no primeiro escalão da pesquisa acadêmica mundial.
Áurea Lopes
ARede nº 79 – abril de 2012
Por trás de cada conquista da ciência, não importa em qual área do conhecimento, existe sempre uma legião de pessoas que estudam e fazem experimentos até obter um novo produto ou um novo serviço, mais eficaz, menos oneroso, menos agressivo ao ambiente, entre incontáveis outros avanços. Por estar na vanguarda do desenvolvimento, essas pessoas – os pesquisadores e os acadêmicos – foram os primeiros usuários da rede mundial de computadores no Brasil, no final dos anos 1980.
Nessa época, instituições acadêmicas e científicas se conectavam a redes internacionais, pagando à Embratel pelo uso dos circuitos de comunicação. Em 1989, a necessidade de construção de uma rede nacional levou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) a capitanear a iniciativa de implantação de um backbone para uso da comunidade brasileira de ensino e pesquisa. Assim nasceu a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Hoje, esse backbone tem até nome: Rede Ipê. E interliga mais de 600 instituições de ensino superior e pesquisa por meio de uma infraestrutura multigigabit. Na capital, as conexões são de 1 Gbps. No interior, de 10 Mbps. Até 2014, a meta – “ousada, mas factível”, reconhece Nelson Simões da Silva, diretor geral da RNP – é interligar todos os campi universitários do país, em 900 localidades, com conexões a partir de 100 Mbps.
Mas… na prática, para quê serve uma rede que suporta aplicações de altíssima capacidade? De que forma os cidadãos e a sociedade se beneficiam dessa arquitetura que inclui desde pequenas redes metropolitanas até enlaces com redes internacionais da Europa e dos Estados Unidos?
É fácil imaginar de que modo matemáticos, físicos ou astrônomos fazem uso de uma rede que permite transmissões em alta velocidade e alta qualidade. Não foi à toa que a RNP começou no MCTI e logo agregou o Ministério da Educação. Porém, desde 2009, o programa interministerial RNP ganhou dois reforços: o Ministério da Saúde e o Ministério da Cultura. Para entender o que esses ministérios vêm agregar ao projeto, um exemplo totalmente emblemático.
No dia 13 de fevereiro deste ano, o Grupo de Pesquisa Poéticas Tecnológicas, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), participou de uma apresentação que mesclou, em tempo real, as performances de bailarinos que estavam fisicamente em três continentes. A experiência, de uma área de pesquisa chamada dança telemática, envolveu as cidades de Salvador (BA), Barcelona (Espanha), Chiang Mai (Tailândia) e Daejeon (Coreia), durante o congresso Asia Pacific Advanced Network 2012.
Ivani Santana, professora da UFBA, instituição integrante da RNP, conta que foi usado o gerenciador de fluxos de informação de redes avançadas Arthron – desenvolvido no Grupo de Trabalho em Mídias Digitais e Arte, ligado à RNP. Com essa plataforma, o diretor artístico pode gerenciar imagens das várias câmeras, posicionadas em diversos ângulos, em cada um dos locais onde os bailarinos se apresentavam. Tudo com alta qualidade de transmissão. Ao ter acesso a todos os detalhes, em um único ambiente de visualização, o diretor pode fazer uma aprimorada edição do espetáculo em tempo real.
Imagine, agora, essa mesma plataforma utilizada dentro de um centro cirúrgico, permitindo que especialistas de diferentes modalidades compartilhem uma visão integrada dos procedimentos. Foi isso que aconteceu. “A partir dessa aplicação de dança telemática, os pesquisadores da Saúde geraram um novo protótipo da plataforma Arthron, que está sendo testado em cirurgias”, conta Simões.
O Arthron é um dos produtos desenvolvidos nos laboratórios das instituições integrantes da RNP. Michael Stanton, diretor de P&D, destaca também, na área de arte, a participação da instituição na organização CineGrid, que atua com transmissões cinematográficas digitais de alta resolução, como a tecnologia 4K. Um projeto coordenado pela Universidade Federal da Paraíba e pela Universidade Mackenzie resultou em um software de codificação e decodificação 4K bem mais barato do que os disponíveis no mercado. Em 2009, conta o diretor, pesquisadores de um grupo de universidades ligadas à RNP participaram de uma exibição de filme simultânea, em alta definição, nas cidades de São Paulo, San Diego (Estados Unidos) e Tóquio (Japão). Stanton adianta que, no próximo mês, será feito outro experimento, desta vez com cantores de ópera no Rio de Janeiro, em Londres (Inglaterra) e na Cidade do Cabo (África do Sul). “A peça será escrita dentro de características técnicas específicas para esse tipo de apresentação virtual”, diz o diretor.
Na mesma linha de transmissão de alta definição, está sendo criado o projeto Rede Cinemas, em parceria com a Cinemateca Brasileira, com apoio do Ministério da Cultura. “Os filmes do acervo da Cinemateca vão ser oferecidos, em alta qualidade, para as universidades. E estão sendo montadas salas de cinema regionais abertas à comunidade, em especial no Norte e Nordeste, regiões mais carentes de equipamentos culturais”, diz Simões.
A transmissão de vídeo em altíssima resolução, explica Iara Machado, diretora-adjunta de P&D, não se aplica apenas ao cinema. Pode ter aplicação em outros campos científicos. “Essa tecnologia de visualização remota pode ser de grande auxílio, por exemplo, para a Petrobras transmitir imagens de equipamentos no fundo de uma plataforma de prospecção de petróleo”.
Todos esses produtos – e muitos outros mais – são resultado dos Grupos de Trabalho (GTs) da RNP. Criados há dez anos, os GTs são formados a partir de chamadas públicas. A RNP lança um edital, as instituições interessadas apresentam suas propostas e são escolhidos os projetos para desenvolvimento. Assim surgiram soluções como a plataforma de intercâmbio entre TVs universitárias – aplicação hoje utilizada pela TV Brasil. Ou como o novo serviço, chamado de Rede Híbrida, que permite aos pesquisadores construir um circuito de comunicação ponto a ponto para uma utilização específica ou agendar o uso de um circuito na rede. “Por exemplo, hoje, quando um pesquisador precisa fazer um trabalho com imagens de um telescópio, existe uma fila de espera. Com a rede híbrida, um sistema automático constrói o circuito no momento desejado ou agendado pelo cientista”, explica Iara.
Um projeto de ponta que agrega pesquisadores de diversas universidades ligadas à RNP é o Programa Internet do Futuro. Está em construção uma rede sobreposta, experimental, em que os pesquisadores possam realizar novos experimentos, testar protocolos e arquiteturas para a evolução da internet em requisitos como segurança e mobilidade. O projeto tem recursos da União Europeia, do CNPq e da própria RNP. Até o final deste ano, a rede deve operar em uma operação-piloto, com previsão de lançamento para 2013.
De onde vêm os recursos
Desde 1999, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério da Educação têm participação paritária e predominante (80%) no financiamento da RNP. Saúde e Cultura, integrados ao programa em 2011, estão iniciando seus planos de ação. Em 2011, foram executados R$ 138 milhões. Em 2010, R$ 110 milhões.
O diretor geral Nelson Simões reconhece que esse patamar de orçamento não é suficiente para atingir a meta de interiorização – atender, até 2014, todos os campi do interior com conexões a partir de 100 Mbps. “Vamos precisar de recursos adicionais. A ideia é investir em parcerias. Mas também devemos receber aportes extras por conta das políticas dos ministérios que nos apoiam. Na Ciência e Tecnologia, a proposta é conectar 900 localidades, nos próximos três anos. Na Educação, crescem as iniciativas de qualificação tecnológica, novas universidades estão sendo criadas”, diz Simões.