Portais educacionais, objetos de aprendizagem e ferramentas para criação de redes entre alunos e professores na internet fazem parte do acervo de soluções acessíveis a partir da conexão em banda larga nas escolas. O objetivo é melhorar o ensino. Mais: é inventar um ensino capaz de formar cidadãos mais criativos e autonômos.
Verônica Couto*
Educadores em rede, no programa do governo do estado do Paraná.
O governo federal se preparava para anunciar, este mês, o acordo com as operadoras de telefonia fixa para conectar em banda larga as escolas públicas brasileiras, instaladas na zona urbana. Isso deve significar mais 32 mil escolas, aproximadamente, com acesso à internet até 2010, num total de 55 mil unidades que atendem 82% dos alunos. Outras 7 mil unidades rurais, com grande quantidade de alunos, serão atendidas pelo Gesac (programa do Ministério das Comunicações). Então, pergunta-se: o que fazer com isso? Que conteúdos, que práticas e que projetos pedagógicos vão dar sentido ao serviço de conexão de dados em banda larga na rede pública de ensino?
As respostas estão em pontos diferentes entre duas perspectivas opostas. Em um extremo, a digitalização de conteúdos proprietários, mantido o modelo atual de ensino, tal como ele é, centralizado, de cima para baixo, e com professores e alunos no papel de consumidores passivos dos materiais didáticos. De outro, a situação ideal, em que surjam professores e alunos com grande capacidade de intervenção e produção autônoma, aproveitando a facilidade de acesso às novas mídias digitais. Para isso, os principais projetos nessa área partem quase sempre de portais na internet. Eles podem ter, contudo, mais ou menos interatividade, maior ou menor capacidade de organização em rede, estarem focados na indexação de objetos de aprendizagem ou no fomento a projetos de autoria, tanto de alunos quanto de professores. Ou tudo isso junto.
O Ministério da Educação (MEC) aposta na capacitação dos professores, na aproximação das ações estaduais e municipais, e na oferta conjunta e online de informações de referência, novas mídias e ferramentas de autoria. Lança, neste mês ou no próximo, o Portal do Professor, repositório de conteúdos (áudios, vídeos, simulações, fotos, textos, mapas, softwares), criado em parceria com a Universidade de Brasília (UnB). E pretende capacitar (150 horas) 80 mil educadores no uso do portal.
Crescem na internet as opções gratuitas de portais e materiais pedagógicos, em geral, como no caso do MEC, cobrindo a formação do professor e a prática em sala de aula (veja os links). O programa Dia a Dia na Educação, do governo do Paraná, vai contratar, neste semestre, o desenvolvimento de 350 novos objetos de aprendizagem; e a sua metodologia, como um todo, começa a ser adotada por outros governos (Espírito Santo, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal). O portal EducaRede, da Fundação Telefônica, conta com 120 mil professores cadastrados, 80% vinculados à rede pública de ensino, em parcerias com prefeituras e governos estaduais. E o Tonomundo, do Instituto Oi Futuro, reúne 21 mil alunos e 3,9 mil professores, em 598 escolas, principalmente das regiões Norte e Nordeste.
O grande desafio, contudo, para muitos especialistas, é ir além da mera transposição dos conteúdos estáticos para o formato digital, ou seja, da passagem automática do livro didático para a tela do monitor. A novidade relevante trazida pelas tecnologias da informação e comunicação (TIC), na opinião do professor Nelson Pretto, da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, é finalmente a possibilidade de romper o modelo broadcast no ensino, que estabelece a produção de conteúdo centralizada, feita e distribuída de cima para baixo. “Não funcionou, não funciona e não funcionará para a educação.”
Base colaborativa
Escola Municipal Comunidade
de Vargem Grande, no Rio
de Janeiro, integra o portal
TonomundoO secretário de Educação a Distância (Seed) do MEC e coordenador do Programa Nacional de Informática na Educação (Proinfo), Carlos Bielschowsky, concorda na avaliação de que as TICs teriam o poder de provocar maior protagonismo. “Permitir aos professores participar do projeto educacional e desenvolver o sentido de autonomia nos alunos”. Esse seria, diz ele, um dos três papéis reservados ao uso das tecnologias na escola. Os outros dois, “alfabetizar digitalmente o aluno” e “dinamizar a sala de aula, por meio de acesso a conteúdos multimídia, despertando o interesse e o gosto pelo estudo”.
Por isso, Bielschowsky garante que o propósito do Portal do Professor é estimular a produção e a capacitação dos educadores. “Está sendo construído um projeto político-pedagógico, dentro do conceito de desenvolver no professor a criatividade, e, no aluno, a autonomia. Especialistas em educação de diversas universidades públicas estão trabalhando no projeto.” De acordo com Carmem Prata, coordenadora, na Seed, da Rede Interativa Virtual de Educação (Rived), do Portal do Professor e do banco de conteúdos internacionais que está sendo criado dentro dele, a iniciativa tem dois objetivos: “Um é fortalecer as ações de formação dos professores, e a outra é apoiar a prática pedagógica.”
No site, estarão os cursos a distância oferecidos aos educadores pelo MEC, em todas as suas secretarias regionais, além de apostilas, orientações metodológicas — para o EJA-Educação de Jovens e Adultos, para a educação para o campo, para populações indígenas —, diretrizes para o ensino médio, o fundamental e o infantil, manuais de tecnologia, vídeos da TV Escola que tratam da formação e do aperfeiçoamento profissional dos professores.
Já o “espaço da aula” é o canal para o professor publicar no ambiente público suas sugestões de atividades a serem desenvolvidas na sala — exemplos para trabalhar determinado tema, usando mídias diferentes, como imagens, animações, softwares educativos, fóruns, comunidades virtuais, blogs, vídeos. De acordo com Carmem, qualquer professor poderá comentar, criticar, avaliar e editar as sugestões publicadas, num processo colaborativo. Enquanto os professores ainda não começam a apresentar suas propostas, a equipe do MEC providenciou um repertório básico com 120 idéias. Ilustram como usar os equipamentos dos laboratórios, em todos os temas curriculares, e níveis de ensino,.
O acesso dos alunos deve acontecer na seção do portal chamada “recursos educacionais”. É o repositório de mídias: áudio, vídeo, animações, simulação, hipertexto, softwares, mapas, num conjunto estruturado por tema. Esses materiais poderão ser consultados, capturados ou incluídos nas propostas do “espaço de aula”. “Quando for preparar sua aula, o professor pode capturar as mídias e carregar para a sala”, explica Carmem. A edição de cada mídia no Portal do Professor é feita em página semelhante à de um blog, de maneira que se possa postar comentários e críticas.
A ferramenta do Portal, baseada em Java (linguagem da Sun Microsystems), foi desenvolvida pela própria Seed, que privilegiou conteúdos e softwares livres. A seleção de links traz bibliotecas virtuais brasileiras e internacionais; museus online, sites de cultura e outros portais educacionais públicos e de conteúdos universitários. Carmem adianta que também pretendem publicar uma lista de softwares educacionais públicos e livres, e a relação dos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefets), de escolas agrotécnicas, secretarias de Educação, e as páginas das próprias escolas do Ensino Fundamental e Médio. Ela acredita que a publicação, por si só, dos sites das escolas que têm laboratório deve estimular a produção das páginas. Quem não tem internet no laboratório poderá consultar o material pelo servidor da escola; e as escolas que não têm nem laboratório poderão pedir as mídias (CDs, DVDs, etc.) ao MEC.
Autores multimídia
No Paraná, a política para aplicar a tecnologia nas escolas começou também por um portal web, em 2004, e resultou num acervo atual de 500 documentos produzidos de forma colaborativa. São 55 mil professores na rede, dos quais 45 mil têm e-mail e cadastro no portal Dia a Dia na Educação. Segundo Elizabeth Santos, diretora de tecnologia educacional da Secretaria de Educação, o Paraná Digital, programa de inclusão da tecnologia na educação, previu três ações: produção de conteúdos que seriam publicados em um portal educacional; instalação dos laboratórios com banda larga nas escolas (cerca de 50, das 2,1 mil, ainda não os tem); e o apoio ao uso.
Foto de Eliane Silva,
publicada no EducaRede,
pela equipe do projeto
Gosto de Ler da Emef
Possidônio José de
Freitas de São José
dos Campos (SP)“Criamos uma ferramenta sob medida para o portal — o Ambiente Pedagógico Colaborativo, em parceria com a Celepar [companhia estadual de processamento de dados], com recursos para produzir objetos de aprendizagem de forma colaborativa”, diz Elizabeth. Com essas funcionalidades, conta ela, os professores passam a publicar suas produções e a fazer links entre objetos e sites, indicando determinada pesquisa ou texto, vídeo, imagem, sempre informando por que critérios aquele conteúdo foi selecionado.
O resultado é utilizado em cada sala de aula e não em aula especial, dada no laboratório de informática. “No caso do laboratório, pensamos que deva funcionar como um repositório de conteúdo, de um acervo para ser levado à sala de aula, além de espaço de pesquisa para professores, alunos, funcionários”, explica Elizabeth. Na sala, sem computadores, o professor conta com um aparelho de televisão adaptado para poder dar a sua aula. O banco de recursos para essa TV multimídia reúne 3,6 mil objetos de aprendizagem no portal, entre ilustrações, fotos, áudios, vídeos.
* Colaborou Lia Ribeiro Dias
O mais recente edital do MEC para contratação de objetos de aprendizagem selecionou 15 projetos, num investimento da ordem de R$ 70 milhões (de R$ 75 milhões originalmente disponíveis). Os conteúdos devem ser multimídia e multiplataforma, e estar prontos até 2009. Por exemplo, a Universidade Federal de Goiás (UFG) vai produzir diversas mídias para ensino de Biologia, a partir do bioma do cerrado. E a Unicamp, de Campinas (SP), apresentou a proposta de um banco de imagens microscópicas.
Os projetos escolhidos pelo edital, uma ação interministerial do MEC e do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), cobrem as disciplinas de Física, Química, Biologia e, a maioria, de Língua Portuguesa e Matemática. De acordo com o MEC, em 2006, foram contratados 167 materiais de diferentes instituições; em 2007, feita mais uma chamada pública para 80 novos itens. Os pesquisadores têm, em geral, prazo de dois anos para desenvolvimento, e os produtos vão alimentar a Rived-Rede Interativa Virtual de Educação (veja o link), base online que oferece simulações e animações para todas as disciplinas e séries (para ambientes Windows ou Linux).
O Proinfo conta, atualmente, com 20 mil laboratórios de informática instalados (todas as 14 mil escolas de ensino médio, mais algumas de 5ª a 8ª série); e a intenção é encerrar 2008 com 52 mil. Segundo Carlos Bielchowsky, secretário de Ensino a Distância do MEC, a meta é chegar a 2010 com 135 mil laboratórios (total que cobre todas as 55 mil escolas urbanas, mais todas as rurais com mais de 30 alunos), intenção que, segundo ele, já teria recursos garantidos por compromisso do presidente Lula. E, com a troca das metas de universalização — que estabeleceu para as operadoras de telefonia fixa a obrigação de conectar as escolas (em vez de instalar os Postos de Serviços Telefônicos) —, todas a rede pública urbana deve ter banda larga até 2010. O Gesac-Governo Eletrônico, Serviços de Apoio ao Cidadão, do Ministério das Comunicações, vai atender mais 7 mil escolas, as rurais com grande quantidade de alunos. Com isso, afirma o secretário, espera-se que o Brasil chegue a 2010 com pelo menos 82% dos alunos da rede pública podendo estudar com acesso à internet.
PROINFO | |
Ano de contrato | Total de computadores |
1997 | 3.125 |
1998 | 34.079 |
2000 | 16.691 |
2004 | 5.620 |
2005* | 31.625 |
2006/2007 | 89.580 |
Total |
180.720 |
Total de escolas atendidas |
15.119 |
* Em 2005, estão sendo computados
21.060 computadores do Projeto ProJovem.
Fonte: MEC