A escola em movimento
Sem políticas públicas em larga escala, a robótica pedagógica caminha com iniciativas isoladas, mas promissoras.
Leandro Quintanilha
ARede nº 82 – julho de 2012
OS ORGANIZADORES da Olimpíada Brasileira de Robótica (OBR) voltaram da última edição da competição mundial Robocup, realizada em junho, no México, com uma ótima notícia: em 2014, a maratona internacional vai acontecer pela primeira vez no Brasil, em João Pessoa (PB). Uma grande conquista para um país em que uma poderosa ferramenta pedagógica multidisciplinar ainda não consta, oficialmente, dos currículos da escola pública. Mesmo assim, iniciativas isoladas – e bem-sucedidas – acontecem há mais de dez anos, por todo o território nacional. Projetos pontuais de robótica educacional são desenvolvidos por universidades e centros tecnológicos. Nas escolas particulares de ponta, a robótica está mais presente. Nas escolas públicas, a maior parte das iniciativas é fruto do engajamento pessoal de professores e ativistas partidários da robótica livre – que usa sucata nos componentes, plataformas virtuais gratuitas e até celulares dos alunos como centrais de processamento.
Oficialmente, não se sabe se, onde e como a robótica entra nos laboratórios e nas salas de aula das redes públicas. O Ministério da Educação (MEC) esclarece que a robótica é caracterizada como parte de atividades extracurriculares e, como as escolas têm autonomia para programar esse tipo de conteúdo, não há informações oficiais. No Ministério da Ciência, Tecnologia e Indústria (MCTI), o Centro de Tecnologia de Informação Renato Archer está realizando uma pesquisa sobre o uso da robótica em escolas, em parceria com a Universidade de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal do ABC (UFABC), em São Paulo. A ideia é que esses dados, além de mapear a prática pedagógica, possam subsidiar a disseminação da robótica educacional com base na realidade brasileira, uma vez que o custo unitário dos kits proprietários, disponíveis no mercado, varia entre R$ 700 e R$ 2 mil.
O MEC e o MCTI ainda não são parceiros em nenhum tipo de inciativa de robótica educacional, embora o chefe Divisão de Robótica e Visão Computacional do Centro Renato Escher, Josué Ramos, acredite que essa seria uma ótima alternativa: “Um trabalho conjunto entre as duas pastas poderia viabilizar estudos dentro da vocação de cada uma: o MCTI ofereceria suporte tecnológico e o MEC avaliaria os aspectos pedagógicos”.
Enquanto as políticas públicas não vêm, destaca-se o trabalho daqueles que investem no potencial pedagógico da robótica, acreditando no grande apelo lúdico. O professor Aquiles Burlamaqui, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), coordenador da Olimpíada Brasileira de Robótica 2012, cujas finais serão realizadas em Fortaleza, em outubro, explica: “As crianças aprendem com o que consideram ser um brinquedo”.
Robótica para quê?
A professora Roseli Lopes, da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), frisa que a robótica não é uma atividade que se encerra em si. Idealizadora e coordenadora da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), voltada para estudantes pré-universitários, ela defende que a robótica seja apresentada aos alunos como um meio de se resolver problemas. Além de se relacionar com diversas disciplinas do currículo tradicional, como matemática, física, ciências e geografia, a robótica estimula o senso crítico, a tomada de decisões, a curiosidade científica, o trabalho em equipe e o empreendedorismo.
A prática ainda desafia o ensino tradicional, ancorado em aulas expositivas, nas quais o professor atua como uma autoridade unilateral, detentora de todo conteúdo. “O professor de robótica é um provocador”, pontua Roseli. Ele ajuda os alunos a identificar problemas e os estimula a encontrar as soluções. “Muitos trabalhos que envolvem robótica apresentados na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace) são iniciativas de promoção da acessibilidade”, conta ela, citando projetos como a luva capaz de movimentar uma cadeira de rodas ou o programa que traduz para texto a linguagem de sinais, Libra. Outro exemplo são os óculos-mouse, dispositivo que faz um cursor se movimentar na tela de um computador a partir de um movimento de cabeça ou de um piscar de olhos. Muito mais do que criar robôs humanoides para entretenimento, como se vê nos filmes, a robótica é uma ferramenta para se encontrar soluções que garantam mais eficácia, conforto e praticidade para o homem e para a sociedade.
A definição da professora da USP é confirmada pelo educador Marcos Egito, do Centro de Recondicionamento de Computadores de Recife (CRC), que se autodefine como um ‘problematizador’. No contato com os alunos, ele se preocupa principalmente em antecipar possíveis problemas de cada projeto para que os estudantes busquem as soluções adequadas. “As criações são todas ideias de alunos. O nosso principal esforço é o de não sugestioná-los”, alerta. Entre os projetos desenvolvidos por adolescentes no CRC de Recife, que usa sucata como material de trabalho, há um robô agricultor que prepara a terra para o plantio, um braço-furadeira, para perfurações de precisão, e o Trito Livre, um triturador de lixo orgânico.
A robótica livre, linha adotada pelo CRC de Recife, traz um ganho a mais, que é a preservação da consciência ambiental. “Com o avanço da tecnologia e o barateamento das máquinas, o recondicionamento de computadores é um processo em decadência”, afirma Sávio França, diretor do CRC e do Centro Marista de Circuito Jovem de Recife. “Em vez de serem usadas no recondicionamento de computadores lentos e obsoletos, a tendência é que essas peças sejam usadas cada vez mais como componentes robóticos”, conta ele. Há três anos, o CRC de Recife oferece cursos semestrais de qualificação profissional em tecnologia a cerca de 100 jovens de baixa renda. As aulas acontecem de segunda a sexta e incluem robótica, disciplina que faz muito sucesso entre os adolescentes. O CRC foi vencedor do Prêmio ARede em 2011, que apoia e divulga boas práticas de inclusão digital.
Lixo eletrônico
Apesar do atrativo do baixo custo, a robótica livre enfrenta dificuldades nos ambientes escolares. Um dos principais é a falta de qualificação dos professores para reconstruir e usar kits não convencionais em salas de aula. “O alto custo dos kits comerciais os tornam inviáveis para a maioria das escolas brasileiras, sobretudo as da rede pública”, pondera o acadêmico e ativista Danilo César, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e do movimento Robótica Livre. Ele lembra que, além de comprar o kit, a escola também vai pagar por cada peça nova que desejar incorporar ao kit e pela manutenção das peças eletroeletrônicas. “De maneira geral, esses kits proprietários são planejados para que paguemos direitos autorais e royalties, dinheiro que poderia ser investido na formação dos educadores e na produção de kits livres”, afirma César, que está fazendo doutorado em robótica pela UFBA. No segundo semestre deste ano, ele deve defender a tese ‘Robótica Pedagógica Livre e Cognição: entre o Alternativo, a Emancipação Sociodigital e a Democratização do Conhecimento’. “A pesquisa tem como foco a democratização dos materiais, recursos e propostas geradas que possam auxiliar a produção do conhecimento sobre robótica pedagógica livre”, antecipa.
“A robótica escolar ainda é alvo de estudos de pesquisadores das áreas de tecnologia e pedagogia”, afirma o professor Flávio Tonidandel, coordenador de projeto no Centro Universitário Fundação Educacional Inaciana (FEI). A instituição sediou a última regional paulista da OBR. “Alguns resultados já são visíveis nos ensinos médio e fundamental, mas ainda precisamos de mais estudos que avaliem por completo o potencial pedagógico da robótica na educação”, alerta Tonidandel. Uma inovação está em gestão na UFRN. O professor Burlamaqui participa de um trabalho que pretende usar aparelhos de celular como unidades de processamento. “Isso representaria uma redução de custo importante porque a maioria dos alunos tem celular”, diz. A universidade já tem a patente da pesquisa, mas a tecnologia ainda está sendo desenvolvida.
Mix tecnológico
A robótica livre ortodoxa se opõe à utilização de kits padronizados em favor de ferramentas livres de hardware e software. Mas o que se vê em muitas iniciativas é a combinação de recursos da robótica educacional comercial com soluções de baixo custo ou gratuitas. É o que acontece, por exemplo, na Escola Técnica (Etec) Rosa Perrone Scavone, em Itatiba, na região metropolitana de São Paulo. A instituição, administrada pelo Centro Paula Souza, começou a utilizar a robótica pedagógica em 2010, por meio de uma parceria com a fabricante alemã Festo, que ofereceu gratuitamente o kit de seu produto, chamado Robotino. Nesses dois anos, como explica o professor de informática Humberto Zanatti, as práticas de robótica cresceram na escola. Hoje, existem grupos de trabalho formados por alunos do ensino médio e do curso técnico em Automação. Estudantes de outros cursos de exatas também participam de projetos especiais e competições na área de robótica, orientados por Zanatti. Os alunos da Etec já concorreram na Olimpíada do Conhecimento do Senai, em São Paulo, na categoria Robótica Móvel; e na Competição da Sociedade Brasileira de Robótica, em São João Del Rei, Minas Gerais.
No cotidiano escolar, eles realizam trabalhos combinando diferentes kits. Além do Robotino, emprestado gratuitamente pela fabricante Festo, usam kits Lego e XBot. Uma novidade especialmente prática e acessível são as plataformas de robótica virtual Robocode e Robomind. A segunda, de origem holandesa, tem interface e programação em português. São plataformas leves, que os alunos podem acessar também de casa ou de lan houses.
Para o professor, a robótica educacional é principalmente uma forma de inspirar esses jovens a seguir carreira no campo da tecnologia. Tomara. Publicado no ano passado, um estudo da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom) projetava ano um déficit de quase 92 mil profissionais de tecnologia da informação no país. A mesma instituição prevê um déficit de 750 mil trabalhadores no setor em 2020.
Ciência Móvel
Outro programa pedagógico acontece na cidade de Anápolis, em Goiás. Trata-se do projeto Ciência Móvel, que usa uma Kombi para levar oficinas de conhecimento a comunidades de baixa renda. A iniciativa começou em 2010, por meio de uma parceria entre a Secretaria Municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação (SEMCTI), a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e a Universidade Estadual de Goiás. Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação também colabora com o projeto.
Em janeiro deste ano, a robótica educacional foi incluída no ‘currículo’ da Kombi. De janeiro a junho, 25 comunidades foram atendidas. O projeto alterna robótica livre e proprietária. “São reaproveitadas peças de computadores, geladeiras e outros materiais para o desenvolvimento de artefatos como carrinhos motorizados e painéis elétricos”, afirma a gerente de Inovação e Difusão Tecnológica da SEMCTI, Luciane Puglisi Marreto. Os kits pagos são focados em disciplinas específicas, como mecânica, eletricidade, eletrônica e computação.
O foco não são apenas crianças e adolescentes, mas a comunidade em geral, como informa Olira Saraiva Rodrigues, coordenadora do Núcleo de Divulgação e Popularização da Ciência da SEMCTI. Neste ano, serão montados três laboratórios na cidade, para aprofundamento das atividades do projeto Ciência Móvel, um para ciências, outro para matemática e o terceiro para robótica. A previsão é que sejam investidos
R$ 100 mil em equipamentos e instalações.
www.anapolis.go.gov.br | www.febrace.org.br
www.mec.gov.br | www.ueg.br | www.mcti.gov.br
www.brasscom.org.br | www.obr.org.br |
www.robocode.net | www.robocup.org
www.centropaulasouza.sp.gov.br | www.unesp.br
www.robomind.net | www.unicamp.br
www.ufabc.br | www.ufrn.br | www.usp.br
http://sites.marista.edu.br/crcrecife/ | www.ufba.br
Construção do aprendizado
Na primeira metade do século 20, o psicólogo suíço Jean Piaget apresentou ao mundo suas ideias sobre uma educação construtivista, em que o processo de aprendizagem se dá pelo estímulo à curiosidade dos alunos. Nessa linha, os estudantes são desafiados a encontrar as respostas que procuram com base no conhecimento que já têm e na interação com os colegas e com a realidade. Tudo a ver com robótica educacional, não é?
O construtivismo foi atualizado na era tecnológica, em plenos anos 1970, pelo educador sul-africano Seymour Papert, que ficou famoso por sua atuação no Instituto Tecnológico de Massachussetts (MIT, da sigla em inglês). Um dos pioneiros da inteligência artificial no mundo, Papert desenvolveu a linguagem de programação Logo, para crianças, no ano de 1968, muito antes do advento da internet. Os estudos de Seymour Papert costumam nortear as atividades de robótica pedagógica no mundo todo.
A robótica educacional é um meio moderno e eficaz de aplicar a teoria piagetiana-papertiana em sala de aula. O aluno é levado a identificar uma questão e se apropriar dela, trazendo-a para a sua realidade, para só então acomodá-la na memória.
Copa do mundo eletrônico
O Robocup é a maior competição mundial de robótica e ocorre a cada ano em um país diferente. A ideia é estimular o estudo e o desenvolvimento da inteligência artificial e compartilhar conhecimento aplicado. A primeira edição decorreu em 1997 em Nagoya no Japão e a última, em junho, no México, com a participação de brasileiros selecionados pela Olimpíada Brasileira de Robótica. A Robocup de 2013 será realizada na Holanda. Em 2014, pela primeira vez, o Brasil vai sediar o evento. Um novo centro de convenções será construído pelo governo da Paraíba, em João Pessoa, para abrigar as competições.
www.obr.org | www.robocup.org.br