O Cine Falcatrua, projeto de extensão da UFES, exibe e ensina a exibir material audiovisual com tecnologias digitais caseiras.
Vitória Guimarães
"Sou Feia, mas Tô
na Moda", de Denise
Garcia, exibido num
baile Funk.O Cine Falcatrua,
programa que envolve cineclube, produção de material
didático e oficinas para produção e exibição de vídeo, nasceu da
vontade de alunos de vários cursos da Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES) de replicar o circuito cinematográfico por conta própria –
não só na realização, mas na distribuição, exibição e crítica. Só
que utilizando tecnologias digitais caseiras.
Há dois anos, quando chegaram novos equipamentos na universidade, como
datashow e amplificadores, os alunos decidiram usá-los para construir
uma estrutura de projeção barata e flexível, em vez de deixá-los apenas
para as apresentações em salas de aula. Assim, no final de 2003,
começou o Cine Falcatrua, que foi encampado pela UFES.
Uma das principais preocupações do Falcatrua é a articulação com o
público. Além de abrir espaço para filmes ou vídeos que não encontram
lugar nas salas de exibição convencionais, o projeto quer provocar, nos
espectadores, o surgimento de exibidores. Ou seja, as técnicas
utilizadas pelo Cine Falcatrua são difundidas para o maior número de
pessoas possível, de forma a ampliar a quantidade de cineclubes
digitais.
“As sessões são montadas na frente do público, para que as pessoas
entendam como tudo funciona e possam repetir depois”, diz Gabriel
Menotti, participante e redator do projeto. Enquanto projeto de
extensão e pesquisa, o Cine Falcatrua pretende criar um local para a
experimentação prática de novas formas de produção e difusão cultural,
usando tecnologias digitais amplamente acessíveis. Gabriel acredita
que, dessa maneira, é possível pensar as implicações e motivações
econômicas, jurídicas e criativas dessas tecnologias, com uma base mais
real.
Normalmente, para as exibições, são utilizados auditórios e descampados
na própria UFES. Mas já foram realizadas projeções em galerias de arte,
nas ruas de São Paulo, em bairros da periferia de Vitória (ES) e até em
bailes funk. “Procuramos mostrar como qualquer espaço pode ser
transformado em um cinema, com algumas tecnologias simples”, explica
Gabriel. Foi o caso do documentário "Sou Feia, mas Tô na Moda", sobre
as mulheres do funk carioca, exibido durante um baile.
A maioria dos títulos é baixada na internet. Mas a veiculação de dois
filmes antes de suas estréias (“Kill Bill” e “Fahrenheit 11 de
Setembro”) renderam uma ação judicial ao Falcatrua. As distribuidoras
Lumière e Europa acusaram a universidade de concorrência desleal.
Após esse incidente, o Cine Falcatrua, em vez de encerrar as
atividades, optou por se concentrar em filmes independentes. Entraram
em contato direto com realizadores, que aprovaram a idéia do cineclube
e enviaram seus filmes para exibição. Foi assim que, após um ano do
lançamento, o Falcatrua conseguiu fazer as estréias de documentários
como “O Prisioneiro da Grade de Ferro”, de Paulo Sacramento, e “O Fim
do Sem Fim” de Cao Guimarães, com o apoio dos seus diretores.
Cinema-gambiarra
Começaram também a procurar material audiovisual feito para a internet,
com direitos de cópia e exibição livres. Desse movimento, surgiram as
Mostras de Conteúdos Livres, que são programas de exibição de filmes
sob licenças Creative Commons, copyleft ou GPL. Essas mostras,
normalmente, são acompanhadas de uma breve explicação sobre
alternativas de direito autoral, em um contexto de redes digitais. A
idéia é explorar uma nova economia do produto audiovisual, na qual a
distância entre o realizador e o exibidor é a menor possível,
facilitando assim a circulação do filme.
Em 2004, o Cine Falcatrua realizou mais de 40 sessões semanais, todas
gratuitas, reunindo um público de cerca de 5 mil pessoas. O projeto foi
aplaudido e incentivado por nomes do cinema nacional, como Luiz Carlos
Lacerda, Cláudio Assis e Paulo Sacramento. O grupo também foi convidado
para participar de eventos por todo o país, como o festival de
mídia-ativismo Digitofagia, em São Paulo, a XXV Jornada Nacional dos
Cineclubes, também em São Paulo, e o V Fórum Social Mundial, em Porto
Alegre. Em maio deste ano, o Falcatrua participou do II Festival do
Livre Olhar, em Porto Alegre, no qual conduziram uma Mostra de
Conteúdos Livres, composta inteiramente de filmes licenciados em
Creative Commons.
Cena de "O Prisoneiro da Grade
de Ferro", sobre o Carandiru.
Além das exibições de filmes, o Falcatrua também ministra oficinas,
como a de Cineclubismo Digital Gambiarra, que ensina a construir salas
de projeção e explica a logística de distribuição de filmes com
tecnologias digitais caseiras; produz e distribui gratuitamente
panfletos e cartilhas sobre assuntos relacionados ao cineclubismo
gambiarra, como direitos autorais e produção cinematográfica, e também
produz material audiovisual, como os vídeos “TV Falcatrua” e “O
Gilbertinho prefere cópias digitais”. Esses já foram exibidos em
lugares diversos, como o II Festival de Software Livre da Bahia e o
Salão de Maio, festival de intervenções artísticas de Salvador.
Todos os participantes do Cine Falcatrua são voluntários, e a UFES
entra com o empréstimo dos equipamentos. “Quando queremos fazer alguma
coisa mais complexa, procuramos parceiros, como a Secretaria de Estado
da Cultura do Espírito Santo e o Conselho Nacional de Cineclubes”,
conta Gabriel. Com a popularização do projeto, o nome Cine Falcatrua se
transformou em uma modalidade de cinema, que consiste em baixar filmes
da internet e exibí-los direto do computador em uma sala de projeção
simulada. “Já temos notícias de pessoas fazendo isso, com esse nome, no
Rio Grande do Sul e em Florianópolis”, comemora Gabriel.