Isso, sim, é celular inteligente
Aplicativo permite que pessoas com deficiência visual ou analfabetas usem aparelhos com tela sensível ao toque
Anamarcia Vainsencher
ARede nº 86 – novembro de 2012
DE ACORDO COM UM levantamento feito pela empresa estado-unidense Flurry, especializada em analisar a audiência de aplicativos em celulares, existem no Brasil mais de 13 milhões de telefones com tela sensível ao toque. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há no país aproximadamente 500 mil cegos e, além deles, mais de 6 milhões de pessoas com grande dificuldade para enxergar. Diante desse cenário, você já parou para pensar como pode ser complicado para a pessoa com deficiência visual usar celulares em que o touchscreen substitui os botões?
Antes, os dedos podiam facilmente identificar a posição de teclas, desvendar onde ficavam os números e os botões para ligar ou desligar o aparelho. Atualmente, a tela sensível ao toque é lisa, impedindo qualquer diferenciação com os dedos das funções exibidas. Atenta a essa dificuldade, a Fundação CPqD, de Campinas, se empenhou em desenvolver uma solução para o problema.
A instituição, em parceria com o Centro de Prevenção à Cegueira de Americana, criou o VozMóvel, aplicativo para celulares com sistema operacional Android. O programa usa o som para indicar a posição dos dedos sobre o celular, dividindo a tela táctil em seis quadrantes, enquanto um sintetizador de voz anuncia o que está sob as digitais do usuário. Ao usar um telefone com o software, ouve-se uma breve descrição dos comandos exibidos, como chamadas, agenda, mensagens etc. Tudo em português “brasileiro”.
Além das pessoas com deficiência visual, o recurso pode atender a quem não sabe ler e escrever. Existem, ainda, 14 milhões de brasileiros analfabetos, segundo o IBGE. “Trata-se de uma iniciativa de cunho assistencial com um grande público-alvo potencial”, afirma o coordenador Claudinei Martins, pesquisador da diretoria de Tecnologia de Serviços do CPqD.
Ele conta que as funcionalidades foram concebidas com base nas reais necessidades do público-alvo: um grupo de nove pessoas com deficiência visual testa há quase um ano aparelhos com a tecnologia. Esses usuários repassam ao CPqD informações sobre a facilidade de uso, travamentos e até sugestões de recursos que possam ser acrescentados. Entre os “desejos” mais citados estão despertador, GPS (para facilitar o deslocamento na rua), agenda de compromissos, acesso às mensagens, além de vários aplicativos de entretenimento.
Por enquanto, o VozMóvel dita ações como chamadas, histórico de ligações, contatos, mensagens de texto (SMS), nível de sinal e de bateria e data/hora. O número de funções pode aumentar além dos pedidos. O coordenador conta que serão implementadas ainda operações para permitir a narração automática de telas de interação com os usuários, não apenas de recursos pré-selecionados.
Em funcionamento parcial desde fevereiro de 2012, o projeto tem conclusão prevista para abril de 2013. Dispõe de recursos totais de R$ 5,2 milhões provenientes do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), administrados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Apesar de testado por poucos, os resultados já são palpáveis. Antes do VozMóvel, os nove deficientes visuais se limitavam a receber chamadas e fazer poucas ligações para contatos próximos (normalmente familiares), cujos números de telefones haviam sido decorados usando celulares comuns. Com aparelhos que usam o software do CPqD, o número de chamadas triplicou, em média, e o envio e recebimento de mensagens de texto (SMS), antes nulo, passou a ser de três por semana. Assim, o VozMóvel atinge seu principal objetivo: propiciar autonomia e privacidade ao usuário.
A intenção é, no futuro, distribuir o aplicativo em todo o Brasil por meio de parcerias com operadoras de telefonia móvel e fabricantes de aparelhos. Martins lembra que vai ser importante as operadoras aproveitarem suas lojas para realizar um primeiro atendimento personalizado às pessoas com deficiência. Diz também que as fabricantes de equipamentos poderão customizar o programa para embarcá-los nos telefones.
Mas o CPqD não quer parar nos celulares. Segundo Martins, o modelo de interação pode ser usado por qualquer pessoa (com e sem deficiência), e ser aplicado a outros dispositivos touchscreen, como tablets. Também podem equipar televisores/monitores e terminais de consulta/autoatendimento.