Rodrigo Nejm
18/06/2013 – Do site do Grupo de Pesquisa em Interações, Tecnologias Digitais e Sociedade (GITS)
18/06/2013 – Nas últimas semanas, voltou a ter destaque o tenso debate sobre o poder e amplitude da vigilância facilitada pelo uso das TICs. O vazamento do relatório sobre programas de espionagem da agência nacional de segurança nacional dos Estados Unidos revelou o que já suspeitavam muitos movimentos de defesa de direitos humanos, especialmente focados em privacidade e liberdade de expressão. Como em outros momentos da história, as estratégias de vigilância e espionagem sobre a vida dos cidadãos é justificada em nome de uma suposta segurança nacional ou em nome da proteção dos direitos de crianças. Apesar de nem o debate nem o problema serem novos, chama a atenção a amplitude e eficiência das atuais tecnologias de mineração de dados que podem fazer análises minuciosas de bilhões de Terabytes de informações pessoais, cruzando diferentes bancos de dados que passam pelas ligações telefônicas, e-mails, sites de redes sociais, cartões de crédito, seguro de saúde etc. Além deste novo poder de mineração e registro de dados, até pouco tempo inimagináveis, podemos considerar que a escala global e a falta de regulação clara para os ambientes digitais também contribuem para complexificar o problema na atualidade.
Como bem apontam os movimentos de defesa da privacidade e da liberdade de expressão, o maior perigo é alimentar esta falsa dicotomia entre privacidade x segurança, colocando estes direitos humanos fundamentais como ambivalentes (o mesmo com a liberdade de expressão x segurança). Assim como a proteção à infância mascara ações de vigilância com interesses políticos e econômicos, a máxima da segurança nacional e o combate ao terrorismo servem de justificativas axiomáticas para ações desproporcionais e obscuras de vigilância “preventiva” sobre a vida cotidiana. Os relatórios divulgados por Snowden ao The Guardian reabrem o debate sobre a urgência de processos mais transparentes de autorização deste tipo de vigilância, regulações claras sobre o tema, proporcionalidade nas ações, controle social nacional e global para que haja um mínimo de equilíbrio no respeito aos diferentes direitos humanos fundamentais que não poderiam ser todos automaticamente subordinados indiscriminadamente à máxima da segurança contra o terrorismo ou de proteção à infância.
Neste complexo cenário de políticas macro, interessa também olhar para a relação deste tema geral com as práticas cotidianas dos bilhões de internautas que usam intensamente os sites de redes sociais para compartilhar suas intimidades, ampliar e fortalecer seus laços sociais diversos. Até que ponto o usuário “comum” está preocupado com o fato de seus dados pessoais estejam registrados nas agências de segurança e no banco de dados das empresas de publicidade/tecnologia? Com quais referências de privacidade as novas gerações de internautas estão se apropriando dos ambientes digitais? Em que medida percebem a diluição das fronteiras entre público e privado nestes ambientes e quais estratégias usam para gerenciar seus dados? A diversidade de caminhos possíveis para as apropriações individuais dos ambientes digitais, com suas oportunidades e riscos, nos convida a olhar cuidadosamente para a multiplicidade de vetores antes de generalizar.
Do quantified self aos movimentos de pelo direito ao esquecimento, há muitas motivações, desejos, demandas sociais e dispositivos técnicos atuando sobre os sujeitos e seus corpos. Em diálogo com os debates sobre as políticas globais de direitos humanos, os estudos sobre as práticas individuais e as estratégias utilizadas pelos sujeitos no gerenciamento das impressões e da privacidade nos ambientes digitais podem ajudar muito a criar atalhos, não apenas para a compreensão dos cenários, mas também para potencializar novos caminhos e olhares que favoreçam a dinâmica livre tanto para a Internet quanto para a constituição das identidades na contemporaneidade.