Aplicativo auxilia deficientes visuais a acessar programas na web

Projeto de professor da PUC Minas é gratuito, utiliza mouse em vez de teclado e pode ser usado em qualquer computador.

do Correio Braziliense

10/01/2012 – Ao fechar os olhos, dentro de casa, você será capaz de se movimentar com alguma facilidade pelos cômodos, localizando portas, móveis e janelas. O cérebro cria uma representação mental do espaço, permitindo que a locomoção feita sem o auxílio da visão seja relativamente bem-sucedida. É justamente esse o princípio de um aplicativo para computador que está em fase final de desenvolvimento por professores mineiros e auxiliará deficientes visuais a se orientarem de maneira independente e eficaz por qualquer lugar do mundo. Seu funcionamento tem como base a sintetização sonora de dados dos programas Google Earth e Google Maps e estará disponível para download grátis em breve.
Batizado de GE Falador (iniciais de “graphic engine”), o aplicativo é resultado da tese “Modelo de interpretação e representação da informação espacial: uma visão alternativa em ambiente web GIS”, defendida em 2008 no Programa de Pós-graduação em Tratamento da Informação Espacial da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) pelo engenheiro Marcelo Franco Porto. Professor de projeto e computação gráfica para os cursos de engenharia da Universidade Federal de São João del-Rei, ele contou com a orientação de João Francisco de Abreu, doutor pela Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, e professor de geografia da PUC.
O usuário poderá baixar gratuitamente o aplicativo e usá-lo em qualquer computador. Detalhe: com mouse e não teclado. Ao mover o cursor sobre o mapa de um país ou pelas ruas de uma cidade, por exemplo, o deficiente visual ouve diferentes sinais sonoros, cada um com um significado. Pode ser um bipe para informar a altura de um terreno, uma voz informando as coordenadas e a distância entre o usuário e o destino escolhido ou mesmo o som de água para informar a proximidade do mar. “O que existe de mais próximo a isso não é tão adequado. A proposta é ter toda a informação do Google Earth e do Google Maps à disposição. É o mundo inteiro”, diz Marcelo.
Na prática, cada movimento feito com o mouse é analisado pelo aplicativo, que “lê” todas essas ações e, a partir disso, devolve ao usuário referências que contemplam três categorias principais de relações espaciais essenciais à compreensão do espaço por meio da cartografia: topológica (percepção do espaço próximo), projetiva (localização de elementos fixos de acordo com o referencial do observador) e euclidiana (localização de objetos por meio de coordenadas, envolvendo matemáticos e cartográficos, por exemplo). A cartografia digital via internet leva vantagem em relação à cartografia tátil (baseada em alto relevo, sistema de leitura braile etc) por priorizar a acessibilidade e a comunicação de maneira atualizada.
“Poderíamos ter usado sistemas mais sofisticados, como luvas especiais, mas preferimos algo que universalizasse o aplicativo. Nesse projeto, trabalhamos muito com a percepção via mouse e com a audição, que tem poder espacializante. O grande objetivo é permitir que, ao usar o aplicativo, o deficiente visual monte um mapa mental para auxiliá-lo na rua, quando não terá computador à mão. Isso lhe dará autonomia. É mais que inclusão digital, é inserção social. A ideia é que o aplicativo seja de uso público, sem interesse financeiro”, observa o engenheiro Marcelo Porto. Ele adianta que já estão em curso adaptações do GE Falador para serem usadas em tablets, telefones celulares e outros dispositivos móveis.
Um dos fatores que motivaram o desenvolvimento do GE Falador foi o trabalho de um colega australiano, Reginald Golledge, professor de geografia da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, que morreu em 2009. Quando ficou cego, Golledge passou a pesquisar apenas sobre mapas cognitivos e percepção especial para deficientes visuais . Ele foi professor de João Francisco e, a partir desse contato, a ideia surgiu.
Os testes começaram há cerca de dois anos no Núcleo de Apoio à Inclusão do Aluno com Necessidades Educacionais Especiais da PUC Minas, envolvendo bolsistas dos cursos de computação e geografia. A segunda fase de testes, no ano passado, foi realizada com alunos e professores do ensino fundamental do Instituto São Rafael, que atende deficientes visuais em Belo Horizonte. Encontros semanais ajudaram a equipe a desenvolver melhor o aplicativo, que, aprimorado, foi testado pelos alunos na fase final. “Ouvir um daqueles estudantes dizer que achou a casa dele ou perguntar onde fica a Europa, porque quer visitá-la, é emocionante”, conta Marcelo.
“O aprendizado de crianças que chegaram a enxergar um pouco é mais difícil que o de quem ficou cego quando adulto. No entanto, elas aprendem rápido. O cego de nascença é o mais difícil, mas não impossível. Só requer mais treinamento”, acrescenta o pesquisador, segundo quem nada impede que o GE Falador seja usado também no ensino de crianças com visão normal.
Por fim, uma prova de que os professores mineiros estão no caminho certo: depois de fazerem “passeios” pelos mapas digitais (ouvindo todos os sinais sonoros), os alunos que testaram o aplicativo foram solicitados a criar, com o mouse, uma imagem do que foi visitado sem qualquer outra referência. Sobrepostas, as duas imagens eram muito semelhantes. 

{jcomments on}