coordena um
telecentro e faz faculdade
a distância
Arranjos preciosos
Empenho pessoal e senso comunitário para enfrentar as dificuldades da inclusão
Falar em “telecentros rurais” como um conceito fechado significa desconsiderar que a atuação do ponto de acesso reflete a organização da comunidade, suas demandas, sua gestão. É enorme o trabalho necessário para manter um telecentro aberto e afinado com as necessidades do local onde funciona. Uma visita a três telecentros da rede Gemas da Terra, que faz parte da rede do Gesac e foi uma das primeiras a criar pontos de acesso em áreas rurais, em 2003, mostra isso.
Arranjos que vemos no atacado — se o telecentro paga ou não monitor, cobra ou não o acesso, usa ou não software livre — não existem de maneira simples. A gestão de um telecentro é resultado de muitas negociações, aprendizados coletivos, construções. E cada lugar é único.
Tombadouro, distrito do município de Datas (MG), tem um telecentro gerido pelo Grupo de de Produtores Rurais. Todo canto em Tombadouro tem uma roça, que é a única fonte de renda da comunidade, onde mesmo o comércio é pequeno. Quem, dos 1,2 mil moradores, não trabalha na roça — a sua ou a comunitária — trabalha fora, em Diamantina, ou em Curvelo, ou na pedreira de Pompeu. Eva Maria Pinto é coordenadora do telecentro há quatro anos, um trabalho voluntário que, no seu caso, também incorpora a função de monitora. Uma das dificuldades do local é manter os voluntários. Eles começam a trabalhar com a expectativa de aproveitar o direito de acesso gratuito à internet, mas logo se dão conta de que esse direito é restrito: a prioridade é atender as pessoas da comunidade, e quase sempre há gente querendo usar as quatro máquinas do telecentro, duas das quais conectadas. “Quando me formar, vou prestar concurso para a prefeitura e provavelmente parar de trabalhar no telecentro. Fico preocupada em achar alguém para ficar aqui, para mantê-lo aberto”, diz ela.
Eva se forma este ano, em Pedagogia, curso feito no telecentro, na modalidade de educação a distância, pela Universidade do Norte do Paraná (Unopar). Quatro colegas dela também se formam em Pedagogia este ano. Outras seis pessoas da comunidade usam o telecentro para fazer cursos de graduação a distância.
A sala do telecentro fica praticamente colada à escola da cidade. Quando implantaram o laboratório escolar, com internet, no ano passado, os alunos foram aprender a usar os computadores e o sistema operacional Linux no telecentro. Lá, quem faz pesquisa ou curso não paga; quem usa a internet rapidamente, apenas para verificar e-mails, também não. Quem usa Orkut paga R$ 1,00 por hora. “Só paga quem demora”, diz Eva. O telecentro funciona das 9 da manhã às 10 da noite. E só fica fechado quando não há voluntários para fazer o atendimento.
Em São Gonçalo do Rio das Pedras, a duas horas de ônibus de Diamantina, Gildete Graziele Ribeiro recebe R$ 230,00 por mês para trabalhar três dias por semana no telecentro e cuidar de sua manutenção. Ela é uma fuçadora: descobriu, por exemplo, como substituir as placas de rede dos quatro computadores do telecentro, queimadas pela queda de um raio, por placas de máquinas velhas — doações, que estavam sem uso. Abriu todos, fez a troca, colocou o telecentro para funcionar. O salário de Gildete é pago com recursos do próprio telecentro, que cobra R$ 1,60 por hora dos moradores da comunidade e R$ 3,00 de turistas.
Fazendo contas
Usuários do Bolsa Escola, Bolsa Família ou de programas de auxílio como o Vale Alimentação e o Vale Gás podem usar a internet de graça, mas somente para serviços públicos (inscrição em concursos, pagamento de taxas, Receita Federal). Alunos e professores também têm acesso livre para pesquisas escolares, assim como participantes de organizações não-governamentais da localidade.
As contas do mês de fevereiro foram assim: entraram R$ 356,00 de uso da internet. As despesas foram R$ 17,00 com fax, R$ 233,20 do salário da monitora, R$ 20,27 com FGTS, R$ 86,68 com INSS (Gildete é registrada), num total de R$ 352,65, sem contar a conta de luz e o aluguel — ambos entram como contrapartida da Associação Comunitária Sempre Viva, incubadora do telecentro. Em 2008, a receita total foi de R$ 5.924,00 e as despesas, de R$ 5.832,00. O telecentro gera os recursos para seu funcionamento, inclusive para pagar uma monitora, o que é raro. Se precisasse pagar luz, aluguel e conexão, seria deficitário.
Quando um computador quebra, e Gildete não consegue dar um jeito, tem de ser levado a Diamantina. Aí as despesas aumentam. Em Milho Verde, distrito de Serro, a pouco mais de seis quilômetros de São Gonçalo, só havia um computador funcionando no início deste ano, e não havia dinheiro para pagar transporte nem assistência técnica. Depois que voluntários da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) fizeram uma visita de suporte, são três os computadores ativos.
O telecentro de Milho Verde, ao contrário de Tombadouro, tem muitos voluntários: 23. O que os motiva? A possibilidade de acesso gratuito, em um lugar onde a internet oferecida por um provedor privado, via rádio, chegou apenas em 2007, e tem oito clientes. O telecentro já foi objeto de inúmeras discussões sobre sua apropriação, e chegou a ficar fechado durante alguns períodos. A associação pela qual o telecentro mantém um vínculo formal com o Gesac não contribui para mantê-lo. Ao contrário: está devendo ao telecentro cerca de R$ 875,00, apurados com a cobrança de acesso e repassados a ela. Agora, esses recursos serão usados para pagar parte do salário da atendente do posto do Correio, vizinho, que também cuida da limpeza do telecentro.
Educação e alianças
“A maior contribuição desse espaço para a localidade é o aprendizado sobre como usar e gerenciar um espaço comunitário. É a educação”, acredita Thomas Kuberek, coordenador do telecentro há um ano e meio. Essa dimensão de educação passa pela noção de que os computadores não são de um indivíduo, mas de todos. “Minha principal função é social, educacional, e não técnica”, diz Kuberek.
O Ponto de Cultura Cordão Cultural por Milho Verde foi um dos selecionados no programa Pontos de Leitura, do Ministério da Cultura, para receber um kit com, no mínimo, 500 livros. Parte dos recursos para a reforma da sala onde vão ficar os livros vai beneficiar o telecentro, que ocupa o mesmo espaço. “Essa interação entre os dois projetos não existia, e é uma boa novidade”, constata Thomas.
A grande expectativa desses telecentros é a realização de um projeto conjunto com a UFVJM para suporte, manutenção e capacitação. A UFVJM vai sediar o encontro dos voluntários da Gemas da Terra, em 22 e 23 de agosto. O coordenador do departamento de Sistemas de Informação da universidade, Alessandro Vivas, visitou o telecentro de Tombadouro no final de abril. Seu desafio é transformar a proposta de suporte aos telecentros em um projeto de extensão universitária, para viabilizar a participação de alunos nas atividades de suporte. Além disso, existe a possibilidade de criar um curso a distância de Linux, com um conteúdo suficiente para tornar os voluntários dos telecentros autosuficientes na resolução de problemas em seus sistemas.
Isso também não é fácil: como criar condições formais para, por exemplo, dispor um servidor da universidade para o projeto? É uma das perguntas que Vivas se faz. Outra: “Como transformar o trabalho nos telecentros em produção acadêmica?” A resposta a essa questão é importante, porque pode atrair o interesse de outros participantes da comunidade acadêmica para atuar nos telecentros. (P.C.)