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Big oportunidades para estudar e trabalhar

Chegou a hora de associar ensino de software 
ao desenvolvimento de hardware

TextoRafael Bravo Bucco | Fotos Robson Regato

 

ARede nº 97- março/abril 2014

Na banda (ou, na nuvem) da internet das coisas, tudo poderá ser conectado e operar em rede. A criatividade não terá limite. O terreno é fértil: a infraestrutura, bem ou mal, vai se estendendo pelo país; os sensores se tornam cada vez mais baratos; placas de baixo custo como Arduino, Raspberry Pi e Go Go facilitam os desenvolvimentos. Assim, multiplicam-se as ideias, livres e compartilhadas por coletivos hackers, ou desenvolvidas por startups, pequenas empresas na área de Tecnologia da Informação (TI) que ganham força com as possibilidades de aplicativos a partir do Big Data. Tânia Regina Tronco, pesquisadora do CPqD, acredita que a era IOT abre grandes oportunidades para os jovens: “Porque é tudo baseado em software, não exige desenvolvimento de equipamentos. Muito fácil para jovens que já pertencem ou querem entrar na área”.

Nas escolas e faculdades, ainda há um salto a ser dado. Hoje, a formação é focada, prioritariamente, em softwares. “Temos de expandir o conhecimento para os dispositivos, pensar em softwares atrelados a hardwares”, diz o professor Humberto Zanetti, diretor da Etec de Itatiba (SP), escola técnica que integra o Centro Paula Souza. Para o educador, os cursos que mais se aproximam, atualmente, da formação para o mundo conectado, são os de Engenharia da Computação e Automação. Porém, embora os currículos formais ainda não estejam atualizados para a IOT, as universidades, em parceria com empresas de telecom, começam a criar alternativas.

O Centro Universitário da FEI, em São Bernardo do Campo (SP), firmou uma parceria com a Telefônica Vivo para a implantação de um centro de pesquisas de tecnologias digitais na área de telecomunicações. A proposta é incentivar projetos para a IOT, trabalhando com a plataforma aberta Firefox OS para dispositivos móveis. A operadora vai fornecer os kits de equipamentos e conceder duas bolsas de estudo integrais, uma para o mestrado e outra para o doutorado. Vão participar dos projetos também alunos de iniciação científica da graduação, nos cursos de Ciência da Computação, Engenharia de Automação e Controle e Engenharia Elétrica, que têm ênfase em Eletrônica, Computadores e Telecomunicações.

O professor Rodrigo Filev, do departamento de Ciência da Computação da FEI, e coordenador técnico do Centro de Pesquisas, explica que o objetivo do laboratório é gerar pesquisa. “Nós somos uma universidade, e universidades fazem pesquisa. A parceria não foi feita para nos tornarmos meros prestadores de serviços para a Telefônica. O que nós vamos fazer é pesquisar os desenvolvimentos sob demandas reais, colocadas pela Telefônica, e decididas em comum acordo”, diz ele.

Filev cita alguns exemplos do potencial de desenvolvimentos para a IOT que poderiam ser abrigados pelo centro de pesquisas: “No segmento automobilístico, já existem estudos na Europa sobre um aplicativo para o carro ‘falar’ com a rua. Sensores na rodovia informam o veículo se há neblina, acidente. Na área de prevenção de catástrofes, é possível fazer a prevenção de deslizamentos de terra por meio de uma rede sem fio interligando celulares e sensores implantados nas roupas dos agentes da defesa civil que trabalham no local atingido pela chuva”.

DSC 0735Engenheiro da computação envolvido, há muitos anos, com as questões de segurança digital, Filev destaca que a IOT vai propiciar excelentes oportunidades de pesquisa para desenvolver tecnologias de segurança. “As pessoas não sabem o que acontece com seu eu digital. Com a internet das coisas, o desafio, que já existe, vai aumentar”, alerta.

Outra empresa que aposta na força dos universitários para alavancar a internet das coisas é a Intel. Anunciado em outubro de 2013, o Programa Intel Donation vai fornecer, a mil universidades de todo o mundo (entre as quais, cem brasileiras), cerca de 50 mil placas Intel Galileo – que é uma placa Arduino baseada em arquitetura Intel. “Essa placa aceita programas mais complexos e já apresenta algumas features que em outros modelos o desenvolvedor precisa fazer manualmente. Permite rodar Linux e dispõe de uma biblioteca de softwares livres”, explica Rubem Saldanha, gerente de Educação da Intel Brasil.

Na primeira fase do projeto, foram selecionadas 17 universidades, em seis continentes, para desenvolver um currículo baseado na nova placa Intel Galileo. A Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) foi uma das duas instituições escolhidas na América Latina. “A ideia é reformular os conteúdos dos cursos de engenharia para que os alunos tenham mais atividades práticas, utilizando a placa que atinge velocidades de até 400MHz”, acrescenta Saldanha.

As instituições interessadas em participar do programa podem se inscrever, pelo site galileodonation.intel.com. Até o final de fevereiro, informa Saldanha, dos 200 pedidos feitos no Brasil, apenas 71 foram aprovados. As inscrições ficam abertas até julho. “As placas serão doadas exclusivamente a universidades sem fins lucrativos, sob pedidos feitos por professores”, explica Saldanha.

História de sucesso
Nascido em Janaúba, cidade do Norte de Minas Gerais que vive da agricultura e pecuária, Thalis Antunes de Souza dpa aulas de informática desde os 10 anos – isso mesmo, 10 anos! Fez um curso técnico em informática. Com uma bolsa do ProUni conseguiu seu diploma de engenheiro da computação, no final do ano passado. Ele trabalha o dia todo na prefeitura, como diretor administrativo, coordenando também o setor de TI. À noite, faz mestrado em engenharia elétrica na Universidade Federal de Minas Gerais.

Desde o tempo em que desenvolvia projetos de iniciação científica, na faculdade, Thalis se dedica ao segmento de sistemas embarcados. “Sempre com base em necessidades reais, ligadas à realidade do lugar onde eu vivo, que sofre com o problema da falta de água. Nesta região do semiárido, é comum ver o gado morrendo de sede”, conta.

Junto com um amigo, Daniel Ribeiro, Souza usou toda sua experiência e criou um dispositivo que venceu o hackaton de Internet das Coisas, realizado pela Telefônica Vivo, na Campus Party, em 2014. O sistema, baseado na placa Arduino e BeagleBone Black, utiliza a rede móvel e sensores ligados a uma pequena antena. Faz o gerenciamento do nível de água de cisternas, em tempo real. Também permite controle de temperatura e luminosidade, para monitorar se as cisternas estão em um lugar adequado e fechadas. “Tenho um colega que trabalha em uma empresa que instala as cisternas. Já foram instaladas 40 mil, mas eles têm um problema grande para saber quais precisam de água”, diz Souza.

Além do hackaton, Souza, dessa vez sozinho, também venceu uma competição da Telefónica Espanha, de projetos conceituais para uso de dispositivo M2M modular desenvolvido pela operadora. Apresentou uma solução que controla remotamente o volume de resíduos sólidos que chegam a um aterro sanitário. Pelo sistema é possível projetar a vida útil do aterro, sem precisar de um funcionário dedicado.

Os dois amigos agora estão empenhados em fazer o projeto vencedor da competição internacional sair do papel. E arregaçaram as mangas pra valer: criaram a startup Cagaita, voltada à internet das coisas. Já têm propects para os quais vão apresentar a solução de gestão de cisternas.

No hackaton da Internet das Coisas da Campus Party 2013, muitas ideias em IOT foram impulsionadas. A segunda colocada da maratona foi a solução Cidade Segura, criada por Ricardo Diogo Brochini. O aplicativo funciona à base de sensores de pressão instalados em bicicletas, para detectar arrombamento de cadeado. Sensores de umidade e luz também indicam se a bicicleta está em lugar adequado. Ícaro Ramires Costa de Souza e Yuri Silva, ambos da Bahia, ganharam o terceiro lugar com o aplicativo Fox Parking, solução de estacionamentos com sensores de luz e pressão indicando os carros estacionados. Com integração de pagamento pelo Paypal, os veículos são cobrados por minuto de estacionamento.

 

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Bote a mão na massa
O maior esforço de quem está disposto a internetar as coisas em casa será o de pesquisar e selecionar, entre a avalanche de informações disponíveis na rede, os conteúdos mais interessantes e que trazem projetos de melhor qualidade.

Aqui, três dicas de sites nos quais você encontra projetos completos – e abertos – de eletrônica, robótica, impressão 3D. A criatividade não tem limite: de uma caixa de correio que liga para o dono da casa cada vez que chega correspondência até um semáforo de três fases, ou um osciloscópio.

A grande maioria se baseia na placa Arduino, uma plataforma aberta e de baixo custo para prototipação de hardware. Além de uma controladora programável, tem uma IDE de fácil uso e linguagem parecida com C, mas bem simplificada. Com Arduino dá para controlar motores, sensores, LEDs, autofalantes e robôs, entre outros dispositivos.

> Faça com Arduino

facacomarduino.blogspot.com.br

O blog, de um engenheiro da computação brasileiro, traz diversos projetos com a placa Arduino. Em português, ensina o passo a passo de cada projeto, trazendo lista de componentes necessários, links para baixar códigos e programas, esquemas gráficos e fotos de telas de software ou das etapas de montagem. O site é repleto de popups de publicidade, o que é meio chato, mas o conteúdo vale a pena. Bem didático e diversificado. Entre outros, você encontra lá: controlador de temperatura com LDC e Cooler, motor de passo controlado por Arduino, lâmpada acesa com shield ethernet e relé, Arduino como gerador de frequência.

 

> Instructables
instructables.com

As primeiras ideias de montar o site surgiram dentro do MIT Media Lab, com a criação do  blog Zeroprestige, uma experiência de hardware de código aberto. Hoje independente das iniciativas do Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT), o site reúne comunidades que compartilham projetos de “praticamente qualquer coisa” – de bolo de chocolate a fotobiorreator hemisférico para cultivo de algas. Cada projeto é explicado em detalhes, com fotos do passo a passo e até preços das peças. Tudo em inglês (e preços em dólar). Você pode postar seu projeto e ainda participar das comunidades e fóruns.

 

> Garoa Hacker Clube
garoa.net.br

O site do hackerspace traz conteúdos e experiências colaborativas com hardware e software. No laboratório físico, que fica em São Paulo (SP), “é só chegar”… e participar das atividades. Na página da internet, é só conferir os eventos, a programação de oficinas, os acervos da biblioteca, os registros dos projetos, ou baixar ferramentas online. Entre os trabalhos disponíveis para consulta estão os já concluídos, como a impressora 3D batizada de Bolinho de Chuva, criada em 2011; os projetos em desenvolvimento, como uma bateria eletrônica para grupos musicais;  ou os projetos “órfãos”, iniciados e que podem ser adotados por quem tiver interesse, como a 
Lasersaura, uma máquina de corte a laser.

 


Arte sem amarras proprietárias

americo-avatarTá vendo os desenhos desta reportagem? 
São do Américo Gobbo, artista que usa software livre. O mundo digital das artes aplicadas (design gráfico, ilustração etc.) é dominado por softwares proprietários. Cenário que Gobbo quer transformar. “A minha opção se dá por questões filosóficas, de participação, técnicas e de vínculo comercial. O software livre é muito estável, é 
difícil lembrar quando me deixou na mão”, diz.

Gobbo se formou em Belas Artes na Itália, no final dos ano 1980. Desde então, testou diferentes plataformas, até chegar ao GNU/Linux, cujo código aberto facilita processos colaborativos e participativos de criação. “Com a justa dose de iniciativa é possível adaptá-lo perfeitamente às nossas rotinas de trabalho”, observa.

O ilustrador também adotou o código aberto em função do hardware e da compatibilidade: 
“Venho usando o Gimp e o MyPaint desde 2008, que atravessaram distribuições sem exigir mudança de equipamento”. Além disso, os arquivos gerados são compatíveis com outros programas. “Meu trabalho final pode ser aberto e manipulado em plataformas proprietárias”, diz.
 
Ele mantém um blog no qual propõe melhorias às ferramentas existentes. O Forks and Drills (forksanddrills.blogspot.com) tem posts em português e inglês, e traz soluções desenvolvidas por Gobbo. No Google Plus, ele participa da comunidade Rabisco Livre, que reúne artistas e ilustradores que usam apenas software livre. “A intenção é fomentar o uso dessas plataformas”, frisa. Quer saber mais sobre arte de Gobbo? Vá em americogobbo.com.br.