Lia Ribeiro Dias
ARede nº50, agosto 2009 –Todo mundo sabia que não seria fácil conduzir o processo de realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) porque nunca houve, no país, um debate público e plural sobre o setor de comunicação social. Mas também não se esperava uma posição tão intransigente dos radiodifusores e dos donos de jornais e revistas. No início de agosto, em reunião com os ministros Hélio Costa, das Comunicações, e presidente da Conferência, Franklin Martins, da Comunicação Social, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral, eles praticamente anunciaram sua saída da comissão organizadora. É um desfalque importante, uma vez que a participação das entidades empresariais ficará reduzida à Telebrasil (setor de telecomunicações) e à Abra (uma dissidência da Abert que reúne a Bandeirantes e a Rede TV!). Mas não vai comprometer a realização da Conferência que, garante o governo, acontecerá nos dias 1º a 3 de dezembro, em Brasília.
Com 37 membros efetivos, a comissão organizadora (Veja a página 14) é formada por representantes do governo, do empresariado e da sociedade civil. Desde o início dos trabalhos, com a discussão do regimento, houve polarização das posições entre os representantes das entidades empresariais e os da sociedade civil. Uma polarização natural, como lembra Marcelo Bechara, consultor jurídico do Ministério das Comunicações e coordenador executivo da comissão, tendo em vista as posições conflitantes. E experiências muito distintas. Enquanto as entidades da sociedade civil têm experiência de outras conferências e se organizaram para garantir que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocasse a de comunicação, os representantes das entidades empresariais não viveram anteriormente esse processo. E temiam, também considerado natural por Bechara, não conseguir garantir sua representatividade nos debates.
Os empresários exigiram do governo o estabelecimento de um voto qualificado. Isso quer dizer que os segmentos que participam da conferência vão ter pesos definidos nas votações. O governo, 20%; os empresários, 40%; e a sociedade civil, 40%. Os empresários fizeram essa exigência porque temiam ser minoria nas deliberações. Mas esse percentual só vale se o que estiver em votação interferir na ordem econômica das empresas. O governo cedeu. Mas a concessão não foi suficiente para acalmar os ânimos dos representantes da Abert (associação dos radiodifusores, com grande peso das Organizações Globo), que capitaneou o processo; da ANJ (jornais), da Aner (revistas), da ABJI (jornais do interior), da Abranet (provedores de internet) e da ABTA (TV por assinatura). Na verdade, de acordo com integrantes da comissão, esses setores não queriam mesmo participar da Conferência.
As razões dessa postura dos empresários da mídia não são difíceis de entender. Eles nunca enfrentaram esse debate, e preferem que ele não ocorra, para manter o status quo. Já a sociedade civil cobra um debate do marco regulatório que vigora hoje, da falta de regulamentação de artigos constitucionais, especialmente no que se refere à radiodifusão, e quer ampliar o espaço dos canais não comerciais. Para ficar em um só exemplo, há anos a CUT luta por um canal e não consegue. Em entrevista na página 18, o estudioso de comunicação Marcos Dantas fala das razões da não existência desse debate no Brasil, apesar de sua importância fundamental.
Para evitar o debate, os representantes das entidades empresariais quiseram que o temário da Conferência se restringisse ao futuro. Na opinião deles, o futuro é a internet. E eles argumentam que esse foi o foco do tema da Conferência, em sua convocação pela Presidência da República: “Comunicação – meios para a construção de direitos e de cidadania digital”. A restrição da pauta não foi aceita pelas entidades da sociedade civil. “Não se pode ignorar que a Conferência deve partir do modelo institucional atual, incluindo a Constituição Federal, leis e outras normas. No entanto, como espaço de avaliação e proposição de ações do poder público em uma determinada área, suas resoluções podem, inclusive, apontar para a mudança das estruturas ou do ambiente normativo existente”, escreveu o jornalista Jonas Valente, representante do Coletivo Intervozes na comissão de coordenação. Também o governo não aceitou a imposição de vetos a determinados temas. “Este caldeirão (o das concessões) vai ter de ser destampado”, teria dito o ministro Franklin Martins na reunião com os empresários, segundo o relato de um deles.
A pauta dos empresários para a Conferência, de acordo com documento que encaminharam ao governo, incluía a defesa do conteúdo nacional, a proteção dos serviços e outorgas frente à turbulência tecnológica da convergência das mídias, a defesa intransigente das práticas da legalidade, o respeito e a valorização das empresas brasileiras de comunicação escrita e de radiodifusão, o livre exercício da atividade de comunicação e informação e a mínima interferência estatal. Mesmo que os empresários da mídia fiquem fora da Conferência – o governo fez uma última tentativa, dando-lhes mais uma semana de prazo, até o dia 13 de agosto, para rever sua posição –, alguns dos pontos de sua pauta certamente frequentarão os debates, como o da defesa do conteúdo nacional.
Mais do que os embates no interior da comissão organizadora, o que acabou atrasando a aprovação do regimento interno, as maiores dificuldades enfrentadas para a realização da Conferência, na avaliação de Bechara, são o prazo exíguo – sete meses entre a convocação e sua realização – para o cumprimento de todas as etapas e a falta de recursos, pois o contigenciamento reduziu os R$ 8,5 milhões previstos para R$ 1,6 milhão. Se não há nada a fazer quanto ao prazo – o adiamento foi descartado por representantes do governo –, Bechara estimava que até o final de agosto o dinheiro do orçamento inicial estaria liberado.
Grandes debates públicos
Comissão organizadora
A Comissão Organizadora da Conferência de Comunicação foi designada pelo Ministério das Comunicações. Tem representantes do governo e da sociedade civil.
Os representantes do poder público são: Casa Civil da Presidência da República, Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério das Comunicações, Ministério da Cultura, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Secretaria-Geral da Presidência da República, Senado Federal e Câmara dos Deputados.
Os representantes da sociedade civil são:
Associação Brasileira das Emissoras Públicas (Abepec)
Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCOM)
Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert)
Associação Brasileira de Provedores Internet (Abranet)
Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço)
Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra)
Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil).
Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA)
Associação dos Jornais e Revistas do Interior do Brasil (Adjori Brasil)
Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner)
Associação Nacional de Jornais (ANJ)
Central Única dos Trabalhadores (CUT)
Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert)
Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)
Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC)
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Veja neste link os nomes das pessoas que representam cada uma dessas instituições: www.telesintese.ig.com.br/index.php?option=content&task=view&id=12