As previsões sobre as potencialidades das comunidades virtuais ainda
não foram atingidas em sua plenitude. A força da internet, contudo,
extrapolou as expectativas. Capaz de colecionar façanhas, dentre elas a
de perturbar um gigante adormecido: a televisão. No artigo “A Rede que
Une”, Andrew Shapiro faz uma reflexão sobre a internet e aponta que “um
dos problemas de se viver em um tempo de grandes mudanças é que muitas
vezes temos dificuldades de entender exatamente o que está mudando”.
Muitos fatores dificultam a análise dos efeitos da internet sobre a
sociedade: a) Há um nível de exclusão digital elevado; b) As
comunidades de inteligência coletiva ainda são incipientes; c) A
dimensão da real interferência política da internet é objeto raro de
pesquisa; e d) A maior parte da população que usa tecnologias da
informação e de comunicação vêem estes bens como meros itens de
consumo. De acordo com pesquisas apontadas por Shapiro, pouco se evolui
em intervenções presenciais nas comunidades onde a inclusão digital
avançou. Surge, então, uma dúvida: a democrática internet tem promovido
o indivíduo ou o coletivo?
O Brasil tem chamado a atenção pela imensa quantidade de participantes
em comunidades virtuais, como o Orkut, onde cerca de 70% dos mais de 6
milhões dos inscritos são brasileiros, ou no SourceForge e nas
comunidades de software livre. Essa participação ativa, com
blogs, wikis, e fóruns, tem consolidado o conceito de comunidade
virtual, evidenciando alterações na estrutura social brasileira, a
ponto de dois analistas políticos, Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim,
considerarem que a internet teve fator decisivo na última eleição
presidencial. Mas até que ponto os brasileiros têm utilizado a
tecnologia para a melhoria da sociedade? Stephen Biggs, em “Global
Village or Urban Jungle: Culture, Self-Construal, and the Internet”,
expressa esse paradoxo: a internet, vista como uma vila global, tem se
mostrado uma selva urbana. Com a promessa de uma existência virtual sem
contatos com a vida desconectada — compre de casa, trabalhe de casa,
faça terapia de casa — a internet tem “suburbanizado” a existência
humana. A grande flexibilidade e liberdade oferecidas pelas relações
virtuais têm ocasionado a dispersão das relações pessoais e, pior, da
responsabilidade coletiva de cada indivíduo. Segundo Shapiro, um dos
grandes desafios do mundo virtual é, justamente, transformar o poder de
aglutinação de comunidades virtuais em interferências verdadeiras na
sociedade.
A revolução depende de mudanças estruturais no cotidiano. No Brasil, as
comunidades virtuais têm potencializado a organização de indivíduos em
novas estruturas. Comunidades que começaram virtuais — a Comunidade
Python Brasil e o Sistema de Inventário Cacic — passam a ter encontros
presenciais em eventos como o PyCon Brasil e o Fórum Internacional de
Software Livre (Fisl). Surge uma nova dimensão de poder, que,
infelizmente, tem sido ignorada pela maioria da população. Para votar
no “Big Brother”, milhôes de pessoas acessam a internet e salvam um
“lindo rosto” do “paredão”; mas as campanhas de defesa da Amazônia,
sequer alcançam a casa do milhão de internautas. Ou seja, não se pode
dar mais um clique em prol do maior bioma do planeta. O Brasil tem
bases sólidas na direção da interação social. Importante pensarmos em
como as comunidades virtuais podem trazer resultados concretos de
organização social e de reconfiguração da estrutura de poder. Apenas
tomando-se consciência deste movimento das comunidades virtuais, será
possível orientá-lo para ações efetivamente coletivas, tornar mais
transparente as relações de poder e reunir o que há de melhor nas
comunidades virtuais e tradicionais.
* Gerente de inovações tecnológicas do Ministério do Planejamento
** Engenheira de projetos/programadora do Centro de Pesquisas Renato Archer