Armazenamento de dados de brasileiros no país pode levar a sanções internacionais

22/08 - Segundo Ronaldo Lemos, medida proposta em nova redação do Marco Civl da Internet também pode resultar em fragmentação da internet.

Da redação

22/08/2013 – Em encontro realizado hoje no auditório da faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, os professores Ronaldo Lemos, Luis Fernando Moncau, e o sociólogo Sergio Amadeu comentaram a postura do governo brasileiro de sugerir o armazenamento de dados de cidadãos brasileiros em data centers localizados no país. Segundo eles, a medida traria consequências negativas para o desenvolvimento da internet regionalmente. 

Ronaldo Lemos, professor da FGV-Rio, ressaltou que falta ao país um arcabouço legal para proteger o cidadão online, bem como seus dados pessoais. Mencionou a nova proposta de redação do artigo 10 do Marco Civil da Internet, que aguarda votação no Congresso há dois anos. Pelo texto, dados de cidadãos brasileiros coletados online devem ser armazenados também em data centers localizados no Brasil, bem como dados de qualquer pessoa, mesmo estrangeira, que se conecte à internet por meio da rede nacional.

O professor frisou que há erros técnicos ao se considerar possível guardar dados de brasileiros no Brasil. “Como um site vai saber se a pessoa é brasileira? Seria feito um cadastro em cada serviço?”, questiona. Para ele, serviços estrangeiros prefeririam simplesmente bloquear o acesso a brasileiros enquanto não tivessem data center local. Outro problema levantado diz respeito ao armazenamento de dados de pessoas que navegam na rede nacional. “A pessoa pode usar proxy ou VPN. Como identificar sua localizacao? Por isso, do ponto de vista juridico, essa redacao é um problema”, diz.

A aprovação do Marco Civil com tais alterações no artigo 10 podem resultar ainda em problemas no âmbito do que, no Direito, é chamado de reciprocidade. “Outros países podem adotar as mesmas medidas ao se relacionar com o Brasil, o que levaria a uma balcanização da internet. Haveria redes distribuídas por países, definidas por questões legais, e não por eficiência”, ressaltou. Mesmo organismos multilateriais poderiam estabelecer sanções, caso interpretassem que o texto representa a criação de medidas protecionistas ou reserva de mercado. “Por regulamento da Organização Mundial do Comércio, a medida pode ser interpretada como desproporcional”, afirmou Lemos.

Ele adverte para o risco de a proposta ir a plenário em meio a um frenesi causado pela descoberta de espionagem praticada pelo governo dos Estados Unidos a cidadãos de todo o mundo. “A resposta do governo não deve ser só legal. Precisa ser multissetorial, ouvindo representantes da academia, do setor privado, da sociedade civil”, frisou.

Por isso, o professor defendeu a aprovação do texto que foi à Câmara em meados de 2012, onde não havia a exigência de armazenamento de dados de brasileiros em terrítório nacional. “O projeto estava maduro, colocaria o Brasil numa posição de liderança de defesa da liberdade, uma área em que os EUA perderam poder com praticas contraditórias. O Brasil podia ocupar o espaço, especialmente em relacao aos Brics”, defendeu.

Também da FGV-Rio, o professor Luis Fernando Moncau defendeu que a proposta de nova redação para o Marco Civil não levou em consideração aspectos técnicos, apenas políticos. Ressaltou ainda que existe um vazio regulatório quanto ao funcionamento da rede no Brasil, e alertou que, se o Legislativo não aprovar o Marco Civil ou a Lei de Proteção aos Dados Pessoais (atualmente em análise no Executivo), outros órgãos ocuparão o vácuo. “A Anatel está disputando o poder de controlar a internet. Tem atropelado processos democráticos e participativos. Sobre a governança da internet, atropelou outros orgãos de governo”, disse. 

Moncau lembrou ainda outro debate fundamental a respeito do Marco Civil: a neutralidade de rede. “Há interesses das empresas de telecom, que se posicionam contra a neutralidade como está descrita. A neutralidade é tão, ou mais, importante que a questão do armazenamento”, afirmou. Sem a neutralidade da rede, as empresas poderiam definir quais conteúdos teriam prioridade ao passar pela rede, ou mesmo cobrar valores diferentes conforme sites acessados.

O professor lembrou as manifestações que acabam de acontecer no país, onde se exigiu mais participação nas decisões do governo. “É muito curioso que depois de tudo isso, empresas ainda pratiquem lobby e, juntamente com o governo, façam com relação ao Marco Civil a velha política tão criticada”, observou.

Sergio Amadeu lembrou que os Estados Unidos têm uma série de leis que obrigam fabricantes e desenvolvedores de software a deixar portas acessíveis pelo governo do país. Ressaltou que isso abre qualquer equipamento fabricado por eles e usado no Brasil à vigilância. “Nenhum equipamento de criptografia fabricado nos EUA sai do país sem poder ser manipulado pelo governo”, frisou.