Ação Educativa vira Pontão de Cultura e abre novos espaços para artistas populares
Carlos Minuano
ARede nº56, março de 2010 – Além de ter completado, em 2009, 15 anos de atividades voltadas às áreas de educação, juventude e cultura, a ONG paulista Ação Educativa tem mais um motivo para comemorar: acaba de ser selecionada como Pontão de Cultura, pelo Ministério da Cultura (MinC), e como Ponto de Cultura, no edital da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, em convênio com o MinC. Com isso, mais R$ 600 mil serão injetados nos diversos projetos culturais da organização, durante os próximos três anos.
“Todo o nosso programa de cultura está estruturado para apoiar atividades da periferia”, explica o historiador Antonio Eleilson, coordenador da área de cultura da Ação Educativa. Agora, com o Pontão, aumenta o espaço para esses grupos. Entre as atividades que vão ganhar mais fôlego está a Mostra Cultural da Ação Educativa, já realizada há dois anos junto à Cooperifa (movimento literário da zona sul), que a partir deste ano passa a ser nacional. “Vamos trazer grupos culturais ligados a Pontos de Cultura de periferias de diferentes regiões do país”, conta Eleilson. Para começar, deverão se apresentar grupos de Belém, Fortaleza, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Luís.
O Pontão também vai sediar, no segundo semestre de 2010, o primeiro seminário internacional “A Cultura nas Periferias das Metrópoles”, realizado em parceria com o Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de São Paulo, o Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro e o Centro Cultural da Espanha, responsável por trazer agentes culturais e ativistas de outros países. A prioridade, claro, será a América Latina. Virão convidados da Argentina, do México e do Peru.
A Ação Educativa também é um dos mais novos Pontos de Cultura da cidade de São Paulo. A sede da ONG, que já promovia uma extensa programação cultural, passa a se chamar Espaço Cultural – Periferia no Centro. A atenção à produção cultural periférica tem justificativa: 95% dos aparelhos culturais estão no centro expandido de São Paulo. Eventos como o Sarau Rap da Cooperifa, o Suburbano no Centro, o Samba da Comunidade e o Palavra em Cena passam a fazer parte da agenda do Periferia no Centro. Outro destaque da programação será uma versão matinê da Rinha dos MCs, produzida pelo rapper Crioulo Doido. “É uma disputa de improviso semelhante à dos repentistas. Os participantes têm 45 segundos para fazer rimas a partir de um tema”, descreve Eleilson.
15 anos de ativismo
A história da Ação Educativa começou em 1974, com a fundação do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), conta a socióloga Maria Virgínia de Freitas, coordenadora da área de Juventude e integrante da coordenação executiva. “Depois de vinte anos, o Cedi se desfez, dando origem a outras três ONGs”, recorda. Assim nasceu, em 1994, a Ação Educativa, hoje com três grandes áreas de atuação: educação, juventude e espaço de cultura e mobilização social.
A área de Educação combina a atuação junto a escolas e programas educacionais com ações de intervenção nas políticas públicas amplas. Abriga cinco programas: Educação de Jovens e Adultos, Ação na Escola, Observatório da Educação, Ação na Justiça e Pesquisa e Monitoramento de Políticas. A área de Juventude funciona como uma área-programa, com apoio e capacitação a grupos de jovens, formação de educadores, produção de conhecimentos, ação em redes e espaços de representação política, assessoria a programas para jovens em parceria com órgãos públicos e organizações sociais.
O Espaço de Cultura e Mobilização Social presta serviços à população e a organizações, oferecendo suas dependências, equipamentos e experiência em promoção de eventos. Oferece cursos e oficinas para arte-educadores. Em 2000, com a inauguração da sede própria, a área de cultura conquistou mais espaço. No ano seguinte, aconteceu a primeira semana de hip-hop. Na esteira, vieram o Dia do Grafite, rodas de samba, saraus de literatura, teatro, dança. Com presença cada vez maior nas ações de educação e principalmente no núcleo de juventude, a cultura, em 2007, tornou-se uma área independente. “Havia uma fala generalizada de que os jovens estavam apáticos, porém percebemos que na periferia movimentos culturais começavam a surgir com força. Passamos então a trabalhar com esses grupos”, relata Maria Virgínia.
Uma ação recente da instituição colocou cultura e educação lado a lado. São as oficinas de arte e cultura do projeto Arte na Casa, realizado nas 27 unidades da Fundação Casa, antiga Febem, para 1.200 jovens em conflito com a lei. Mas a ideia não é salvar ninguém, afirma o coordenador de cultura, Antonio Eleilson: “O que fazemos é incentivar que o adolescente se reconheça e crie um vínculo com o universo cultural da periferia”. Com os recursos do Ponto de Cultura, alguns desses jovens começarão também a participar de atividades na Ação Educativa. “Pode ser um incentivo para que alguns, ao sair da Fundação Casa, continuem ligados a esses grupos culturais”, acrescenta ele. Outro projeto que une praticamente todas as áreas é o Centro de Mídia, destinado a apoiar jovens que tenham projetos audiovisuais, sem fins comerciais, e precisem de espaço e equipamentos. O Centro oferece computador, telefone, gravador, câmera de vídeo, ilha de edição e um acervo para pesquisas, com livros, revistas, filmes, entre outros.
Documentários independentes
O futebol de várzea e a Rinha dos MCs são temas de documentários independentes produzidos por artistas da periferia de São Paulo. O filme Várzea – A Bola Rodada na Beira do Coração esboça uma espécie de cinema de várzea, um registro audiovisual do conhecido jogo no terrão, com uma linguagem que mistura poesia, futebol e samba. “Expressões que não se dissociam”, defende o diretor do filme, o poeta Fabio Monteiro, ou Akins Kinte, como é mais conhecido.
Akins tem apenas 24 anos, mas não perde tempo. Além de fazer parte da equipe de arte-educadores da Ação Educativa, em oficinas de literatura na Fundação Casa, escreveu, em 2007, em parceria com Elizandra Souza, o livro de poesia Punga (Edições Toró). Também já havia se aventurado com a câmera no filme Vaguei nos Livros e Me Sujei com a Merda Toda. “É um curta-metragem sobre literatura, negritude e periferia”, diz. Ele se define como um poeta marginal: “Recito poesias por aí, nos mocambos da vida, nas beiras de campo, rodas de samba, de macumba e saraus da cidade de São Paulo”
Outro documentário independente mostra a Rinha dos MCs, história que também começa nas quebradas do mundaréu, lá pelos bares do Grajaú, aproximadamente em 2006, segundo o organizador do evento singular, o rapper Criolo Doido. A disputa hip-hop de rimas, que funciona de modo semelhante ao repente tradicional, até bem pouco tempo atrás esquentou as madrugadas do centro da capital paulista, em um bar na Rua Sete de Abril. No momento, a Rinha dos MCs está sem endereço certo, à procura de um novo espaço. Mas nem tudo está perdido: a partir de março, uma vez por mês, às sextas-feiras, às 20h, o repente das quebradas ganha uma edição na Ação Educativa, provavelmente um pouco mais comportada. Quem quiser saber mais sobre a versão original, pode conferir o documentário Criolo Doido Live in São Paulo, lançado em fevereiro, em São Paulo.
“O filme foi produzido durante um show em uma Rinha dos MCs. Fala um pouco sobre minha vida e meu trabalho com rap no Grajaú”, diz o músico, que ganhou destaque o ano passado como protagonista do filme Profissão MC, de Alessandro Buzo. Criolo Doido também é um dos frequentadores do Centro de Mídia da Ação Educativa, onde, aliás, esses filmes estão disponíveis. “O apoio a esses grupos culturais da periferia nada mais é que o apoio ao exercício do direito à cultura e a afirmação da cultura como parte desse direito”, analisa Antonio Eleilson, da Ação Educativa.
www.varzeaojogodavida.com.br
Fotos Divulgação