Ativistas da inclusão retomam a pauta

A 9a. Oficina para Inclusão Digital propõe estratégias para colocar os militantes à frente do processo de democratização do acesso às tecnologias da informação.

 

 

A 9a. Oficina para Inclusão Digital propõe estratégias para colocar os militantes à frente do processo de democratização do acesso às tecnologias da informação.   Áurea Lopes



ARede nº59, junho 2010 – Um clima de resgate do protagonismo dos militantes da inclusão digital marcou o encerramento da 9ª Oficina para Inclusão Digital, realizada de 22 a 24 de junho, em Brasília (DF). Avaliação feita tanto por ativistas veteranos quanto por representantes do governo, as últimas edições da Oficina tiveram um caráter fortemente governista, uma decorrência natural do crescimento das ações públicas de inclusão digital. Estava na hora de retomar a pauta das bases. E foi esse o propósito do documento intitulado Tópicos de Brasília, apresentado pelas organizações integrantes da Oficina (ver página 23), que propuseram estratégias e colocaram reivindicações capazes de “garantir, independentemente de qual seja o governo, a universalização da inclusão digital para o povo brasileiro”.

“Despeleguem-se. Peçam o impossível.” Esta foi a provocação de Cezar Alvarez, coordenador dos programas de inclusão digital da Presidência da República, logo na abertura da 9ª Oficina. “Temos de dar mais voz aos monitores, abrir mais espaço para a troca de experiências locais”, reforçou Beatriz Tibiriçá, do Coletivo Digital. Rodrigo Assumpção, presidente da DataPrev e coordenador do Comitê Técnico para Inclusão Digital, recebeu com entusiasmo as reivindicações: “É ótimo que as questões tenham sido colocadas para discussão. Havia um certo esgotamento e agora esse documento recoloca a pauta da sociedade civil”.

Participando pela primeira vez da Oficina, que reuniu cerca de 1.200 participantes vindos de todas as unidades da federação, Francisco Moisés da Silva Rodrigues sentiu exatamente essa necessidade na 9ª Oficina. Coordenador do projeto São Gonçalo Digital, cidade de 40 mil habitantes no Ceará, ele se prepara para receber dez unidades do Telecentros.BR. “Estou gostando das palestras, mas esperava conhecer mais projetos, ter mais espaço para compartilhar os meus desafios com pessoas que estejam enfrentando as mesmas dificuldades que eu, assim como conhecer iniciativas de sucesso”, afirmou.

Luana Maria Zanaia, multiplicadora de um telecentro de Dois Vizinhos, no Paraná, também participou da Oficina pela primeira vez. E conta que aprendeu muito, pois desde que começou a atuar não teve nenhuma formação: “Além de agregar conhecimento, as oficinas são uma ótima oportunidade para interação com colegas que fazem o mesmo trabalho que eu”.

O tema que abriu os grandes debates do encontro foi o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL). Ao falar sobre o serviço, Alvarez ressaltou os benefícios da regulamentação: “Banda larga que só o Estado pode prestar, na minha visão, é anacronismo. Mas, agora, não é livre mercado. Ela é regulada, ela tem agência, ela tem ônus prestadores, ela tem política tributária, ela tem política diferenciada, ela tem subsídio ou não, ela tem Fust”. Para Rogério Santanna, presidente da Telebrás, o PNBL “vai, de fato, intervir na convergência, vai, de fato, forçar a convergência. E a introdução da banda larga em larga escala no Brasil vai precipitar a disputa de conteúdo”.

Durante a 9ª Oficina, o governo federal assinou o primeiro termo de cooperação técnica do programa Telecentros.BR com as 63 instituições selecionadas. Além de equipamentos, novos e recondicionados, mobiliário e conexão à internet banda larga, o programa inclui formação e bolsas para monitores, que serão selecionados entre moradores da própria comunidade (ver página 25).

Mão na massa
Os participantes do encontro frequentaram diversas oficinas, como recondicionamento de computadores, elaboração e gestão de projetos comunitários, elaboração de currículo Lattes (que será uma das exigências para monitores do Telecentros.BR), educação previdenciária, ferramentas de vídeo com Linux educacional, acessibilidade, conteúdos EAD, Portal do Professor, Portal Domínio Público, Blender e Gimp.

Entre os debates, temas como lixo eletrônico, nuvens livres, vídeos livres. Para debater o marco civil da internet, o convidado foi o professor do departamento de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), Pedro Rezende. Convencido de que o marco civil “pode proteger a sociedade contra tentativas futuras de restrição a liberdades individuais na internet”, ele alertou: “O mito do grande irmão que tudo observa não é tão irreal quanto pensam. Para isso acontecer, basta aparecer um momento propício para governos, grandes conglomerados das telecomunicações e da tecnologia se unirem. É tecnicamente possível. Já existem tecnologias para isso. Falta apenas esse momento certo”.

Reunida no espaço Tenda, a galera da Cultura Digital discutiu estratégias para o futuro. Assim como os telecentros se expandem pelo país por meio dos editais que permitem a participação de estados nos programas de inclusão digital do governo federal, os Pontos de Cultura Digital esperam ampliar sua abrangência, ganhando uma categoria específica nos próximos editais do Ministério da Cultura. Atualmente, existem 30 Pontos de Cultura Digital no Brasil, todos de iniciativa do governo federal.

Pedro Jatobá, do Pontão Iteia, vinculado ao Instituto Intercidadania, na Bahia, explica que o grande mérito da estadualização é poder garantir uma política de formação continuada nos Pontos e Pontões. A capacitação, de acordo com ele, deve ser feita nas pontas, sob a gestão dos coletivos locais. “Temos que levar a formação aos pontos mais distantes e de difícil acesso, assim como a TV chega às aldeias em reservas indígenas”, disse Jatobá. “Nosso papel é ir lá na ponta, para que essas pessoas que realmente não têm acesso ao conhecimento se integrem às redes que compartilham e criam conhecimento”, acrescentou. Jatobá prepara-se para iniciar mais uma caravana de formação em Pontos de Cultura, desta vez na região Centro-Oeste.

Tópicos de Brasília
Estes são os principais pontos do documento final subscrito pelas entidades participantes da 9ª Oficina para Inclusão Digital, com base nos quais se pretende estabelecer o novo patamar da inclusão digital para os próximos dez anos:
•    Relações com o governo – “Rever a forma como estão se estabelecendo as relações entre o governo e sociedade civil, complementando os grandes convênios com prêmios menores, que não comprometam a continuidade das entidades, e criando uma lei específica para tratar convênios com a sociedade civil”.
•    Autonomia – “O nosso movimento mantém-se autônomo e independente, mas deve continuar a atuar dentro de outros movimentos e outras conferências para conquistar capilaridade suficiente para construirmos uma conferência nacional de Inclusão Digital (ID)”.
•    Cultura Digital – “Apropriação, por parte das iniciativas de ID, do Fórum da Cultura Digital Brasileira como um ambiente de construção de políticas públicas para a Cultura e a ID”.
•    Articulação – “Construir encontros regionais ou estaduais, para preparar a Oficina nacional, elegendo os delegados que serão financiados pela Oficina nacional para participar do encontro nacional.”
•    “Buscar financiamento para a participação dos conselhos gestores e entidades locais na Oficina nacional”.
•    Oficina – “Rever o formato da oficina, para que as atividades formativas não conflitem com as atividades de discussão política da inclusão digital. Além de ampliar os espaços onde as entidades locais possam expressar suas dificuldades e propor soluções”.
•    Telecentros.BR – “Dentro do Telecentros.BR, propor a descentralização das atividades formativas e a criação de redes temáticas como uma rede de manutenção e suporte, que será necessária nos próximos meses”.
•    Comitês – “Eleição de representantes da sociedade civil para o comitê técnico de inclusão digital e para o comitê gestor do programa de inclusão digital, nos moldes do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.BR). Os representantes da sociedade civil devem ter direito a voz e voto dentro dos comitês.”
•    Fórum Brasil Conectado – “Transmissão em tempo real das reuniões e criação de estratégias incorporação das propostas advindas da sociedade civil”.
•    Onid – “Publicação do código-fonte do ONID e permissão de acesso ao seu banco, para garantir a governança dos dados em períodos de alternância política”.
O documento é subscrito pelas seguintes organizações: Sampa.or, Cidadania Digital, Coletivo Digital, Fórum Nacional dos Pontos de Cultura, Comitê de Educação para a Democratização da Informática (Cedisp) – São Paulo, Programando o Futuro, Pontão de Cultura Minuano, Rede Marista de Solidariedade e Ipso.

PROGRAMA Gesac investe em formação
O Gesac vai iniciar, com 739 pontos, uma etapa piloto do novo Projeto de Formação do programa, elaborado em parceria com o Ministério da Educação, por meio dos Institutos Federais de Tecnologia (Ifets). Durante a 9ª Oficina para Inclusão Digital, em Brasília, o responsável pelo projeto no Ministério das Comunicações (Minicom), Elias David, contou que a capacitação será oferecida pelo Gesac em locais onde não há oferta de formação pelas instituições parceiras. E, garantiu David, vai ser diferente da formação anterior do Gesac e também do programa Telecentros.BR. “A atuação conjunta com os Ifets tem duas grandes vantagens: a primeira é a vocação educacional dos institutos; e a segunda é a capilaridade”, acrescentou David.
Onze Ifets – AM, CE, ES, GO, MA, MG, PA, PE, PR, RN, SP – vão receber os monitores, que terão atividades presenciais e à distância, em três etapas de cada modalidade. A primeira fase presencial começa dia 16 de agosto. Todos os custos de deslocamento, alojamento e alimentação dos monitores serão bancados pelo Minicom, que vai investir R$ 4 milhões em formação, em um ano, incluindo bolsas para pesquisadores e professores.
A equipe pedagógica de campo será composta por 12 professores, 75 alunos tutores e 30 promotores de inclusão digital. Os alunos tutores e os promotores vão dar apoio aos monitores. E cada monitor vai ser obrigado a formar, no mínimo, três agentes multiplicadores, selecionados entre voluntários da comunidade. Os monitores vão receber certificados de formação assinados pelos Ifets.
O Projeto de Formação Gesac vai ser acompanhado por um processo de avaliação, que está sendo desenvolvido junto ao CNPq. “A ideia é validar a metodologia de formação e ter uma avaliação não só do projeto de formação, mas também do programa Gesac”, ressaltou David.
Está em construção um portal do projeto de formação, onde as redes de monitores poderão se articular e onde estarão disponíveis os conteúdos didáticos digitais. No momento, está em funcionamento o blog gesac.wordpress.com.