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Entraves ao acesso livre

lei defasada dificulta a criação de bibliotecas digitais atualizadas

ARede nº 84 – setembro de 2012

A Lei de Direitos Autorais (LDA) brasileira prevê uma série de medidas para proteger os autores mas, instituída em 1998, não levou em conta tamanha evolução do mundo digital. Na época, o Google era ainda um site recém-criado, não havia programas de compartilhamento P2P (como Napster, Kazaa ou Soulseek), nem o mercado de músicas em formato digital, muito menos o de livros.

Hoje, a internet se tornou uma ferramenta facilitadora do compartilhamento de informação e os dispositivos capazes de reproduzir as obras de um artista se multiplicaram. Boa parte das pessoas tem um computador e um celular pelos quais gostaria de acessar as músicas ou os livros que têm nas estantes. Mas a possibilidade de digitalização de obras cujo autor ainda esteja vivo ou que tenha morrido há menos de 70 anos sequer é mencionada no texto da lei. Por isso, a modernização da LDA é urgente.

“A LDA já nasceu atrasada e não enfoca nenhum dos problemas surgidos com o acesso massificado da internet e surgimento das tecnologias para digitalização e divulgação online”, observa Pedro Mizukami, mestre em direito constitucional e pesquisador do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro. Diante da pressão popular, o Ministério da Cultura elaborou, com participação popular, entre 2007 e 2010, um anteprojeto de lei e o colocou em consulta pública. O resultado foi um texto prevendo formas de compartilhamento digital e criação de acervos digitais, mas que acabou modificado pelo próprio ministério antes de ser enviado à Casa Civil.

Em 2011, o texto foi devolvido pela Casa Civil, ação de praxe quando novos governos assumem. O novo ministério modificou mais uma vez o texto, restringindo a possibilidade de compartilhamento de obras em meios digitais, mesmo em se tratando de redes fechadas (como as de bibliotecas). Agora, o projeto de lei está parado na Casa Civil, sem previsão de quando será analisado, modificado ou enviado ao Congresso para votação. Se for levado a votação sem alterações, o texto não facilitará a vida das bibliotecas, que continuarão proibidas de digitalizar e oferecer o conteúdo ao público no caso de obras que não estejam sob Creative Commons ou outra licença de acesso livre.

As obras adquiridas em formatos digitais não poderão ser emprestadas via internet, pois o texto afirma que a biblioteca deve emprestar apenas dentro de suas dependências. A situação só poderá ser resolvida por meio de contratos de licenciamento que prevejam o empréstimo online. Diante disso, Mizukami acredita que, no futuro, as bibliotecas brasileiras terão de negociar com cada editora as formas de como os livros (digitais ou digitalizados) poderão ser oferecidos. Se a editora não permitir o empréstimo, o leitor não terá outra alternativa senão comprar.