Dentro das caixas pretas

Hacker constrói fliperama com tecnologia livre

ARede nº72 agosto de 2011 – O primeiro computador de Felipe Sanches, o Juca, foi um PC 386, com sistema operacional DOS. Em 1992 ou 1993, ele não lembra direito. Mas lembra muito bem de que na época não havia internet no Brasil – a rede era restrita às redes acadêmicas. Ele nunca gostou de caixas pretas. Sempre quis saber o que havia dentro, como e porque funcionavam. Juca tinha muito tempo livre. Não gostava de futebol, tinha um violão, um computador e queria aprender a programar. Então começou a investigar os diretórios do computador. E descobriu um jogo de fliperama que fazia som, em um computador sem placa de som. “Uma coisa louca, porque tudo, a não ser o sonzinho que o computador fazia quando era ligado, era silencioso”, diz ele.

O nome do jogo era Pinball Fantasies e o som existia por conta de um hack. O jogo usava o pequeno alto falante do computador, que soava quando era ligado, para fazer sons de fliperama. A música do Pinball Fantasies é um clássico, com dezenas de remixes no Youtube. Apaixonado pelo jogo, por causa da música, Juca começou a ler as linhas de código para saber como funcionava. Aprendeu inglês lendo linhas de código, aprendeu a programar descobrindo para quê serviam os comandos, passou a fazer programas para outras mesas eletrônicas de fliperama.

Cada mesa tem um tema. A preferida de Juca é a Party Land, com desenhos de um parque de diversões. “Então eu decidi fazer uma máquina de fliperama de verdade, usando um simulador para controlar o jogo”, conta. 
A partir do software proprietário que havia em seu computador, Juca criou um software livre. Um emulador, para simular as ações de uma máquina por meio de linhas de código. Rodou o Pinball Fantasies nesse emulador. E depois começou a modificá-lo, para que “entendesse” o que acontecia no jogo e fosse capaz de controlar uma máquina de verdade.

Em 2006, Juca começou a construir sua máquina, em uma sala usada por um de seus professores na Escola Politécnica, na Universidade de São Paulo. Até que outro professor o viu trabalhando e exigiu que ele apresentasse um relatório, formalizando o que estava fazendo e com a assinatura de um professor orientador. Entregue o relatório, Juca ficou um mês sem resposta. Ao cobrá-la, ouviu o seguinte: “O departamento avaliou que você está fazendo um uso inadequado da sala, leve suas coisas embora”. Ele levou a máquina para casa, mas não tinha mais colegas para discutir o projeto, nem ferramentas para trabalhar.

A necessidade de várias pessoas como Juca, de ter um lugar para inventar coisas, sem propósito acadêmico ou econômico – e trocar informações com pessoas com interesses parecidos – deu origem ao Garoa Hacker Clube, em São Paulo. O Garoa fica na Casa de Cultura Digital. Tem ferramentas, equipamentos eletrônicos e, o mais importante, recebe qualquer um que queira se divertir. Criando coisas ou desmontando coisas já criadas para entender como funcionam – e para fazer outras. É um hacker space.

A máquina de fliperama? Mora no Garoa Hacker Clube e continua em construção, pouco a pouco. Em agosto de 2007, amigos fizeram uma vaquinha de R$ 26 para Juca comprar algumas peças. Em 2008, Juca concluiu os esquemas da parte elétrica, para controlar as luzes. Recriou os desenhos do jogo eletrônico no software Inkscape, para ampliá-los para o tamanho da máquina real. Em 2009, comprou uma placa Arduíno para controlar as lâmpadas, os sensores, os displays. Imprimiu os desenhos, começou a desenhar as peças de acrílico.

Em 2010, cortou parte das peças de 
acrílico no NYC Resistor Hacker Space, 
em Nova York, e outra parte no Metalab Hacker Space em Viena, na Áustria – espaços hackers como o Garoa, mas que têm máquinas de corte a laser. Juca projetou e mandou fazer a placas de controle das lâmpadas. Instalou os fios. Decodificou um software para descobrir como funciona e está criando uma máquina a partir desse programa, toda feita com ferramentas livres, em laboratórios livres. “Não trabalho para fazer qualquer coisa que não seja livre”, afirma ele. Por que? Porque, para desvendar caixas pretas, as pessoas não podem ser proibidas de olhar dentro delas. (P.C.)

www.garoa.net.br

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