Articular o poder produtivo local

O acesso à rede transforma as economias regionais, dando-lhe escala e valor agregado, e vai entrar na pauta das reivindicações dos prefeitos.


O acesso à rede transforma as
economias regionais, dando-lhe escala e valor agregado, e vai entrar na
pauta das reivindicações dos prefeitos.


Gil, na platéia, ouve as propostas e demandas do debate "Como Bandalargar o Brasil".

Por que a conectividade é importante para o desenvolvimento local? O
economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP, elenca quatro
argumentos para justificar por que, logo, logo, a banda larga vai
integrar a lista de principais reivindicações dos prefeitos. Em
primeiro lugar, porque a conectividade muda radicalmente a situação de
isolamento geográfico de pequenas cidades, dos empreendimentos
industriais afastados e mesmo de bairros dormitórios periféricos de
centros urbanos desenvolvidos. O acesso à rede permite a integração ao
mundo econômico, que hoje se baseia no princípio da colaboração.
Qualquer negócio, para se desenvolver, precisa ter relacionamento com a
rede bancária, com a rede de apoio tecnológico e de suporte técnico,
com a rede de transporte, etc. “Vivemos no mundo onde quem não está
conectado, está fora”, resume o professor. Soma-se a isso o fato,
destacado pelo ministro Gilberto Gil, da Cultura, de que os governos,
em suas centralidades, não dão mais conta de expandir o desenvolvimento
pelo amplo território de seus países. “O Brasil precisa aprender com a
contribuição específica de suas comunidades, com as ferramentas de
desenvolvimento local.”

Nesse cenário, a banda larga, para o pequeno empreendimento, funciona
como passaporte a informações tecnológicas e comerciais, antes só
disponíveis às grandes corporações com redes próprias, base de dados
próprias e recursos para contratar as melhores consultorias. Hoje,
lembra Dowbor, uma cooperativa, por exemplo, tem condições de, por meio
da internet, ter informações sobre o que é feito em sua área em outras
partes do mundo, a novos materiais e técnicas, incorporando valor
agregado a seus produtos. E pode comercializar sua produção pela rede,
ampliando, a baixo custo, a sua carteira de clientes.


Artesanato de Arrozal

Como exemplo do impacto econômico da conectividade na economia local,
Dowbor cita a cooperativa de produtores de tilápia de Piraí, o maior
produtor do país, que já exporta a pele desse peixe para o Japão. “Eles
descobriram que havia um mercado de alto valor para a pele da tilápia
no Japão por meio da internet”, conta. Muito longe do Estado do Rio, no
interior do Amapá, a venda da castanha em fruto deixou de passar pela
mão de atravessadores, graças ao apoio de universidades em Macapá.
“Agora, eles extraem a essência do produto em laboratório e vendem
diretamente, via internet, para empresas farmacêuticas francesas.”

Se ainda não há estatísticas sobre as mudanças nas economias locais
provocadas pela conectividade, esses exemplos são indicadores de
alterações radicais. Com a internet, acabou-se, para muitos produtos, a
ditadura da escala, porque o mercado eletrônico viabiliza produções
limitadas que só o mercado local não sustentava. Além disso, a produção
pode ganhar mais valor, em função de a banda larga ser caminho para
acessso ao conhecimento, que é fator essencial de produção da sociedade
do século XXI.


"Piraí levantou um
exemplo para o país."

O mesmo exemplo da pele da tilápia é citado por Luiz Fernando Pezão
para mostrar as transformações que vêm na esteira da rede. Responsável
pela formulação e início da implantação do projeto Piraí Digital,
quando era prefeito da cidade, Pezão tem a dimensão dos impactos da
conectividade na economia de uma pequena cidade. A arrecadação de
Piraí, com 24 mil habitantes, saltou de R$ 17 milhões para R$ 76
milhões, em dez anos, graças a um plano diretor de desenvolvimento,
apoiado em uma moderna infra-estrutura de comunicações.

Por isso, o atual vice-governador do Rio de Janeiro, além de secretário
de Obras, quer fazer da conectividade uma bandeira da frente de
prefeitos. Já começou articulações nesse sentido, apresentando, como
exemplo, o corredor de cidades digitais do Rio. A partir da experiência
de Piraí, o Proderj firmou convênio com a Aprimerj, a associação de
prefeitos do estado do Rio de Janeiro, para o desenvolvimento de outras
cidades digitais, sempre em parceria com fornecedores, e usando
diferentes tecnologias. A lista inclui Rio das Flores e Mangaratiba,
com a Intel; Conservatória, com a Cisco; Mauá, com a Alcatel; Paraty,
com a Nextwave; Rio Claro, São Gonçalo e Petrópolis, com a Motorola;
Barra do Piraí e Valença, com a Nortel. Ainda em setembro, acertaria
com a Oi a cobertura de mais uma cidade.


Com esse aprendizado, o Rio vai lançar uma licitação para a realização
de PPPs (parcerias público-privadas), para prestar serviço de banda
larga aos 92 municípios do estado. Segundo Tereza Porto, presidente do
Proderj, a autarquia que responde pelo processamento de dados e
administra a infovia digital que cobre o território do estado, vai
lançar, em dezembro, o edital para consulta pública. “Não vamos definir
tecnologia, mas a qualidade dos serviços que terão que ser suportados”,
diz Tereza, que quer evitar o engessamento da solução. A idéia é criar
uma sociedade de propósito específico, como prevê a legislação das
PPPs, onde o estado entra com a infra-estrutura da  infovia e o
sócio privado com a última milha. Em contrapartida à concessão para
exploração comercial do serviço para a população, a empresa proverá
infra-estrutura de banda larga gratuita para todos os órgãos públicos —
do município, do estado ou do governo federal. Além do que já investiu
na infra-estrutura, o governo estadual tem que participar de um fundo
garantidor, com recursos equivalentes ao custo mensal da operação da
infra-estrutura.

Tereza diz que há muitas empresas interessadas no projeto das PPPs e o
modelo que ela considera mais adequado é o adotado em Paraty. A
infra-estrutura em rede Mesh foi instalada pela NextWave em uma 
parceria com a prefeitura para atender ao centro histórico, durante a
5ª Flip-Festa Literária Internacional de Parati. A partir de agora, com
a realocação de algumas antenas em função da remodelação arquitetônica
da cidade (todo o cabeamento está sendo enterrado), a rede será aberta
a toda a cidade. Na verdade, são duas redes lógicas. Uma usa, como
saída, a Infovia RJ, e atende a todos os órgãos públicos gratuitamente;
outra usa como saída um backbone
comercial e prestará serviços à população, que serão cobrados. No caso
de Paraty, a rede vai ser administrada por um provedor de serviços de
comunicação wireless, a SRVR, que tem licença de SCM da Anatel.


"Banda larga Cordel" leva a praça
ao delírio

A proposta do Rio de Janeiro, o estado com o maior número de
experiências piloto de cidades digitais, é uma alternativa concreta e
viável para levar conectividade à última milha, em regiões onde a
atividade econômica não é suficiente para atrair o investimento
privado. Ou onde ele existe, mas é caro. Ou seja, a maior parte dos
municípios brasileiros. O Rio de Janeiro, no entanto, já venceu um
problema presente em todos os demais estados: levar a conectividade até
a entrada do município, o chamado backhaul.

Mesmo com essa solução à vista, Pezão diz que não vai abandonar sua
batalha pela liberação dos recursos do Fust, para que eles sejam usados
para facilitar a capilaridade da banda larga, especialmente para a
conexão de todas as escolas. Esses recursos, que já somam mais de R$ 5
bilhões nos cofres do Tesouro, são fundamentais, reivindicam todos,
para a construção de um plano de banda larga no país. “Sem um plano
nacional e a intervenção do poder público, não vamos ter banda larga no
país”, diz Carlos A. Afonso, diretor de planejamento da Rits–Rede de
Informações para o Terceiro Setor e integrante do Comitê Gestor da
Internet. Crítico do modelo de privatização, Afonso lembra que 43% dos
municípios brasileiros não têm ponto de presença de internet (seus
moradores têm que pagar ligação de longa distância para se conectar à
rede) e que os preços de conexão cobrados pelas operadoras são muito
elevados. “É fruto dos monopólios e oligopólios criados com a
privatização”, ressalta ele, que quer mudanças no marco regulatório
para que a banda larga seja incluída entre os serviços a serem
universalizados. “Hoje, só a voz é universal, ou seja, universalizaram
só a velharia”, dispara.

A Carlos Afonso faz coro Nelson Simões, diretor geral da Rede Nacional
de Pesquisa-RNP. Simões insiste em que preço não tem relação com custo,
e que os preços de banda são elevados no Brasil devido à baixa demanda
na maior parte das regiões e à ausência de concorrência. Diante disso,
diz que a oferta de conectividade não vai ser resolvida só pelas forças
de mercado.

Levantamento realizado pela Telcomp, que reúne as operadoras que
competem com as concessionárias locais, mostra que os preços só
são  próximos aos cobrados nos países desenvolvidos, onde há
competição. Ou seja, nas áreas ricas das grandes cidades. Fora daí, não
há competição porque não há interesse de mercado. E o serviço, 
oferecido só pela concessionária, custa caro. O último Barômetro Cisco
de Banda Larga, divulgado em setembro, indica que os preços caíram, nos
últimos 12 meses, 30,3% nas velocidades superiores a 1 Mbps. E os
preços médios no Brasil, de acordo com a IDC (que faz o levantamento
para o Barômetro), são os seguintes: R$ 55,00, de 128 a 256 kbps; R$
115,00, de 1 a 2 Mbps; e R$ 195,00, de 2 a 8 Mbps. Valores entre 20% e
30% mais altos dos que os cobrados na Argentina.

Celeiros de arte


Equipe da Fábrica do Futuro

Nos Pontos de Cultura apoiados pelo Ministério da Cultura germinam
novos modelos de produção e distribuição, envolvendo troca de serviços,
ferramentas livres e misturas de estilos e linguagens. Segundo Cláudio
Prado, coordenador de políticas digitais da pasta, é “o sevirismo
pregado pelo MinC “, ou seja, “cada um tentando se virar”. Ele explica
que trata-se do uso de ferramentas que viabilizam a forma de criar do
século XXI — cujo símbolo, na opinião de Cláudio, é o compositor Chico
Science (morto em 97), “o criador plugado”. E a chave para o
“sevirismo”, continua, “é a articulação possível de novos modelos de
gestão diante da realidade e de conceitos de desenvolvimento local”. Os
Pontos de Cultura, então, poderiam ser traduzidos como “uma rede de
pessoas equipadas dessas ferramentas do século XXI (os kits
multimídia financiados pelo MinC), em torno dos quais se organizam
focos de sevirismo”. E desses “campinhos de várzea da cultura digital”,
Cláudio acredita que vão surgir “os novos chicos sciences”.

Um desses celeiros de criadores plugados é o Anima Bonecos, da cidade
de Rio Sul (SC). Nasceu dos grupos Centro de Pesquisa e Produção de
Teatro de Animação e Trip Teatro de Animação, que tem ramificações em
dez países e, na Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, fez
32 apresentações do espetáculo “Velho Lobo do Mar” (de bonecos de
luva). Segundo seu coordenador, William Walter Sieverdt, o Centro de
Pesquisa de Rio do Sul dispõe de sala de espetáculos , videoteca e
biblioteca, ateliê e oficinas de  produção de bonecos. Atualmente,
estão montando um estúdio de áudio e vídeo, onde os grupos de teatro
poderão pesquisar e montar espetáculos. “Vamos produzir e oferecer
imagens e músicas para outros Pontos, buscando criar uma rede de troca
de serviços”, diz William. O Anima Bonecos atua em diversas frentes,
desde capacitação para alunos da rede pública, até trabalhos com a
comunidade indígena La-Klánö. “Eles não dançam mais, perderam essa
capacidade, mas podem fazer os bonecos dançarem, contando, através
deles, a sua história quase perdida.”


Anima Bonecos quer trocar serviços

O Anima Bonecos recebe ajuda de empresas locais e até de dois canais de
TV. Sobrevive também de prêmios e espetáculos. Viu-se, contudo,
obrigado a usar softwares proprietários (Windows e Premiére): “Temos como princípio o uso do software
livre, mas tivemos dificuldade de assistência técnica para o programa
de edição”. O Ponto produz as trilhas de seus espetáculos, algumas
publicadas no site Estúdio Livre, com licenças Creative Commons.

Responsável por gravar e transmitir pela internet o show de Gilberto
Gil, em Piraí (RJ), o Ponto de Cultura Fábrica do Futuro – Incubadora
do Audiovisual e Novas Tecnologias, de Cataguases (MG), trabalha sempre
com software
livre. De acordo com o gestor cultural César Piva, usam Debian e
Kurumin, os aplicativos Kino, Cinelerra, Rezound, VLC, Blender,
Dotproject, Joomla, entre outros. Em novembro, vão participar da Teia
2007-Encontro Nacional dos Pontos de Cultura, em Belo Horizonte, na
coordenação da Central do Audiovisual e da TV Teia.