As oficinas foram concorridas e as reflexões políticas marcaram o evento, que teve público recorde
ARede nº43 Dezembro de 2010 – A 7 ª Oficina de Inclusão Digital foi a maior, em número de participantes, desde a realização da primeira edição, em 2001, em Brasília. Foram 3,5 mil pessoas inscritas e 2,3 mil credenciadas. Durante os quatro dias de oficina, passaram pelo Hangar, centro de convenções de Belém do Pará, muitos professores e estudantes locais, entre mais de 3 mil pessoas. Do Pará, foram 1,9 mil credenciados. Mas, pela primeira vez, a oficina contou com representantes de todos os estados — muitos bancados por projetos como o Gesac, o Observatório de Inclusão Digital, o Computadores para Inclusão e o Casa Brasil. A Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento (SLTI) optou por destinar recursos para custear o maior número possível de participantes, em vez privilegiar a infra-estrutura. A organização sofreu com isso — filas, participantes hospedados em hotéis distantes. Como recompensa, as oficinas estiveram lotadas.
Na de recondicionamento de computadores, para a qual se esperava 50 participantes, havia 250 pessoas que recondicionaram dez máquinas, comemorando a cada vez que conseguiam fazer um dos equipamentos funcionar. Durante o evento, também foi realizado o Encontro da América Latina sobre Recondicionamento para Reúso Social, para discutir o descarte seguro dos resíduos, a automatização dos registros dos Centros de Recondicionamento de Computadores (CRCs) que fazem parte do projeto, a criação de uma estrutura mais eficiente de logística e formas de dar escala ao processo sem perder confiabilidade. “Queremos criar, nos CRCs, um processo comum, com selo de qualidade, como as empresas fazem”, conta Diego Alves, do CRC Oxigênio, de Guarulhos (SP).
Na oficina de elaboração e gestão de projetos, onde também se esperava 50 participantes, 200 pessoas se empenharam em escrever projetos, identificar parceiros, gerenciar recursos, prestar contas. A oficineira Juliana Lima, da Rede Cipó, voltou para Salvador com uma pilha de e-mails para os quais ficou de enviar o roteiro de elaboração de projetos. Na oficina de rádio comunitária, a ParaRádio fez transmissões diárias, ao vivo, e recebeu um representante da Rádio Comunitária Resistência, de Belém do Pará, fechada pela Polícia Federal em janeiro.
A 7 ª Oficina de Inclusão Digital foi um marco da maturidade das iniciativas de inclusão digital. Não somente pelo número recorde de participantes. Mas porque a idéia de garantir o acesso de toda a população ao mundo digital, explicitada na carta resultante da primeira oficina, hoje consta da agenda de políticas públicas nas três esferas de poder (municipal, estadual e federal). E ganha uma escala sem precedentes em projetos como o anunciado pelo governo federal (Veja a página 10). Ou em projetos pontuais, de grande alcance, como o NavegaPará (veja ARede 37, junho de 2008), uma rede pública e gratuita de comunicação que vai interligar órgãos públicos (escolas, hospitais, delegacias) em mais de quinze cidades e levar internet de alta velocidade a dois milhões de pessoas, em 52 municípios, por meio de infocentros públicos.
A rede estadual, em parceria com a Eletronorte e a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), poderá ser replicada pelos demais estados da Amazônia Legal (que inclui, além dos estados da região Norte, o Maranhão e o Mato Grosso). O Maranhão já assinou o contrato com a Eletronorte, o Tocantins está em vias de assinar, enquanto Amapá, Amazonas e Acre estão ainda em conversações. Como resultado, a partir das redes estaduais, será criada uma rede de ciência e tecnologia da Amazônia, que hoje enfrenta carência de conexão terrestre.
As reflexões sobre o direito de acesso e ao aprendizado das tecnologias da informação e comunicação, durante o encontro em Belém, superaram os limites da “alfabetização digital”. Essa é outra marca da Oficina: fala-se menos em tecnologia e mais em políticas públicas de acesso, como observa Carlos Seabra, diretor de tecnologia do Instituto de Pesquisa e Projetos Sociais (Ipso). Hoje se discute como usar as TICs para desenvolver as comunidades, o que consiste em uma visão mais ampla do que considerar apenas o acesso aos computadores e à conexão.
A “Carta de Belém”, pronunciamento da sociedade civil ao final da Oficina, é um exemplo de como o movimento de inclusão digital saiu do espaço de suas necessidades para debater questões mais amplas, constata Beatriz Tibiriçá, da ONG Coletivo Digital, uma das cinco entidades da sociedade civil que organiza a oficina. Beá se refere ao repúdio ao Projeto de Lei 84/99, do senador Eduardo Azeredo (Veja a página 20), que trata dos crimes contra a segurança dos sistemas informatizados.
No ano passado, a Oficina de Inclusão Digital entregou a Cezar Alvarez, assessor especial da Presidência da República e coordenador das iniciativas de inclusão digital do governo, a Carta de Salvador. “Esse documento guiou nossas ações em 2008”, conta Elisa Peixoto, assessora da Coordenação de Inclusão Digital do Gabinete Pessoal do Presidente. A Carta de Belém retomou os pontos da anterior, para verificar onde houve avanços, e manteve uma lista de 25 reivindicações para uma política pública de tecnologias de informação e comunicação a serviço da inclusão digital. A primeira reivindicação é “que todas as esferas de governo desenvolvam e implementem planos de inclusão digital como forma de integrar ações, racionalizar e otimizar recursos públicos. É importante que a sociedade civil visualize de forma precisa qual órgão governamental coordena e responde pelas ações de inclusão digital, de forma a poder participar do debate, contribuir e fiscalizar”. A carta tamhém defende a ampliação do debate com a sociedade civil para avançar na implementação de marcos regulatórios e de políticas públicas que assegurem a sustentabilidade de iniciativas de inclusão digital.
Marcos legais
Os marcos legais são necessários, alerta Franklin Coelho, coordenador do projeto Piraí Digital – Piraí foi pioneira entre as cidades digitais brasileiras – e professor da Universidade Federal Fluminense. Ele explica que temas como cidades digitais e inclusão digital não podem ser pensados apenas em termos de entrega de equipamentos e conexão. “Essas coisas precisam ser pensadas no campo do direito, temos que tratar a informação e o conhecimento como um bem público”, diz ele. Para Coelho, caminho para o desenvolvimento local tem de ser pensado, articulado e construído com a sociedade, e as novas tecnologias potencializam essa integração.
A idéia de inclusão digital já não é mais estranha ao poder público, mas ainda há muito o que fazer para incorporar, de fato, o acesso à informação entre os direitos de cidadania. Coelho dá dois exemplos disso: o direito à cidade e os planos diretores não discutem o direito à informação e a Caixa Federal e o BNDES, não financiam infra-estrutura de redes públicas. Outro exemplo citado pelo professor foi o da experiência de Piraí: demorou três anos até ter reconhecido, pelo Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações, o direito da prefeitura de adquirir uma licença para instalar sua rede sem cobrar tarifa pública de internet. Antes de chegar a um arranjo legal que permitsse à prefeitura distribuir sinais, “nossos rádios corriam o risco de ser lacrados como são lacrados os das rádios comunitárias”, contou ele. Não basta, no entanto, oferecer sinal de internet gratuito para que a cidade se torne “digital”. “Os projetos precisam prever sustentabilidade, construção social, capacidade de gestão. A infra-estrutura precisa ser tratada como uma rede pública, para acesso a toda a população”, afirma Coelho”.
Desenvolvendo a Amazônia
Para Jader Gama, do Projeto Puraqué, de Santarém, no Pará, o debate sobre o uso das tecnologias digitais deveria ser ainda mais ambicioso. “Podemos criar uma nova forma de desenvolvimento, baseada no conhecimento”, defende ele. A Amazônia viveu vários ciclos econômicos destruidores da natureza e concentradores de riqueza. Jader considera a cultura digital um grande instrumento para criar renda sem repetir essa história. “Com políticas públicas e investimentos adequados, o Baixo Amazonas poderia se tornar um pólo de produção de software livre”, argumenta.
Esta foi a primeira vez que uma oficina se realizou na região Norte, onde os problemas de comunicação, manutenção de equipamentos, capacitação de monitores e gestores são maiores, por conta das distâncias entre as comunidades e a falta de interesse das operadoras em atendê-las, visto que a receita a ser gerada nesses locais, para as empresas, é limitada. No Pará, quase metade dos 7 milhões de habitantes vive na “linha de pobreza”, em famílias com renda mensal inferior a meio salário mínimo per capita. O PIB per capita do Pará equivale a menos da metade do indicador nacional e a concentração da renda no Estado é das maiores do país, chegando a 0,76 na escala Gini. “Odesafio é transformar a nossa diversidade em fonte de competitividade. Nossa pequena produção agrícola é uma opção pelo diverso. Colhemos cupuaçu, pupunha, andiroba, acerola, teperebá. Em contraposição, na região de Santarém há áreas onde a diversidade foi substituída pela homogenização, pelos campos de soja”, explica Maurílio Monteiro, secretário de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia, Maurílio Monteiro do Pará.
Produzir recursos associados à diversidade pressupõe uma grande troca de informação, e por isso a conectividade e o compartilhamento de informações é fundamental, diz o secretário. “Na ausência da informação, caminha-se para o tradicional, para o atraso. O senhor Armando Miqueiro, que vive e produz no assentamento de Itaituba, precisa ter condições de falar e trocar informações com os agricultores de Capanema, para descobrirem como manter sua produção diversificada”, explica.
Com a criação da rede nacional de formação, uma das medidas anunciadas durante a Oficina, a tendência do encontro é, cada vez mais, adquirir um perfil de capacitação, acredita Rodrigo Assumpção, secretário adjunto da Secretaria de Logística e Tecnologia do Ministério do Planejamento, responsável pela organização do evento. “Se não em 2009, em 2010 vai haver um esforço grande de consolidar o processo de qualificação e formação na Oficina. A Oficina deverá ser o grande momento de qualificação presencial dos recursos humanos”, prevê ele. Vários participantes do evento defenderam a realização de oficinas regionais.
A 7ª. Oficina para Inclusão Digital foi realizada pela SLTI, em parceria com a Secretaria de Estado de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia e a empresa de Processamento de Dados do Governo do Pará. Contou com o patrocínio das empresas Dataprev, Banco do Brasil, Petrobras, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Fundação Banco do Brasil, Serpro, Celpa, Caixa Econômica, Radiocomm, Minascontrol e Sinetel. Na organização, o Comitê Técnico de Inclusão Digital do Governo Federal; e as entidades Sampa.org, Rede de Informações para o Terceiro Setor (Rits), Cidadania Digital, Coletivo Digital e Projeto Saúde & Alegria.