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Vias para o desenvolvimento

Diversos estudos mostram que a relação direta entre
banda larga e expansão do Produto Interno Bruto de
um país. Por isso, todas as nações, desenvolvidas ou
em desenvolvimento, estão investindo em universalizar
suas redes de alta velocidade. No Brasil, o governo
dispara um plano para levar a banda larga a preços
populares para todo o território nacional. A participação
dos estados nessa estratégia é fundamental.



Governo dispara um plano para levar internet em alta velocidade e a preços populares a todo o território nacional
Lia Ribeiro e Patrícia Cornils

ARede nº56,marco de 2010 – Por que a Banda Larga é estratégica para o desenvolvimento de um país? Existem diversos estudos realizados mundo afora, por entidades internacionais e universidades, que mostram uma íntima relação entre os investimentos em comunicações, em especial em banda larga, e a expansão do Produto Interno Bruto de um país.

É consenso mundial que a banda larga – essa estrada de alta velocidade para acesso à internet e ao ativo mais valioso da atualidade, a informação – é essencial para o aumento da produtividade das empresas, do nível de emprego, para a universalização de programas sociais nas áreas de educação, saúde e segurança, para a redução das desigualdades e para a qualificação das novas gerações.

Não é por outro motivo que todos os países, desenvolvidos e em desenvolvimento, estão investindo em universalizar as redes de banda larga. A Coréia foi pioneira: iniciou seu programa nos anos 1990 e hoje tem 72,75% da população conectada à banda larga, em  velocidade média de 50 Mbps. Também a União Européia recomendou aos países-membros dar prioridade à banda larga. Vários já iniciaram seus programas. Os Estados Unidos devem aprovar, agora em março, um plano encomendado à Federal Communications Comission (FCC), o órgão regulador de lá. Com investimento estimado em US$ 350 bilhões, em dez anos, o plano estadunidense prevê que, em 2020, 100 milhões de domicílios estejam conectados à internet a 100 Mbps. Hoje, um terço da população dos EUA, de acordo com a FCC, não tem acesso à banda larga.

É nesse cenário que o governo brasileiro prepara o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), cujas diretrizes devem ser aprovadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em reunião prevista para o final deste mês ou início de abril. Na visão de Samuel Pinheiro Guimarães, ministro-chefe da Secretaria de Assunto Estratégicos, um dos ministérios que participa da formulação do plano, o PNBL é estratégico para o combate às disparidades sociais e econômicas, principalmente no aspecto de acesso à informação. Além disso, o ministro observa que a banda larga gera uma mudança positiva na estrutura produtiva, aumenta a eficiência do Estado e leva os serviços do governo a toda a população. “O PNBL é um passo grande e importante para enfrentarmos todos os desafios que temos pela frente”, acredita Guimarães.

O PNBL não pretende se limitar a oferecer acesso de qualidade à internet, com boa velocidade e a preços que o cidadão brasileiro possa pagar. Cezar Alvarez, assessor especial da Presidência da República e coordenador do plano, lembra que a questão envolve um conjunto de medidas de desoneração fiscal e tributária (para baratear os equipamentos e serviços), de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e, muito especialmente, ao desenvolvimento de aplicações de governo eletrônico e de conteúdo cultural. Para Alvarez, a banda larga é o capital essencial para o Brasil transitar na Sociedade da Informação: “A banda larga é, por excelência, a infraestrutura de comunicações do amanhã.”

O plano, que tão logo tenha as diretrizes gerais aprovadas será discutido com todos os segmentos envolvidos e também com estados e associações de municípios, é fundamental para fazer avançar a banda larga no Brasil – que ainda é cara, de baixa velocidade e não chega a toda população.

O país tinha, em dezembro de 2009, 12 milhões de acessos em banda larga fixos e 7 milhões móveis, com uma taxa de penetração de 9,9% (6,2% se forem considerados só os acessos fixos). No México, a penetração da banda larga fixa é de 8,2%. Apenas pelo crescimento natural do mercado, a estimativa é de que o Brasil chegue a 2014 com 18,3 milhões de acessos fixos, em um total de 55 milhões de conexões. Para que esse número se amplie, concordam governo e operadoras, são necessárias políticas públicas que contemplem medidas de estímulo ao investimento privado, de redução dos preços e de incentivo à competição entre prestadores de serviços.

Com o PNBL, o governo também pretende ampliar os domicílios com acesso. A meta é ter mais 20 milhões de domicílios conectados (além dos que serão atendidos pela dinâmica normal do mercado) até 2014. Hoje há uma demanda represada. Há famílias que têm computador em casa mas não têm banda larga. De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 (PNAD), do IBGE, 31% dos domicílios tinham computador (17,95 milhões), mas só 13,7 milhões estavam conectados – ou seja, 4,25 milhões tinham computador mas nenhum acesso à internet.

Essas famílias não usam a banda larga porque o acesso é caro. No estado de São Paulo, quem já tem uma linha fixa em casa precisa pagar R$ 54,90 por um acesso banda larga de 1 Mbps. Na região da Oi, que atua em todo o país, à exceção de São Paulo, os preços variam. Em algumas capitais, a operadora oferece o serviço de 1 Mbps a R$ 49,90, mas na maioria das cidades o serviço custa
R$ 109,90. Valores que só podem ser suportados pelas classes A e B. Para a classe C, que já representa mais da metade da população, o serviço é praticamente proibitivo.

Para atender a população mais pobre, o Conselho dos Secretários de Fazenda (Confaz) aprovou a isenção do ICMS – o principal imposto sobre os serviços de telecomunicações – para banda larga oferecida por até R$ 30,00 por mês (com modem e instalação incluídos), na velocidade entre 200 kbps e 1 Mbps. As alíquotas do ICMS variam de estado a estado, de 25% a 35%.

Por enquanto, só Distrito Federal, Pará e São Paulo aderiram ao convênio do Confaz. Mas apenas São Paulo lançou o serviço, oferecido pela Net, via rede de TV a cabo; e pela Telefônica, por rede de TV a cabo e por uma rede sem-fio na tecnologia WiMesh. São redes de cobertura restrita. Agora, o governo paulista negocia com o Procon a possibilidade de a Telefônica também oferecer internet popular por meio do Speedy (banda larga pela rede de pares de cobre da telefonia fixa) para os assinantes que ainda usam acesso discado, cerca de 1,5 milhão.

A espinha dorsal do PNBL é a nova Telebrás, se a empresa for mesmo o veículo da banda larga estatal. A Telebrás será recriada para operar o backbone estatal (a ser montado com as fibras da Eletronet devolvidas à Eletrobrás e com backbones de outras empresas públicas) e o backhaul que será construído (trecho que leva a banda larga do backbone até um ponto na sede do município). Com esta rede, o governo pretende estimular a competição, especialmente nas pequenas cidades, o que fará baixar os preços.

UMA REDE NEUTRA

“Queremos criar uma rede neutra”, explica Rogério Santanna, secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento. Uma “rede neutra” oferece serviço para todos pelo mesmo preço. Através dela, o governo espera oferecer links a provedores sem rede própria, que precisam comprar capacidade a preços mais competitivos. Hoje existem 1.700 pequenos provedores de Serviços de Comunicação Multimídia (SCM). Que reclamam da dificuldade de comprar links das operadoras. Um exemplo é o IP3, provedor de conexões em banda larga em cinco cidades no Sul de Minas Gerais. Em 2005, o IP3 usava um link corporativo da Oi na capacidade de 1 Mbps, pelo qual pagava R$ 1,5 mil. “Quando quis contratar uma ampliação, queriam me cobrar R$ 3,7 mil por Mbps. Na época, eu não tinha mais de quem comprar”, explica Wesley Gallo, diretor da empresa. O provedor, que hoje tem cerca de 3 mil clientes, praticamente não ampliou sua base em 2005 e 2006, por falta de um fornecedor de links a preços razoáveis. Os provedores locais estão hoje em milhares de cidades, onde disputam o mercado com os serviços de banda larga das operadoras, mas ainda dependem principalmente delas para o fornecimento de capacidade de transmissão.

O PNBL não exclui, por enquanto, nenhum interlocutor – nem as operadoras de telefonia fixa e móvel, que têm a maior rede do país, nem os provedores. “Vamos discutir essas diretrizes com todos os segmentos do mercado e suas associações, com estados e municípios. O plano será pactuado. Prefiro levar mais tempo para colocar o plano na rua, mas ter as diretrizes consensadas com os players, que são as operadoras fixas e móveis, as prestadoras de serviços de TV por assinatura e os pequenos provedores de acesso à internet”, insiste Alvarez.

Na definição do plano, o governo trabalha com diferentes cenários – desde uma participação mais restrita do próprio governo e espaço maior para operadoras e outros prestadores de serviço, até a participação mais ampla do governo. Os investimentos necessários dependem do cenário a ser escolhido. Em um deles, que passa pela iluminação das fibras que eram da Eletronet (compra da parte eletrônica), construção do
backhaul com enlaces de rádio Ethernet e construção de parte do acesso (parte será feita pelas operadoras), o investimento previsto é da ordem de R$ 15 bilhões. Mas o número pode ser maior, reconhecem técnicos que trabalham no plano.

Os recursos virão, segundo Alvarez, do Orçamento Geral da União, de fundos setoriais (ele garantiu que, tão logo o Congresso aprove as alterações na Lei do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), o governo vai usar os recursos do fundo, ou seja, os R$ 700 milhões arrecadados durante o ano) e de financiamentos.

A participação do governo na oferta ao usuário final vai depender do quanto as operadoras vão reduzir os preços. O governo trabalha com cenários que consideram três faixas de preço: R$ 15,00, R$ 25,00 e R$ 35,00. Quanto menor for o valor cobrado, maior o número de domicílios que poderão adquirir o serviço. Mas também será maior o subsídio necessário por parte do governo, já que, de acordo com as operadoras, existe um limite ao qual elas podem chegar para prestar o serviço de maneira rentável e ainda assim esse limite pode ser maior do que a capacidade de pagamento da população de baixa renda.

Como o valor da internet popular com benefício fiscal (isenção de ICMS) fixado pelo Confaz é de até R$ 30,00, é provável que tarifas na faixa de R$15,00 sejam subsidiadas. Mas isso ainda não está claro. O que está claro, para o governo, é que só a desoneração fiscal (redução de impostos), reivindicada pelas operadoras, não resolve o problema da oferta massiva a preços acessíveis e com qualidade de serviço.

A desoneração tributária e fiscal não resolve tudo, mas resolve parte importante, na avaliação das operadoras. De acordo com dados apresentados por Antonio Carlos Valente, presidente da Telefônica, 43% do preço do serviço equivalem a impostos. Já no preço do modem da telefonia móvel, os tributos respondem por 76% nos equipamentos montados no Brasil e por 90% nos importados, de acordo com Roberto Lima, presidente da Vivo. Além do custo do modem, a internet móvel enfrenta o peso do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel). A operadora paga, por celular que habilita, R$ 26,00 de Fistel e R$13,00 ao ano de taxa de manutenção dos celulares em sua base.

Além da desoneração, Valente cita como medidas fundamentais para o sucesso do PNBL o leilão das frequências de 2,5 GHz e 3,5 GHz e a oferta, pela Anatel, das licenças de TV a cabo, congeladas há oito anos. Em sua opinião, essas medidas vão permitir que as operadoras invistam na oferta de mais serviços de banda larga, usando também as tecnologias sem-fio que permitem baratear o serviço.

O sucesso do PNBL depende, afirma Alvarez, de uma sólida parceria da União com estados e municípios. A participação dos estados é fundamental para a redução dos tributos sobre o serviço de banda larga. Mesmo porque, sem a redução do ICMS, a própria Telebrás vai enfrentar problemas para oferecer o serviço a preços menores.

Além disso, muitos estados têm alguma infraestrutura de rede em concessionárias de energia elétrica que poderia ser usada no backhaul. As prefeituras não têm ativos, mas podem ser parceiras na prestação do serviço. Já passa de uma centena o número de cidades com banda larga gratuita em pontos públicos – e algumas abriram sinal para todos os cidadãos. A participação das prefeituras e estados é estratégica.

Os caminhos da conexão
Este mapa ajuda a visualizar os principais backbones (redes de alta capacidade) do Brasil, embora não mostre exatamente todos os pontos das redes.