora de TV a cabo seria suficiente — essencialmente, rejeitou o acesso aberto como uma maneira de criar competição.
Mas sem um forte compromisso com o acesso livre, as coisas vão ficar piores ainda. Por causa do alto custo de implantar sua própria rede de fibras ópticas de próxima geração, possíveis competidores como a AT&T e a Qwest abandonaram a meta de fazer redes de fibras ópticas para os chegar aos domicílios americanos, deixando os serviços de maior velocidade nas mãos das operadoras de TV a cabo.
Essas empresas não estão disfarçando sua satisfação: um recente relatório de investidores da Time-Warner alardeou a capacidade da operadora de praticar preços maiores nos mercados onde seus potenciais competidores oferecem apenas serviços DSL.
O plano de banda larga da FCC não abre mão da competição completamente. Recomenda uma série de coisas que trazem somente pequenas, ainda que produtivas, vantagens: por exemplo, prevê o recolhimento de dados sobre taxas de velocidade, que poderão demonstrar como a estrutura de monopólio faz os preços aumentarem e prejudica o acesso.
Infelizmente, no entanto, importantes membros da equipe da FCC admitiram em entrevistas que a pressão do lobby dos monopólios é muito forte mesmo para começar a estudar alternativas de acesso aberto neste momento.
Pode ser. Mas a decisão da FCC gera riscos reais. Se for mantido este curso, a nova política da comissão vai construir uma rede sem fio mais poderosa em torno de um sistema de monopólio mais entrincheirado, criando um obstáculo insuperável para o trabalho de fazer com que a rede de banda larga dos Estados Unidos alcance a velocidade do resto do mundo.”
Yochai Benkler é professor e co-diretor do Berkman Center for Internet and Society da escola de Direito de Harvard.