Especialistas
apontam os ingredientes fundamentais para abrir e manter centros de
acesso gratuito à internet e de mobilização comunitária. Patrícia Cornils e Verônica Couto
Como montar e sustentar um
telecentro? Se ele não for objeto de uma política pública, mantido por
recursos estatais, o melhor é que surja amparado por uma ampla
articulação de agentes sociais. É o que dizem todos os especialistas
ouvidos por ARede. A chamada sustentabilidade econômica dos projetos,
ou seja, o modelo criado para pagar suas despesas, está diretamente
relacionada à sua sustentabilidade social, conceito que traduz o grau
de inserção do telecentro nas comunidades onde está localizado.
Por isso, muita gente acredita que tem mais chances de sobreviver um
telecentro aberto por entidades que já façam trabalhos sociais
consistentes. Tradição comunitária, conselho gestor diversificado e
representativo, documentação e atividades que reflitam os interesses
locais – em síntese, são os principais elementos de sustentabilidade
social, que podem promover maiores condições para captação de recursos,
sejam eles financeiros, humanos ou na forma de conhecimentos, objetos,
insumos, capacidade de articulação. Esses pré-requisitos contribuem,
ainda, para que a administração do espaço promova atividades afinadas
com as necessidades do seu público, e desenvolva formas de coletar
dados novos sobre a comunidade.
Esse combinado de ingredientes, apontado pela maioria dos
profissionais, permite que o telecentro – lugar para acesso gratuito à
internet e mobilização comunitária – sirva de ferramenta para o
fortalecimento de programas voltados ao desenvolvimento local, ao mesmo
tempo em que esse incremento na ação coletiva contribui para sustentar
o telecentro. Situação ideal que buscam muitas entidades, prefeituras e
instituições da sociedade civil pelo Brasil afora.
“Para montar um telecentro, o ideal é buscar entidades que já tenham
atividades bem desenvolvidas, nas áreas de educação, rádio, comunicação
comunitária, ou outras que representem a sua sustentabilidade social
garantida. São entidades que identificaram necessidades junto às suas
comunidades e estão em vias de implantar projetos, inclusive de geração
de renda, que podem, efetivamente, se beneficiar da existência de um
telecentro”, avalia Beatriz Tibiriçá, a Beá, que esteve na coordenação
dos telecentros da cidade de São Paulo, na gestão do PT, e agora atua
na ONG Coletivo Digital.
Para Marie Anne Macadar, professora da UnicenP, de Curitiba, que
defendeu a tese de doutorado “Inclusão Digital no Brasil: o Processo de
Gestão de Telecentros”, na Universidade de São Paulo (USP), é muito
difícil um telecentro se sustentar sem uma entidade ativa. “Não só
porque é caro, mas também por uma questão de cultura. Sem esse apoio,
não há como explicar à comunidade como um telecentro pode ajudar as
pessoas, o que ele é. Ou seja, torna-se difícil fazer a mobilização
para usar o acesso à internet num universo em que esse acesso ainda não
existe”, avalia.
Ela cita como caso de sucesso a Vila Pinto, em Porto Alegre, conhecida
pelo pioneirismo na reciclagem de lixo, onde a comunidade solicitou à
prefeitura um telecentro; ou as experiências associadas a rádios
comunitárias. “Essa união costuma dar muito certo”, afirma. Entre
outras razões, por assegurar um canal de divulgação para o projeto.
“Deve-se buscar ações com a mídia local – rádios comunitárias ou de
poste, fanzines, descobrir serviços que possam ser oferecidos. Isso é
básico para moblizar recursos”, destaca Beá.
Rádios-telecentros já estão sendo montados pela Cemina-Comunicação,
Educação e Informação em Gênero. De acordo com Silvana Lemos,
coordenadora do projeto na ONG, é fundamental contar com uma liderança
local, capaz de fazer a interlocução com a comunidade e buscar novos
apoiadores – no caso da Cemina, as radialistas chamadas cyberelas.
“Quanto mais híbrido for o telecentro e o conselho gestor, com vários
parceiros, melhor. Os telecentros da Cemina são Estações Digital do
Banco do Brasil, apoiados pelo Ministério do Planejamento, com conexões
do Gesac e recursos da Fundação Kellog. Uma rede de parceiros é vital,
porque a manutenção de um telecentro é cara e difícil”, adverte.
Conselho gestor
Debater a importância do conselho gestor na comunidade ajuda a
referendar a iniciativa em outros setores da sociedade – prefeituras,
sindicatos, associações, igrejas. “Trazê-los para o conselho amplia a
divulgação do trabalho, estimula a troca de serviços, fortalece a
sustentabilidade sociocultural. Do contrário, vira ‘o negócio do
sindicato’, ‘o negócio do pessoal do rádio’, e perde a
representatividade. O conselho deve participar da resolução de
problemas, fiscalizar e criticar”, explica Silvana. No Paraná, Márcia
Shüller, diretora de desenvolvimento da Celepar, companhia de
processamento de dados do estado, diz que todos os telecentros
têm conselhos gestores formados por pessoas da comunidade e dos
apoiadores, em igual número.
Com eleições, em geral anuais ou bienais, outra função do conselho
gestor é estabelecer as regras (ou a ausência delas) e delegar
responsabilidades. Nesse sentido, Beá recomenda que o responsável pelo
projeto mantenha um diálogo permanente, para saber o que a comunidade
quer. Isso vale para discutir os horários e as prioridades no uso das
máquinas – para navegação livre ou para cursos –, as penalidades para
o desrespeito às normas, as políticas para sites de chat ou jogos, a
programação de atividade dos telecentros, os temas das oficinas. “Tudo
isso a comunidade tem que decidir ou delegar a integrantes do
conselho”, afirma.
Na maioria das vezes, há uma programação básica, de iniciação à
informática, a que se somam, de acordo com as características locais,
oficinas de artesanato, comunicação comunitária, manutenção de micros,
criação de sites, html, inserção no mercado de trabalho, como fazer
currículo, entre outras. Ou ações de educação ambiental e pesquisas
sobre a região, como aconteceu no telecentro de Perus, em São Paulo.
“Levantar os problemas e documentar a cultura local, usando a rede,
mobiliza as pessoas em torno do que elas precisam. Especialmente em
lugares onde a presença pública, às vezes, é nenhuma”, diz Beá. Esse
envolvimento faz com que o telecentro sirva para a organização de
cooperativas ou de outras formas de gerar renda, associado a arranjos
produtivos.
Anotar e registrar tudo o que acontece no telecentro permite replicar a
experiência e usar os dados como ferramenta adicional para captação de
recursos. Ou seja, ter o perfil socioeconômico dos freqüentadores, o
registro das atividades desenvolvidas, que tipo de coisas os usuários
preferem fazer na máquina. “Por exemplo, para mostrar às empresas
interessadas que queiram apoiar o projeto a quem o telecentro atende,
se ele tem vocação cultural, os benefícios que está produzindo”,
destaca Beá. A documentação serve, ainda, para identificar os erros e
para orientar a oferta de cursos.
Cobrar ou não cobrar?
Para controlar as despesas e avaliar a real viabilidade de abrir um
telecentro, deve-se montar uma planilha de custos. O coordenador de
inclusão digital do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
(ITI), Edgard Piccino, estima R$ 150 mil para montar e manter um
telecentro por um ano (conta que não se aplica a todos os projetos).
Segundo ele, o investimento se distribui, normalmente, em 30% para as
aquisições (micros, mobiliários, rede, etc.) e 70% para custeio
(capacitação, recursos humanos, luz, telefone, conexão, água). Esse
valor considera o uso de máquinas novas, um bom servidor, salário de R$
570,00 para três monitores.
Não é pouco. Razão por que, embora a proposta inclusão digital
pressuponha acesso gratuito à web, muitas entidades cobram por outros
serviços para garantir a sua sobrevivência. É o caso, entre outros, do
Comitê para a Democratização da Informática (CDI). “O princípio da
gratuidade é bacana, porque, ao cobrar, você exclui quem não pode
pagar. Mas tem a questão da sustentabilidade da instituição, que, às
vezes, não tem dinheiro nem para pagar a conta de luz, apesar de
apresentar um grande potencial de mobilização”, afirma Raquel Quintino,
coordenadora de projetos da ONG.
Por isso, diz ela, as Escolas de Informática e Cidadania (EICs) da
entidade cobram mensalidade de até R$ 15,00 em troca de cursos de
informática básica. “Quem paga tem direito de freqüentar as aulas”.
Raquel acredita também que, com a gratuidade, nem sempre o usuário se
sente responsável pelo espaço. “O pagamento gera co-responsabilidade”,
argumenta, embora admita que, mesmo assim, a mensalidade pode gerar
inadimplência e evasão. “Pode não resolver a sustentabilidade, mas não
escamoteia o problema”, justifica.
A equação não é simples. De um lado, está a política pública, com todos
os serviços de graça. De outro, o limite é a lan house ou o cibercafé e
o birô de impressão, em que tudo é pago. “Entre um e outro extremo, há
um espectro imenso de possibilidades – cobrar a impressão, pelo uso,
cobrar uma mensalidade dos associados. Mas nem todas podem ser chamadas
de inclusão digital. Se for cobrar R$ 10,00 o acesso, numa região com
renda média de dois salários mínimos, isso não é inclusão digital”,
avalia Ricardo Kobashi, coordenador técnico do programa estadual Acessa
São Paulo.
Modos de faturar
Em Porto Alegre, a prefeitura permite às entidades gestoras dos
telecentros a cobrança da impressão – de R$ 0,25 a R$ 0,50 por página.
Francisco Blanco, coordenador de inclusão digital e acesso à tecnologia
da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Segurança Urbana, calcula
em R$ 1,38 mil por mês os gastos fixos mínimos de cada unidade (R$ 1
mil com dois monitores, e R$ 300,00 pela conexão, sem contar manutenção
e suprimentos). Na Ilha do Mel (PR), conta Beá, o telecentro dá acesso
gratuito para os moradores, e cobra do turista. E a sua equipe passou a
desenvolver sites para as pousadas locais, de forma remunerada.
Em Nazaré da Mata (PE), Silvana, da Cemina, lembra que o pessoal da
rádio-telecentro está dando um curso de informática para funcionários
do Tribunal de Justiça. E ganhando por isso. Em Pintadas (BA), o
prefeito assumiu o salário da cyberela; e uma cooperativa rural, o do
monitor, de cerca de R$ 300,00. Já em Campestre (AL), ao contrário, diz
ela, a prefeitura usa toda a estrutura do telecentro e não contribui
com nada. “Uma das dificuldades, comum à maioria dos brasileiros, é
valorizar nossos serviços”, acredita. Na entidade, um dos itens mais
detalhados da capacitação envolve a elaboração de planos de negócios.
Atualmente, cada rádio-telecentro tem receita mensal média de R$
650,00, para despesas de R$ 1 mil. Sem incluir o pagamento dos
monitores, que, durante seis meses, fica a cargo da Fundação Banco do
Brasil. Silvana recomenda, ainda, que se reserve, por mês, R$ 200,00
para suprimentos e cerca de R$ 50,00 para manutenção. “Mas, se quebrar
um disco rígido, lá se vão mais R$ 300,00”. Para ajudar a sustentar
seus 13 rádio-telecentros em operação, a ONG está lançando a campanha
“Adote uma Cyberela”, para recolher doações.
Recursos públicos
Entidades, sindicatos, rádios comunitárias, prefeituras ou outros
interessados em abrir telecentros devem tentar, sempre que possível,
recursos de programas oficiais – as redes dos governos estaduais (o
Paraná, por meio da Celepar, está aberto a discutir caso a caso com
prefeituras e entidades do estado), o Gesac, do Ministério das
Comunicações (para a conexão à internet), a Secretaria da Pesca (em
comunidades de pescadores), o Banco do Brasil (que mantém uma ampla
rede no país), as unidades Casa Brasil, para compartilhar recursos com
esses centros mais estruturados (saiba mais).
“Nunca vi uma experiência montada exclusivamente com recursos internos
da comunidade”, diz Luiz Antônio Carvalho, consultor da Rede de
Informações para o Terceiro Setor (Rits). Na sua opinião, “é improvável
que uma iniciativa em área carente, sem o poder público, vá para
frente. Porque há demandas permanentes por infra-estrutura e
tecnologia”.
Em Porto Alegre, os 24 telecentros que haviam sido fechados na mudança
de governo foram reabertos e o programa ganhou um orçamento de R$ 560
mil, até julho de 2006. Os recursos vêm da Secretaria Nacional de
Segurança Pública, vinculada ao Ministério da Justiça, porque o projeto
foi qualificado como uma ação de prevenção à violência, explica Blanco.
Na opinião de Rodrigo Assumpção, coordenador de inclusão digital da
Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação, do Ministério do
Planejamento, “o mais importante é saber como ter projetos de
desenvolvimento local, uma questão que deve estar na fase do
planejamento. Telecentro que só fica trabalhando com curso de
informática não serve para nada”.