As contas do material didático

A cada quatro livros escolares vendidos no Brasil, três são comprados pelo governo federal.

ARede nº71 julho de 2011 – O Brasil já apareceu no Guinnes Book como recordista de fornecimento gratuito de livros. Perdeu a colocação para a China, mas se mantém firme no segundo lugar. O principal responsável por tal façanha é o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), que em 2010 comprou e distribuiu nada menos que 150 milhões de exemplares para alunos do ensino fundamental e do ensino médio nas redes de escolas públicas.

Com a ampliação do acesso à Educação, o favorecimento dos benefícios fiscais previstos em lei, e em tempos de economia estável, a publicação de livros didáticos no Brasil é um negócio extremamente lucrativo, sendo responsável por 51% do mercado editorial brasileiro. Contudo, as editoras já ouviram o sinal de alerta da anunciada implementação de conteúdos digitais nas escolas públicas, com início previsto para 2013, pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), do Ministério da Educação (MEC).

Em pronunciamento recente, Rafael Torino, diretor de Ações Educacionais do FNDE, garantiu para daqui dois a três anos a publicação, na internet, de conteúdos específicos, enquanto o conteúdo universal dos livros impressos seria condensado “em poucas páginas de papel”. Trata-se de mais um passo do Programa Nacional de Tecnologia Educacional (ProInfo), executado no âmbito do Ministério da Educação, e que visa promover o uso pedagógico das tecnologias de informação e comunicação nas redes públicas de educação básica.

Ainda não há cálculos do impacto do programa nas contas públicas e no mercado editorial brasileiro. Mas  acontecerá, com certeza. E tende a desacomodar um solidificado modelo de negócio, em que os interesses públicos confundem-se com os privados. Para se ter uma ideia do volume de recursos em jogo, o PNDL, criado em 1985 e coordenado pelo FNDE, gasta em média R$ 1 bilhão por ano na compra e distribuição de títulos às escolas federais e às redes de ensino estaduais, municipais e do Distrito Federal, o que corresponde a 2% do orçamento do ministério. Para 2011, o orçamento do PNLD é de R$ 1,2 bilhão.

No segmento educacional, a cada quatro livros didáticos vendidos no Brasil, três são comprados pelo governo, a preço médio de R$ 6 o exemplar para o ensino fundamental e R$ 10 para o médio. Fora a educação básica, são oferecidos livros para Educação de Jovens e Adultos das redes públicas e das parceiras do Programa Brasil Alfabetizado, além de versões para pessoas com deficiência auditiva via tecnologia Mecdaisy, disponível gratuitamente no portal do MEC.

Os números tendem a aumentar. Até o final de 2011 deverão ser distribuídos dicionários com as regras da reforma ortográfica. Em 2011, foram negociados mais de 135 mil livros com 20 editoras, sendo que, como já era esperado, poucas ficaram com a maior fatia: cinco delas (três da Região Sudeste e duas da Região Sul) venderam 120 mil exemplares.

Para garantir o preço, as editoras fazem contas de atacado: lucram sobre a quantidade de exemplares vendidos e com a certeza de compra. É uma indústria beneficiada pela lei, com a isenção fiscal prevista pela Constituição e, desde 2004, com o beneplácito da desoneração do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento Social (Cofins). Essa imunidade representa cerca de 30% do faturamento da indústria do livro. O grande lucro das editoras está na venda “casada” de conteúdo (do qual detém o direito autoral) e a impressão, cuja qualidade é o primeiro item a ser avaliado na seleção de obras e que corresponde a 90% a 95% do preço final.

Para esclarecer os parlamentares sobre o que chama de “monopólio das editoras”, o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (Gpopai), da Universidade de São Paulo, apresentou na Câmara Federal uma pesquisa sobre o acesso a livros didáticos e REA. Os dados mostram um setor com pouca possibilidade de competição de autores, alicerçado em publicidade e que não contempla as diferenças culturais e a possibilidade de troca de conhecimento.

Entre as principais sugestões para o aperfeiçoamento do PNDL está a aquisição apenas do conteúdo dos livros por meio de contrato de cessão de direitos autorais, o que possibilitaria ao governo liberar os livros para acesso na internet, com licença de direito autoral que permita a reprodução para fins não educativos. (B.T.)