Redes digitais no foco do debate
Na Conferencia Nacional de Comunicação, atenção ao controle público e democrático SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA
ARede nº53 novembro de 2009 – Às vésperas da primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realiza entre 1º e 3 de dezembro, em Brasília, a conjuntura política é bastante complexa. Ativistas conseguem articular uma grande reação ao projeto de criminalização de práticas cotidianas na internet, defendido pelo senador Eduardo Azeredo. As velhas forças políticas oligárquicas usam sua força ideológica nas camadas médias do país para articular uma nova direita, agora conectada. Alguns blogueiros, ditos modernos, unem-se a celebridades da mass media e políticos conservadores para se apresentarem como inocentes comentaristas dessa nova esfera pública.
A velha Globo percebe a importância das redes sociais e organiza a entrada “espontânea” de seus atores e artistas no Twitter. Ali Kamel, o prestigiado intelectual da Globo, destila a cada dia as premissas ideológicas do combate à internet e prepara o discurso de suas tropas de desembarque no mundo das redes: “…a crença de que a internet, por natureza, é um espaço sem dono, livre, democrático. Não é verdade: não existem terras de ninguém. O que tem prevalecido é uma terra com novos donos que, até aqui, têm tido êxito em chamar de liberdade o que é puro roubo”.
Neste cenário, os movimentos sociais e as forças populares discutem uma agenda para a Confecom, focando em temas que dizem respeito ao controle público e democrático das comunicações de massa. O momento atual das comunicações é de transição para o mundo das redes. Até a TV caminha para a digitalização de suas transmissões. A chamada convergência, a mobilidade e a ubiquidade das comunicações precisa entrar nas preocupações daqueles que discutem a Conferência. Do contrário, poderemos gastar energia demasiada para regulamentar apenas sombras e não seus agentes. O cenário e o poder de comunicação estão mudando. Alguns pontos que considero essenciais na nova agenda da comunicação:
Banda larga – Bandalargar todo o país, como condição básica e mínima para garantir o acesso das comunidades à comunicação em rede;
Redes abertas – Incentivar a construção de redes sem-fio abertas para conexão à internet em todos os municípios (propor um programa do governo federal para financiar esta estrutura de conectividade indispensável para a inclusão digital e para reduzir o custo Brasil das telecomunicações);
Espectro aberto e ocupação digital comunitária das frequências não-ocupadas – Defender a ocupação de faixas de frequência para uso digital comum, seja para rádios livres, provedores locais de acesso à internet ou coletivos culturais, sem necessidade de autorização do Estado, desde que os aparelhos utilizados sejam homologados pelo órgão fiscalizador.
Atualmente, com o uso de tecnologias digitais não precisamos mais ter um modelo de ocupação das frequências de rádio baseado na concessão de cada frequência para um único operador. Os rádios transmissores digitais são inteligentes e operados por software. Desse modo, não interferem nas transmissões de outros usuários da mesma frequência. Já se pode ver isto com os pontos de conexão sem-fio nos aeroportos, por exemplo: dezenas de pessoas conectadas à internet em um único roteador. Em geral, elas estão usando as mesmas frequências de ondas de rádio e o fluxo de dados de um computador não interfere nos outros.
No ano passado, a Comunicação Federal de Comunicações (FCC, na sigla em inglês), que regula as telecomunicações nos Estados Unidos, aprovou o uso, pelas comunidades locais, das frequências não ocupadas pelos canais da TV Digital. A única exigência é usar somente aparelhos transmissores digitais que tenham sido homologados por eles, ou seja, que não causem interferências e ruídos. Esta nova política de ocupação do espectro radioelétrico foi denominada de “espaços em branco” (White Spaces).
Defesa de uma carta de direitos digitais dos cidadãos – A todo instante, parlamentares conservadores, ligados ao lobby da indústria de copyright e da comunidade de vigilância, querem impor restrições absurdas à comunicação em redes digitais. Por isso, precisamos produzir um consenso que culmine em uma lei complementar para garantir os direitos dos cidadãos no ciberespaço. Assim, proponho que sejam considerados direitos dos cidadãos na comunicação em redes digitais:
– Todos os brasileiros têm o direito ao acesso à internet sem distinção de renda, classe, credo, raça, cor e opção sexual, sem discriminação física ou cultural.
– Todos os internautas têm o direito ao acesso pleno, independentemente das dificuldades físicas ou cognitivas que possam ter.
– Todos os cidadãos brasileiros têm o direito de abrir suas redes e compartilhar o seu sinal de internet, com ou sem fio.
– Todos os cidadãos têm o direito à comunicação não-vigiada.
– Todo internauta tem direito à navegação livre, anônima, sem interferência e sem que seu rastro digital seja identificado e armazenado pelas corporações, pelos governos ou por outras pessoas, sem a sua autorização.
– Todo “interagente” tem o direito de compartilhar arquivos pelas redes P2P sem que nenhuma corporação filtre ou defina o que ele deve ou não comunicar.
– Todo cidadão tem direito a que seu computador não seja invadido, nem que seus dados sejam violados por crackers, corporações ou por mecanismos de Digital Rights Management (DRM ou gerenciamento de direitos digitais).
– Todo brasileiro tem direito a cópia de arquivos na rede para seu uso justo e não comercial.
– Todo cidadão tem direito de acessar informações públicas em sites da internet, sem discriminação de sistema operacional, navegador ou plataforma computacional.
– Toda pessoa tem o direito de escrever em blogs e participar de redes sociais com seu nome, com codinome ou anonimamente.
– Todo blogueiro tem o direito de aceitar ou não comentários anônimos, não sendo responsável pelo seu teor.