Brasil politiza o Campus Party

A versão nacional do acampamento tecnológico foi mais política, mais festiva e com mais conteúdo. Seminário reuniu 150 integrantes de programas de inclusão digital.


A versão nacional do acampamento tecnológico foi mais política, mais festiva e com mais conteúdo. Seminário reuniu 150 integrantes de programas de inclusão digital.


O Campus Party do Brasil deu um choque cibernético na cidade. Durante uma semana, de 11 a 17 de fevereiro, 3 mil pessoas acamparam no prédio da Bienal, em São Paulo, para discutir tecnologias digitais e para experimentar o acesso à internet em rede de 5 Gbps, banda ultralarga, que resultou numa média de conexão da ordem de 670 Mbps por máquina, de acordo com os organizadores. Foi a primeira edição do evento fora da Espanha, e diferenciou-se do Campus Party realizado há 11 anos em Valença em dois aspectos importantes. Aqui, ao contrário de lá, houve grande procura por oficinas e palestras; e a relação upload/download na rede também foi completamente invertida. Os brasileiros aproveitaram a banda larga muito mais para publicar conteúdos na internet do que para baixar. O upload, que chegou a picos de mais de 700 Mbps, representou 2/3 do tráfego registrado no pavilhão da Bienal.

A idéia original do Campus Party é simples: a organização, a cargo da empresa Futura Networks, monta bancadas com tomadas para conexão à banda ultralarga, onde os participantes podem espetar seus computadores (trazidos de casa) e ficar navegando durante os dias do evento. Estreitas barracas de lona permitem acampar do início ao fim das atividades e fazer da experiência também um momento festivo. Na Espanha, o que se vê, principalmente, são jovens queimando CDs madrugada a dentro, competindo e jogando em rede, mantidos a base de energéticos.

No Brasil, em grande parte devido à agenda de palestras, o CP politizou-se. Houve debates sobre cultura digital, ética hacker, desenvolvimento sustentável, até uma manifestação de protesto contra a proibição ao game Counter Strike e contra o substitutivo do senador Eduardo Azeredo (que tipifica crimes online). A área de software livre liderou no número de inscrições, na frente até da comunidade de gamers (veja o quadro na página 19). O evento foi aberto pelo ministro da Cultura, Gilberto Gil, que fez discurso entusiasmado a favor da liberdade da rede, mas admitindo regras. “É preciso haver regulação, mas a rede tem que ser aberta. Os estados, o usuário, o mundo acadêmico, todos precisam dizer quais os seus interesses. Regulação é diálogo: tem que ser flexível.”

Os campuseiros buscaram principalmente trocar idéias e se conhecer. “A demanda por conhecimento, por informação, foi tanta, que tivemos que organizar uma agenda de palestras para a madrugada”, conta Mário Teza, que coordenou a área de software livre. Ele diz que as apresentações trafegaram por diferentes linguagens: programação de software, cinema, música, animação. E se o perfil predominante do público foi da classe B, ações governamentais garantiram espaço para debater a exclusão digital. O governo de São Paulo participou com estande do programa de inclusão digital Acessa SP, e a prefeitura, com oficinas para 800 professores do projeto Escola Conectada. A ONG Coletivo Digital organizou o Seminário Nacional de Inclusão Digital, com debates diários para 140 telecentristas, trazidos ao evento a convite do governo federal.

Carta do Ibirapuera


No último dia do Campus Party, os integrantes do Seminário produziram a Carta do Ibirapuera, para ser enviada ao Observatório Nacional de Inclusão Digital (Onid), vinculado ao Ministério do Planejamento, e a todas as esferas governamentais. Reivindica ações que garantam sustentabilidade política, econômica, ambiental e técnica aos projetos. Durante o seminário, o coordenador de inclusão digital do governo federal, Cezar Alvarez, afirmou que será anunciada, em breve, uma política nacional nessa área (veja a página 22).

A principal proposta da Carta do Seminário Nacional de Inclusão Digital, contudo, é criar uma instituição nacional, reunindo articulações regionais das coordenações das várias redes de projetos, “que possa representar e intermediar a relação dos projetos de inclusão digital com governos e entidades, na busca de soluções e recursos”. Para tanto, o grupo definiu como medidas imediatas a criação de uma lista de dicussão unificada, o uso dos instrumentos disponíveis no portal TID-Telecentros de Inclusão Digital (mantido pelo Coletivo e pela Rits) como referência para construção da rede, e o fomento da adesão de outros projetos à iniciativa.

Para Beatriz Tibiriçá, do Coletivo Digital, os projetos, quando estão articulados, têm mais força de negociação para resolver problemas. E os problemas não são poucos. Edivan França, por exemplo, do Casa Brasil Catavento/Parnaíba, no Piauí, conta que o estúdio multimídia da unidade foi instalado graças à própria comunidade: “Na Oficina de Inclusão Digital de Salvador, em novembro de 2007, o MinC fechou um acordo com o Casa Brasil para fornecer os R$ 180 mil (em três parcelas), relativos à aquisição dos kits multimídia, a todas as 90 unidades do programa. A primeira parcela, prevista para dezembro, ainda não saiu”, diz ele. Mesmo assim, os ativistas do bairro de São Vicente de Paula, um dos de mais baixo IDH de Teresina, puseram o estúdio de pé.

Leitores acampados

Alguns dos profissionais que participaram do evento, a convite da revista ARede.

Além dos telecentristas trazidos pelo governo, a revista ARede também convidou 35 leitores, ativistas da inclusão digital. Entre eles, Bruno Queiroz, da cooperativa Pirambu Digital, instalada numa periferia de Fortaleza, que ficou acampado na Bienal. Para ele, a prioridade da visita ao CP foram as atividades ligadas à inclusão digital, software livre e desenvolvimento, especialmente as oficinas de TV digital (com o Ginga, ambiente para aplicações interativas). A Pirambu só trabalha em software livre, e, em parceria com o Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet-CE), já capacitou 40 profissionais para uso do Ginga.  

Simone Lucena, representante do Projeto Tabuleiro digital, da UFBA, outra convidada da revista ARede, também foi ao CP para pesquisar sobre as relações entre educação e TV digital. Enquanto Cláudio Coutinho Caetano, supervisor I do TeleCeu Vila Curuçá, mantido pela prefeitura de São Paulo, interessou-se pelo movimento dos blogs e flogs, oficinas que trataram das novas possibilidades de jornalismo comunitário.

Os amigos Thiago Figueiredo e Jander Schendroski, militantes do software livre e ex-ativistas do Telecentro Cidade Tiradentes, na zona leste de São Paulo, foram ao CP divulgar a revista PzPzine.com, lançada na semana do evento. Thiago trabalha na Vespa (que cedeu os dias para ele ir ao CP) e quer fazer vestibular para Engenharia Mecânica este ano. Aproveitou para passear na área de robótica e capturar imagens para o seu site. Jander, por sua vez, foi ver, ao vivo, “o Linux rodar no PlayStation 3” (veja o link).

Fome de saber

O principal atrativo do Campus Party do Brasil foi a grade de programação, avalia Marcelo Branco, coordenador geral do evento. “Foram 360 palestras e oficinas, numa agenda superqualificada”, diz. Para ele, o segredo para acertar o interesse dos diferentes públicos que passaram pelo evento, foi a opção da coordenação de conteúdo, a cargo do pesquisador Sérgio Amadeu da Silveira, por construir uma grade ouvindo sugestões e críticas de diversas comunidades. “Os conteúdos foram construídos pelo contato direto com as comunidades. Tínhamos uma visão geral de construirmos uma programação que fosse diversificada e intensa, que não opusesse o ato de conhecer com o de se divertir. Quando fechei a grade final, ela era a 25ª versão. Comecamos em janeiro, com a primeira versão beta do programa, e depois fomos recebendo críticas e sugestões que permitiram o seu aperfeiçoamento. Só conseguimos agir assim, porque nossos coordenadores de área são pessoas ligadas a suas comunidades, que vão da astronomia á robótica, passando pelo software livre”, explica Sérgio.

O Campus Party do Brasil contou com 3,3 mil participantes (idade média de 23 anos), sendo 1,8 mil que acamparam na Bienal (em 900 barracas), de 18 países, 2,8 mil computadores, 5,5 mil credenciados (incluindo palestrantes, imprensa, convidados, etc.), e registrou uma banda média de conexão de 670 Mbps. A organização estimou o público circulante em cerca de 50 mil pessoas, incluindo as áreas abertas — 77% homens e 26% de mulheres —, e 14,7 mil comentários foram publicados em blogs, Twitter, YouTube e Flickr, mapeados pelo livestream.

O cabo de rede de internet estendeu-se por 15 km, com uma banda total de 5,5 Gbps. A partir de agora, Marcelo acredita que seja possível inserir o evento no âmbito da Aliança Brasil-Espanha, parceria que envolve outras áreas de conhecimento. “A intenção é formar um grupo de trabalho, com brasileiros e espanhóis, para discutir um agenda de trabalho comum a ser desenvolvida até o ano que vem”, diz.

O evento, promovido pela empresa espanhola Futura Networks, custou R$ 10 milhões, e teve vários apoiadores: Telefônica, Prefeitura de São Paulo, governo federal (CEF, Petrobras, Infraero e Serpro), e governo estadual. Em julho, o evento acontece na Colômbia, primeira etapa do circuito que deve correr o continente.


www.campus-party.com.br


http://portal.vanzolini-ead.org.br


http://blogblogs.com.br/livestream/name/campuspartybr2008

Radar e game na Defesa

Um das atrações do estande do Ministério da Defesa, na exposição realizada paralelamente ao Campus Party Brasil, em São Paulo, foi o sistema de distribuição de vídeo radar sobre IP. Desenvolvido pelo Instituto de Pesquisas da Marinha, o sistema, que envolve uma placa e software, já está em operação na vigilância da Baía de Guanabara, e atrai a atenção de secretarias de segurança pública. Mas o projeto não está concluído. O próximo passo, segundo o capitão de corveta Márcio Rodrigues, do INPQ, será migrar o sistema operacional de Windows para Linux. “O Linux opera em tempo real, o que não ocorre com o Windows, que tem um delay. Se isso se soma ao retardo da própria internet, pode comprometer o processo”, explica Rodrigues, especialista na área de processamento de sinais.

O sistema da Marinha consiste na digitalização dos ecos (o retorno das ondas eletromagnéticas emitidas pela antena ao esbarrar em um obstáculo), depois de recolhidos pelo receptor. As imagens digitais são enviadas para um servidor e, de lá, distribuídas via internet. Com isso, o monitoramento de uma área qualquer pode ser acompanhado a distância, pela internet. A equipe do INPQ acredita que conseguirá os recursos para a segunda fase do projeto junto a algum órgão financiar de pesquisa do país.

A Aeronáutica levou ao evento um jogo de guerra eletrônico, desenvolvido pelos alunos do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA); e um simulador de vôo usado para treinamento de pilotos. Segundo o sargento José Benedicto de Campos, do Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (Ceconsaer), os sistemas foram criados em software livre, mas ainda não estão disponíveis para o público. O game chegou a ser apresentado em feira tecnológica do Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA).


www.defesa.org.br

www.tid.org.br
www.casabrasilphb.blogspot.com – Casa Brasil Parnaíba (PI)
www.thiagofigueiredo.com
www.pzpzine.com – revista eletrônica sobre Python, Zope e Plone.
www.playstation.com/ps3_openplatform/index.html – Para instalar distribuições abertas no Playstation 3.

. Impressões dos representantes da Facen/UFBA sobre o evento foram publicadas aqui:
www.dorill.blogspot.com

http://experimentandoblogar.blogspot.com/


http://educacoes.livejournal.com/