Boas novas na Maré

Projetos sociais, de instituições públicas e privadas, transformam a rotina da comunidade por meio da inclusão digital.


Projetos sociais, de instituições públicas e privadas, transformam a rotina da comunidade por meio da inclusão digital.  Emanuel Alencar


Telecentro da Baixa do Sapateiro

Com aproximadamente 130 mil habitantes, o complexo de favelas da Maré,
na zona norte do Rio de Janeiro, possui um dos mais baixos Índices de
Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade. Numa classificação com 126
bairros, a Maré aparecia, em 2000, na modestíssima 123ª colocação. Com
o desafio de mudar essa realidade, um sem-número de projetos sociais,
com o apoio de instituições públicas e privadas, vêm sendo
desenvolvidos na Maré. E rendendo bons frutos. O desenvolvimento social
por meio da inclusão digital começou há cinco anos, por iniciativa da
Associação Comunitária e Escola de Rádio Progresso (Acerp). Hoje, duas
comunidades — Timbau e Baixa do Sapateiro — contam com telecentros.

De acordo com o diretor da Acerp, Wladimir Aguiar, os 26 computadores
dos dois telecentros registram cerca de 3,3 mil acessos por mês.
Mantidas com a contribuição dos usuários — a cada hora de acesso é
cobrado R$ 1,50 — as salas recebem um público heterogêneo, de crianças
a idosos. “Tem gente que é contra cobrarmos pelos acessos. Mas temos
que dar sustentabilidade aos telecentros. Quando é de graça, ninguém
valoriza. Com um dinheiro na mão, o jovem vai ficar na dúvida entre
comprar um biscoito, em alguns casos até mesmo uma droga, ou vir aqui.
É um importante instrumento de inclusão”, acredita Wladimir.

Os telecentros Maremoto do Timbau e da Baixa do Sapateiro funcionam
todos os dias, das 10h às 23h, mas têm concepções distintas. O
primeiro, que já foi uma lan house,
antes de se transformar num telecentro, opera há um ano e meio, e conta
com máquinas fornecidas pela Fundação Banco do Brasil. Com mais de 20
anos de uso cada um, os dez computadores, em terminal remoto, estão
integrados em rede por Velox e software livre: GNU/Linux. A
sala, modesta, fica no segundo andar da Travessa Capivari, sede da
Acerp. Uma área predominantemente residencial. “O Banco do Brasil nos
forneceu os equipamentos e dá suporte técnico. Mas as máquinas são
antigas, e têm muitas limitações. Não rodam vídeo, por exemplo.
Mantemos por causa de nossa persistência”, ressalta Wladimir.

Já o telecentro da Baixa do Sapateiro fica numa área mais comercial, o
centro nervoso da comunidade de 13 mil moradores e que está completando
60 anos. Ocupa uma sala três vezes maior que a do Timbau, possui
ar-condicionado e 12 computadores operando em rede, com Windows e
conexão Velox. Cada máquina tem autonomia, o servidor só controla os
créditos dos usuários. Dois monitores auxiliam os internautas, cujas
ferramentas prediletas são o site de relacionamentos Orkut e o MSN.
Jogos são proibidos.

“Conheci o telecentro por meio de um amigo. É o melhor da Maré. A
conexão é rápida e tem conforto”, comenta o monitor Jefferson Mattos da
Silva, 14 anos, que trabalha aos finais de semana, recebe bolsa de R$
200,00 por mês e ajuda os estudantes com pesquisas na rede.

Semeando frutos


Com realidades diferentes, o jeito foi adaptar cada telecentro às suas
possibilidades de uso. No Maremoto do Timbau, os cinco assistentes
sociais da Acerp começaram, há quatro meses, a desenvolver o projeto
“Semeando Frutos”, que visa dar suporte psicológico e pedagógico a
crianças, jovens e suas famílias. A assistente social Isnara Lacerda
explica que o projeto surgiu com um intercâmbio da equipe da Acerp com
os responsáveis por um projeto semelhante, em Juiz de Fora (MG). Mas,
enquanto na cidade mineira o programa é financiado pela prefeitura, na
Maré, o trabalho é todo voluntário.

“Nosso objetivo é oferecer atendimento especializado a crianças e
adolescentes que apresentam distúrbios ou transtornos que limitam a
interação social, comunicação e aprendizagem, além do comprometimento
da capacidade da fala e da escrita e do relacionamento sócio-afetivo.
No telecentro, eles têm acesso a jogos interativos e educativos”,
detalha Isnara. “Atendemos a 60 crianças e jovens uma vez por semana.
Nossa meta é chegar a cem. Estamos tentando parcerias, mas até agora
ninguém mostrou interesse”.

Em pouco tempo, constata a assistente, os resultados já começam a
aparecer. Como exemplo, ela cita o caso de Tamires, de nove anos. Ela e
os seis irmãos moram em um casebre a poucos metros do telecentro do
Timbau. Para sustentar a família, a mãe passa o dia fora, trabalhando.
Sem colégio, Tamires vive brincando nas ruas. Sofria, até bem pouco
tempo, de dislalia (transtorno na articulação dos fonemas) e era alvo
das gozações dos amigos. Acompanhada de perto pela pedagoga do
“Semeando Frutos”, hoje Tamires já é capaz de falar corretamente.

O telecentro também desperta curiosidade no artesão Antônio Tavares, de 85 anos. Exímio luthier
— fabricante de instrumentos musicais —, como cavaquinhos e violões,
ele ficou surpreso ao ver sua foto na tela do computador: “Tenho
espírito de cientista, gosto de conhecer as coisas. Só ouvia falar em
internet, mas nunca tinha mexido. É uma maravilha”.

Rádio


Rádio Maré FM

A Acerp quer estender a rede de inclusão social. E aposta no sucesso da
Rádio Maré FM (105,9), cuja autorização de funcionamento foi concedida
em maio, pelo Ministério das Comunicações, depois de oito anos de
espera. Ainda este ano, o estúdio da rádio, no terceiro pavimento da
sede da associação, deve começar a funcionar. “A rádio educativa será,
assim como os telecentros, um instrumento de inclusão. Será muito
importante dentro de nossa proposta de ajudar a articular e organizar a
comunidade para a formação de grupos cooperativos geradores de emprego
e redes de solidariedade”, completa Wladimir Aguiar. “Não queremos, de
forma alguma, concorrer com outras instituições, mas somar esforços
para resolver cooperativamente os problemas da comunidade.”

acerp@oi.com.br

www.ceasm.org.br— Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (Ceasm)

www.jornalocidadao.net — O Cidadão (jornal da Maré)