brava gente telecentrista 03

brava gente telecentrista – Passaporte da inclusão digital

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Passaporte da inclusão digital

A equipe Polo Sudeste do Telecentros.br registrou o processo de transformação social na vida de monitores e frequentadores das unidades. A sistematização virou um e-book.
Edilene Lopes

ARede nº 87 – dezembro de 2012

AO LONGO dos últimos dois anos, apesar de todas as dificuldades – telecentros sem internet ou com problemas na conexão – a equipe Polo Sudeste da Rede nacional de Formação do programa federal Telecentros.BR conheceu muita gente que, em nome da inclusão digital, enfrentou toda sorte de desafios. São agentes de inclusão digital de 829 cidades dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, regiões sob responsabilidade do Polo Sudeste, que é coordenado pelo Laboratório de Computação Científica (LCC), da Universidade Federal de Minas Gerais.

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No Telecentros.BR, o curso para formação de monitores, é realizado na modalidade a distância, pela plataforma chamada Moodle, que é um ambiente virtual de aprendizagem no qual os cursistas navegam e percorrem todos os passos da formação, cumprindo as atividades propostas. Quando se fala em educação a distância, muita gente fica com a pulga atrás da orelha, avaliando que não funciona tão bem quanto a educação presencial, mas a experiência com o Programa reforça que é possível ter bons resultados, além de atingir um número imenso de pessoas. O curso, com duração de seis meses ou um ano, recebe estudantes bolsistas e não bolsistas. Ao longo do processo é previsto um encontro presencial para ampliar o diálogo entre monitores e tutores. ­­­­Os cursistas que fazem a formação de 12 meses apresentam um projeto comunitário, propondo desenvolver no telecentro uma atividade que promova a transformação social.

Diante da abrangência da área do Polo, a equipe dividiu o mapa em microrregiões a serem visitadas para fazer um diagnóstico das realidades locais e para realizar os encontros presenciais, identificados como fundamentais para potencializar o processo de educação a distância. Nas viagens, foram constatadas realidades muito diversificadas. A cidade de Barra Longa, por exemplo, visitada em janeiro de 2011, foi atingida por três enchentes em menos de dois meses. A devastação foi total. “Os monitores, alguns não bolsistas, ficaram sem internet várias vezes e mesmo assim não deixaram de concluir o curso”, conta a supervisora Junia Lima, que começou como tutora. Em Morro do Pilar, no Vale do Rio Doce, a supervisora encontrou monitores não bolsistas que trabalhavam em telecentros e, no início, não sabiam o que era a extensão PDF. Fizeram o curso, em boa parte do tempo, em modo offline.

Para superar as dificuldades de conexão com a internet, nos locais da montanhosa Minas Gerais onde o sinal das antenas Gesac ainda é fraquíssimo, o Polo Sudeste montou uma versão offline do curso. Todo conteúdo das fases 1 e 2, contido na Plataforma Moodle, foi transcrito e não depende de conexão para ser acessado. A partir de encontros presenciais que são realizados por microrregiões, os cursistas conseguiram chegar ao projeto comunitário, etapa importantíssima do processo de formação. “Mesmo nos locais onde não há perspectiva de conexão constante com a internet é possível promover ações de inclusão digital. O acesso à Rede é fundamental, mas inclusão não é só isso. No Brasil ainda tem muita gente que nunca viu um computador, que não sabe como funciona e que nunca digitou uma letra. Queremos muito mais, mas, para nós, todo avanço é válido”, reforça Leonardo Zenha, ativador de redes do Polo Sudeste.
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O depoimento de Vânia da Conçeição Leandro, que trabalha na Biblioteca Francisca Pinheiro Martins, na cidade de Rio Doce (MG) mostra as diferentes perspectivas e desafios da inclusão digital: “Comecei um trabalho agora com alunos para os quais o computador é um bicho de sete cabeças. Eles não sabem manusear o mouse, acham que, se apertar, vai estragar, não sabem ligar e desligar o computador, não sabem pra que serve. Então, a intenção é incluir esses moradores no mundo digital”, relata.

Não é lan house
O entendimento de que a ação vai muito além do acesso está presente inclusive nos lugares onde a conexão é perfeita. Em um dos encontros, realizado em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, Jader Almeida, que trabalha no Departamento de Informática da cidade de Presidente Bernardes, avaliou que, definitivamente, o telecentro não deve funcionar como lan house e para isso é necessário ter pessoal treinado. “A gente não tinha pessoal capacitado para colocar o telecentro pra funcionar como um centro de apoio para jovens e adolescentes e a gente vê que o telecentro acaba funcionando como uma lan house, não só em nossa cidade, mas em várias outras”, relata.

É justamente aí que entra a importância da capacitação, uma das frentes do Programa. Para Flávio Lúcio da Silva, coordenador do Centro de Inclusão Digital Esporte Clube São Carlos, a formação é ponto chave: “O curso resolve uma questão que nós temos que é a falta de monitores, pessoas para gerir o espaço. É preciso ter um agente qualificado, pessoas que entendam o que é inclusão digital, o que é projeto”. Vários alunos deixaram o curso. Em contrapartida, muitas pessoas procuraram a formação. “O que percebi de mais significativo no projeto foi a participação engajada e produtiva dos não bolsistas. Essas pessoas procuraram o curso porque queriam de fato atuar nas comunidades, fazer a diferença, a começar por elas mesmas. Sem bolsa, doando seu tempo. Muitos inscritos eram quase analfabetos digitais”, constata Cristina Miranda, coordenadora operacional do Polo Sudeste.
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Em alguns telecentros, o Telecentros.BR instalou equipamentos. Em outros,forneceu acesso à internet. E em vários, muitos já existentes e de responsabilidade de prefeituras, o programa federal ofereceu formação. A equipe do Polo Sudeste percebeu uma preocupação imensa dos monitores com a necessidade de capacitação, uma vez que eles trabalhavam em escolas e centros culturais, locais onde o número de frequentadores era grande e o número de dúvidas era proporcional. “Pessoas relataram a angústia que sentiram quando, sem nenhum treinamento, foram colocadas para coordenar telecentros. Sentiram-se perdidas e acuadas. Olhavam os equipamentos recebidos e não tinham a menor ideia do que fazer com tudo aquilo ou como agir com as pessoas que chegavam procurando o espaço, pois elas próprias não dominavam as tecnologias”, relata Cristina. “O curso fez a diferença para muitos deles. Aprenderam a observar, perceber, planejar e executar os sonhos, os desejos”, complementa.

Transformação social
Atualmente, o Polo Sudeste tem 21 tutores –todos eram monitores. Vários ingressaram no curso superior durante o processo e optaram por áreas afins, como educação e tecnologia. Luciana Zenha, coordenadora pedagógica do Polo Sudeste, vê dois avanços na trajetória do Polo: “Um é o mapeamento dessa realidade após as visitas técnicas e encontros microrregionais, principalmente neste último ano. O segundo é a mobilização interna de papéis quando alguns tutores passaram a atuar como supervisores e 21 monitores se transformam em tutores, com bagagem e vivências do interior de telecentros, com a experiência de interação do ambiente como alunos. Eles começam a atuar como mediadores agora de novos monitores. Além disso, a bolsa aumenta e os tutores continuam os estudos, já na perspectiva do ensino superior”.

Um exemplo é Leonardo Augusto, de 21 anos. Quando começou como monitor, trabalhava em um laboratório de informática dentro de uma escola e andava, todo dia, uma hora e vinte minutos para trabalhar. Executou um projeto de intervenções em grandes praças e parques de Belo Horizonte (MG). Promovia exibição e debates de vídeos, depois tirava os frequentadores dos telecentros e levava para grandes espaços abertos, com o objetivo de fazê-los fixar o conteúdo. Peças de computadores eram escondidas por toda parte e, em uma gincana, os alunos eram convidados a buscar as peças e montar os computadores. Ele conta que, por causa do currículo, onde constava monitoria e tutoria no Programa Telecentros.BR, conseguiu a vaga do atual emprego em uma grande empresa, onde faz parte da equipe de Tecnologia da Informação.

Fernanda Novais, de 26 anos, entrou no Programa como monitora, em 2011. Ela tinha contato com poucas pessoas do bairro, mas ficou sabendo do processo seletivo e resolveu participar. Antes de virar tutora, desenvolveu um projeto comunitário para auxiliar crianças nas disciplinas de Português e Matemática. Ela fazia atividades do curso na lan house porque não tinha internet em casa – e, às vezes, nem no telecentro. O gosto pelo trabalho com crianças e o contato com a comunidade aumentou e a levou a fazer um curso superior na área. E ela também foi indicada para a presidência de uma associação de bairro.

Rafael Pablo, 23 anos, é da área da enfermagem. Funcionário público da prefeitura, trabalha dentro de uma escola em um programa de saúde pública. Como monitor de telecentro, conheceu a realidade de moradores de uma vila do entorno, muitos vindos do Nordeste para trabalhar na reforma do estádio Mineirão para a Copa do Mundo. Depois que terminou o contrato de monitor, para ser tutor ele precisava estar estudando. Começou a fazer uma pós-graduação em saúde pública, só para continuar no Programa.
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Leonardo Zenha ressalta como emblemática a capacidade de mobilização dos jovens monitores que estão transformando as realidades locais dos seus telecentros e, com isso, se transformam também. “Com muita garra e dificuldades, conseguiram convencer administradores públicos a investir em software livre, formar professores no uso das TICs ou até mesmo ser contratados como agentes de tecnologias nos projetos governamentais, alem, é claro, de entrar na faculdade quando antes alguns não tinham essa perspectiva”, opina.

Diante de tantas experiências e conhecimentos acumulados, a equipe Polo criou um livro eletrônico que traz a história da equipe, do processo de formação e as propostas que resultaram desse trabalho. O livro, chamado de Passaporte da Inclusão Digital, simboliza, na avaliação da equipe, a transformação social na vida dos tutores que entraram para a Rede como monitores e também a mudança na vida de milhares de pessoas por meio de projetos comunitários.

O e-book é também uma projetoteca que armazena resumos dos projetos comunitários desenvolvidos pelos monitores do Polo Sudeste durante os dois anos do Programa Telecentros.BR.  O livro digital tem o formato de um passaporte. A primeira página é aberta e interativa: o navegante pode incluir nome, profissão e objetivos para o futuro. Ao final, o leitor encontra um jogo, onde pode brincar com um avatar em uma cidade digital. A publicação tem vinte e cinco páginas, vinte e uma das quais trazem no topo as histórias e fotos dos tutores e abaixo os resumos dos projetos, de acordo com os eixos temáticos: comunicação comunitária; comunidade; cultura livre; inclusão de crianças; idosos e pessoas com necessidades especiais; jovem e mercado de trabalho; metarreciclagem e software livre.

Em função da experiência dos tutores em educação à distância, o Polo Sudeste foi considerado referência na área e parte da equipe foi convidada a dar depoimentos que estão sendo usados em um programa de educação à distância do estado, em Minas Gerais. Para o professor Márcio Bunte, coordenador do Polo Sudeste e do Laboratório da Computação Científica da UFMG, o resultado principal foi formar monitores capazes de atuar nos telecentros, contribuindo para ampliar a inclusão digital nas comunidades. 

http://telecentrospolosudeste.blogspot.com.br