Célio Turino
Do blog O Ciberativista
Como a Casa de Cultura Tainã sobreviveu diante da escassez de verba e da burocracia do poder público
17/02/2012 – Marquesa. Empregada doméstica que tinha no primeiro nome um título de nobreza. E eram nobres os seus propósitos. Moradora de um bairro distante do centro de Campinas, o Parque Itajaí, reuniu um grupo de mães e procurou a biblioteca pública com a seguinte proposta: “Queremos um curso para aprender a orientar o uso dos livros por nossos filhos. E queremos livros, também, pois a biblioteca mais próxima fica a 20 quilômetros de nossas casas”.
TC. Apelido de Antonio Carlos Santos da Silva, um Silva entre milhões. Nos anos 1970, fez Madureza e teatro popular no colégio Evolução, também em Campinas. Músico e militante do movimento negro, nunca esperou pelo que pudesse receber de fora, compunha suas canções, fazia cartazes em serigrafia, andava (e continua andando) pelos interiores, tecendo uma rede de mocambos e quilombos.
Na mesma época em que Marquesa procurou a biblioteca, em 1990, TC procurou a Secretaria Municipal de Cultura, queria apoio para transformar em casa de cultura parte de um armazém desativado da Cobal (Companhia Brasileira de Alimentos). Assim começaram as Casas Comunitárias de Cultura: outras pessoas como Marquesa e TC foram se integrando e, ao final de dois anos, eram 13 casas, todas na periferia de Campinas.
Cada casa recebia uma pequena biblioteca com 500 volumes, treinamento para orientadoras de leitura, que depois eram remuneradas com um salário mínimo por mês, além de oficinas artísticas e apoio para determinados eventos. Um projeto nada grandioso, calcado na realidade e na generosidade de nosso povo. “A solução dos problemas do Brasil virá da escassez… e dos de baixo”, disse Milton Santos.
Mesmo assim, o projeto não teve continuidade com a mudança na gestão municipal. Oficinas foram cortadas, houve atrasos nos pagamentos das orientadoras, críticas de gestão. Com uma programação cada vez mais burocratizada, as casas foram perdendo público, perdendo vida – dentre elas, infelizmente, o espaço criado por Marquesa.
Tainã, um pássaro. Esse era o nome da casa de cultura fundada por TC. Como já estava habituado com a escassez, seguiu com seu povo, e a casa continuou aberta, com programação vibrante. Até orquestra de tambores de metal existe por lá, e os moradores da Vila Padre Manoel de Nóbrega continuam tainando. Desde 2005, a Casa de Cultura Tainã tornou-se Ponto de Cultura, com apoio do governo federal.
Qual a diferença desta casa de cultura para as outras? Autonomia. Não uma autonomia como um simples deixar fazer, ou uma transferência de responsabilidades que antes caberiam ao Estado. Pois autonomia não se ganha, se constrói. É adquirida no processo, na relação entre os pares, na interação com a autoridade (sociedade-Estado) e na aquisição do conhecimento. Autonomia como prática, processo de modificação nas relações de poder e como exercício de liberdade. Não como uma prática futura nem espontânea, nem mesmo uma técnica social, política ou cultural, mas como a própria realização, os atos concretos de participação e afirmação social.
{jcomments on}