Capa – Cooperativas dão novo rumo a jovens carentes

Entidades comunitárias com foco em tecnologia para a inclusão social formam jovens em informática, e os incentivam a criar cooperativas de serviços para o mercado. São Paulo e Rio já presenciam geração de empregos e renda para centenas de famílias.


Entidades comunitárias com foco
em tecnologia para a inclusão social formam jovens em informática, e os
incentivam a criar cooperativas de serviços para o mercado. São Paulo e
Rio já presenciam geração de empregos e renda para centenas de famílias.

Patrícia Cornils


A reciclagem deu impulso à
Cooperjovem, que hoje também
presta serviços de informática.
 
Quem ouve Noel Rosa sabe que existe Vila Isabel, o bairro que pode ser
traduzido como a alma musical do Rio de Janeiro. Quem nunca ouviu,
deveria. Motivo: aprender sobre samba, Brasil e, no caso desta matéria,
ter uma pista de onde fica o Morro dos Macacos, que começa nas
imediações do Maracanã e corre ao longo de toda Vila Isabel. Em 2003,
jovens do Morro dos Macacos, onde vivem cerca de 40 mil pessoas,
criaram uma cooperativa de serviços de informática. Recém-formados em
cursos de capacitação da Escola de Informática e Cidadania (EIC),
pertencente ao Centro Comunitário Lídia dos Santos (Ceaca), eles foram
à luta para fugir do destino sem renda que acomete a maior parte da
comunidade. Ou seja, 59,1% da população economicamente ativa do morro,
segundo pesquisa realizada com recursos da Comunidade Européia em 2001.

Dois anos depois de formada, com 26 sócio-constituintes, a Dinamicoop –
Cooperativa de Prestação de Serviços em Informática, Artes Gráficas e
Consultoria -, está se aprumando: chega ao início de 2006 com 53
cooperados inscritos e credenciados, uma rede de dezenas de parceiros e
clientes e um faturamento de R$ 2 mil em dezembro. A previsão de
receita para janeiro de 2006 é de R$ 8 mil. Não foi um processo rápido,
nem fácil. Formada em 2003, a cooperativa começou a funcionar apenas em
novembro de 2004. Foram necessários 15 meses para legalizar a
instituição e essa dificuldade desarticulou o grupo inicial, de 48
pessoas.

Um dos problemas enfrentados foi a falta de dinheiro para cumprir todas
as exigências burocráticas. “Custou R$ 3,50 para autenticar cada folha
do estatuto, que tinha um total de 14. Isso é muito dinheiro para quem
começou sem nenhum tostão”, explica Leandro Farias, 25 anos, um dos
fundadores da Dinamicoop. Leandro foi aluno da primeira turma de
informática do centro comunitário, em 1995. Moleque, um dia descia o
morro para jogar bola e ouviu o anúncio do curso na rádio comunitária.
Se envolveu com tecnologia e nunca mais parou.

Sua perseverança foi providencial para a cooperativa: a documentação da
Dinamicoop voltou três vezes, uma delas porque o endereço na ata de
formação era diferente do que constava no estatuto. Outra, porque uma
contadora, finalmente contratada por R$ 200,00 para dar seguimento aos
papéis, errou uma letra no cadastro online da Receita Federal. Demorou,
mas eles conseguiram. “Hoje temos alvará, inscrição municipal, CNPJ. Um
luxo!”, comemora.

Modelo de negócio

Já a Cooperjovem, criada em fevereiro de 2005 em São Mateus, zona leste
de São Paulo, foi mais feliz nesse quesito: levou cerca de dois meses
para construir o estatuto e mais 40 dias para formalizar a cooperativa.
Seu processo foi mais ágil porque contou com a assessoria da Associação
Nacional de Trabalhadores e Empresas de Auto Gestão (veja o quadro
“Assessoria especializada”). As duas cooperativas, formadas em
comunidades de baixa renda, têm perfis semelhantes. A Dinamicoop
começou a nascer dentro do Ceaca, onde cerca de 4 mil pessoas fizeram,
desde 1995, cursos básicos de informática oferecidos voluntariamente
pelo Comitê de Democratização da Informática (CDI). A Cooperjovem, por
sua vez, foi criada por ex-alunos do Centro de Profissionalização de
Adolescentes Padre Bello (CPA), que também buscavam alternativas de
trabalho depois de participarem dos cursos de formação oferecidos pela
entidade. Cerca de 30% da população entre 18 e 24 anos da Grande São
Paulo não têm emprego, segundo dados de julho do IBGE.

Quando começou, a Cooperjovem gerava renda para sete pessoas. Outros
nove cooperados recebiam uma bolsa de R$ 80,00 da Associação Caminhando
Juntos (ACJ), para participar de cursos e se capacitar a prestar os
serviços que a cooperativa oferece. Hoje, a cooperativa paga
diretamente um salário mínimo mensal para 15 jovens, além de ter criado
fundos de reserva, assistência técnica, educacional e social. Seu
faturamento médio, nos últimos meses, foi de cerca de R$ 7 mil por mês.
Ao contrário da Dinamicoop, que já nasceu focada na prestação de
serviços, a primeira fonte de renda da Cooperjovem foi a reciclagem e a
venda de computadores usados e de infra-estrutura de redes de
computadores. Isso porque seu impulso inicial foi a doação de um
caminhão de equipamentos da agência de notícias Reuters, em dezembro de
2004.

Carreira solo


O conhecimento adquirido em projetos de inclusão não cria oportunidades
apenas para quem se organiza em cooperativas. Cleber de Jesus Santos
(foto), que se tornou desenvolvedor depois de realizar cursos de
informática e trabalhar como monitor dos telecentros de São Paulo, é um
exemplo de alguém que se “formou” nesses projetos (veja entrevista). Cleber trabalha na Zoping, empresa que desenvolve
websites, sistemas em plataformas abertas e faz hospedagem. Na Zoping,
ele ganha cerca de R$ 700,00 por mês e tem espaço para realizar seus
projetos pessoais – está concluindo o desenvolvimento de uma
distribuição de software livre para servidores de empresas e uma
educativa, para crianças. “Consegui trabalhar profissionalmente no que
gosto e isso é uma grande sorte”, diz ele. André Barboza Garrão já
trabalhava com informática, quando decidiu se inscrever em um curso de
introdução a Linux realizado pelo MetaReciclagem na prefeitura de Santo
André. Ali, também aprendeu noções de empreendedorismo e decidiu abrir
uma loja de informática. A idéia inicial era vender máquinas
recicladas, mas a demanda maior, no local onde a loja está, é por
navegação. A InforMeta hoje funciona como lan house, vende equipamentos
e dá manutenção e suporte a usuários. Gera renda para André e mais duas
pessoas.


Encontrar um local para armazenar, realizar a triagem, desmontar e
reciclar os computadores foi o primeiro desafio da Cooperjovem, mas
foram esses equipamentos que geraram recursos para a cooperativa se
estruturar. As máquinas recicladas foram vendidas ou doadas, e a
receita foi suficiente para pagar um empréstimo feito junto à Central
da Juventude do CPA (R$ 600,00, em duas parcelas); outro do Acredito em
Você, projeto de pequenos empréstimos para empreendimentos da região de
São Mateus (R$ 1,8 mil, divididos entre os sócios em partes
igualitárias e pago em dez meses, entre outras coisas para a aquisição
de ferramentas) e outro do CPA, de R$ 2 mil, usado para a adequação do
galpão, o pagamento do carreto, alimentação, transporte e as primeiras
peças de reposição dos equipamentos que foram vendidos. “Conseguimos
fazer um grande trabalho de inclusão digital na região de São Mateus,
onde famílias conseguiram comprar o seu primeiro computador com preços
a partir de R$ 300,00”, afirma Rodolfo Avelino, coordenador da
Cooperjovem.

A prestação de serviços é a área aonde os lucros são mais altos e o
pós-venda é mais baixo, explica Rodolfo. Os profissionais da Dinamicoop
sabiam disso desde o início. Seu primeiro cliente foi a Fundação Carlos
Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj), que
contratou a cooperativa para dar aulas de introdução à informática a
seus funcionários. A cooperativa oferecia, desde sua formação, cursos
de webdesign, montagem e administração de redes, montagem e manutenção
de micros, treinamento nos programas do pacote Office, da Microsoft. Ao
longo do tempo, buscou parcerias para ampliar o leque de serviços e
hoje faz manutenção de micros e impressoras, além de prestar
consultoria nas áreas de contabilidade, informática, recursos humanos e
administração para projetos sociais. Na Cooperjovem, o portifólio
inclui criação e design de páginas e portais, suporte técnico em
informática , capacitação básica em software livre (ambiente de
trabalho e pacote Open Office).


A Dinamicoop vai trabalhar com Afro Reggae, no Rio.

Dificuldades

O modelo de venda de máquinas recicladas e baratas a fim de gerar
receita para manter um telecentro foi adotado também na comunidade de
Sacadura Cabral, em Santo André, São Paulo, com o apoio de
participantes do movimento MetaReciclagem. Mas a iniciativa não foi
adiante e as dificuldades enumeradas pelos participantes demonstram que
não é simples colocar um empreendimento em pé. Os organizadores não
conseguiram formar uma empresa para receber as receitas geradas pelo
pequeno empreendimento. A expectativa do grupo era conseguir um
patrocínio público para dar fôlego ao projeto, mas, sem ter os papéis
em dia, não conseguiram participar dos editais.

Conseguiram um servidor emprestado para trabalhar com os thin clients,
mas tiveram dificuldade para colocar a rede Linux no ar. Então formaram
uma rede Windows, usada por algum tempo pelas crianças da comunidade.
“Como não conseguimos encontrar alguém para dar um melhor conteúdo às
crianças, nem para tomar conta do local, tiramos a rede do ar”, diz
Antônio Bento Edson Dias Ferreira, morador da comunidade e um dos
participantes da iniciativa. Conforme as dificuldades foram surgindo,
as pessoas se dispersaram, em busca de empregos para se manter. E as
coisas foram ficando ainda mais lentas, explica Antônio. “Estamos
tentando invadir uma cultura que não é nossa e às vezes perdemos o
rumo”, constata. No caso, além de obter  cultura de organização e
conhecimentos tecnológicos, o desafio é aprender a colaborar. “Somos
educados para trabalhar individualmente”, explica Luigi Verardo,
técnico da Anteag, que dá cursos de auto-gestão e cooperativismo.

Para Rodolfo, da Cooperjovem, um dos maiores desafios é superar a
lacuna gerada pela falta de educação formal dos jovens – que têm
dificuldade de se comunicar fora de seu mundo, por exemplo, para
redigir propostas comerciais, negociar com clientes, discutir
estratégias para o empreendimento. “Os jovens não têm experiência
anterior de trabalho e isso também é um dificultador”, diz ele.
“Esperam que algumas demandas sejam delegadas, senão, não tomam
iniciativas”, constata.

A formação dos cooperados é uma preocupação constante na Dinamicoop,
que conseguiu bolsas integrais para cursos técnicos no Colégio Graham
Bell e na Universidade Bennett. A Cooperjovem organizou um curso básico
de Português, redação e atendimento, com recursos do instituto Hedging
Griffo, para melhorar a comunicação dos cooperados. As parcerias são
vitais para as cooperativas, tanto para a formação continuada dos
jovens quanto para a venda de serviços: organizações não-governamentais
comprometidas com a inclusão social estão entre os principais clientes
de ambas as cooperativas.

O software livre faz parte da vida da Cooperjovem desde a sua formação,
porque a cooperativa avaliou que seu grande diferencial seria a
qualidade e o conhecimento tecnológico. “Com a utilização do software
livre, podemos adequar nossos serviços ao perfil e às necessidades dos
clientes”, diz Rodolfo. Além disso, reforça ele, o conhecimento
aplicado no desenvolvimento dos softwares livres fica à disposição dos
jovens nas redes de colaboração. Na Dinamicoop, que teve como origem a
experiência de seus criadores na capacitação para o uso de ferramentas
da Microsoft, a constatação de que economia solidária e cooperativismo
rimam com ferramentas abertas veio com o tempo.

Em janeiro de 2005, migraram os 14 computadores do T@í.com (Todos
Acessando a Internet na Comunidade), centro comunitário de acesso do
Morro dos Macacos, para Linux. O centro foi, na verdade, o primeiro
empreendimento social no qual se envolveram formadores da Dinamicoop:
há quatro anos, provê acesso em banda larga a R$ 1,00 por hora a cerca
de 300 usuários por mês. A renda é suficiente para manter o telecentro
e pagar dois monitores que cuidam de seu funcionamento de segunda a
sábado, de nove da manhã às oito da noite. Com Linux, a operação do
telecentro fica mais barata: conseguem usar computadores Pentium 100,
com 32 de RAM, para prestar serviços de acesso.

O ano de 2005 foi de estruturação para as duas cooperativas. Ambas
mudaram de sede no segundo semestre: a Dinamicoop agora tem um andar
inteiro na sede da associação kardecista Colina da Fraternidade, da
União dos Discípulos de Jesus. E a Cooperjovem paga aluguel de R$
600,00 em São Mateus. “Nossa grande aquisição na nova sede é um
laboratório, onde ministramos os cursos de qualificação em suporte
técnico em informática, redes de computadores e Linux”, diz Rodolfo. A
cooperativa considera como a maior conquista de 2005 as parcerias
realizadas com o instituto Hedging Griffo, a The Source Consultoria, e
a Anteag. Com essa última, a Cooperjovem participou de um projeto com o
BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) na inclusão digital de
aproximadamente 15 empreendimentos autogestionários.

A Dinamicoop incorporou um representante comercial para oferecer seus
serviços a um leque maior de clientes. Vai iniciar o ano com um grande
trabalho com a ONG Afro Reggae, em Parada de Lucas, zona norte do Rio
de Janeiro. Com a HP e o Instituto Credicard, o Afro Reggae construiu
um Centro de Inteligência Coletiva, onde vão oferecer cursos de
informática em software livre – além de princípios de cooperativismo e
formação cidadã, para que a capacitação gere novas iniciativas de
geração de trabalho e renda, baseados em economia solidária. A maior
conquista da cooperativa, de acordo com Leandro, é ser reconhecida como
uma entidade que realiza inclusão social, não apenas na sua região, mas
por outras comunidades. “Onde a gente chega, com nosso espírito
empreendedor, e conta o que conseguiu com nosso trabalho, as pessoas
querem criar núcleos da cooperativa”, diz ele. Trabalhar perto de casa,
poder se desenvolver dentro da comunidade é outra coisa fundamental,
acrescenta, porque cria uma referência boa para os demais jovens do
local. O Morro dos Macacos, ao longo de Vila Isabel.


Assessoria especializada

A ajuda de entidades especialistas em economia solidária e
cooperativismo é fundamental para constituir um empreendimento social.
A Dinamicoop, por exemplo, está na Incubadora Tecnológica de
Cooperativas Populares (ITCP) da Coppe (Coordenação dos Programas de
Pós-Graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
A ITCP faz parte da Rede Universitária de Incubadoras de Cooperativas
Populares, que está em 20 estados e atua na formação, legalização e
inserção das cooperativas no mercado. Em fevereiro, a ITCP vai
assessorar a implantação de incubadores nas prefeituras de Osasco e
Santo André, em São Paulo. Já a Cooperjovem recebeu assessoria da
Associação Nacional dos Trabalhadores e Empresas de Autogestão
(Anteag), que reúne 312 empresas auto-gestionadas – desde pequenas
cooperativas com cinco pessoas até empresas com 1,5 mil funcionários. A
entidade também presta assessoria jurídica e dá cursos. Ensina, por
exemplo, alternativas para a captação de recursos. Ambas têm portais na
internet. No da ITCP, há um passo-a-passo para a formação e legalização
de cooperativas.


www.cooperativismopopular.ufrj.br


www.anteag.org.br