A partir de oficinas de fotografia com latas, metodologia de ensino propõe um novo papel para a escola.
Novos jeitos de ver o mundo, em oficina de formação de professores.
ARede nº31 novembro 2007 – No mundo da informação, qual é o papel da escola? A pergunta, impressa em um filtro de papel, de coar café, embala o material do Fórum de Comunicação e Educação, promovido pela Oficina de Imagens, em 2005. A Oficina de Imagens é uma organização não-governamental de Belo Horizonte, Minas Gerais. Seu projeto Latanet-da Latinha à Internet é o vencedor do Prêmio ARede 2007 na categoria especial Educação. A Latanet é uma metodologia de ensino e foi criada, em 2002, para promover a renovação das práticas pedagógicas, por meio do uso das tecnologias da informação e da comunicação.
“A presença abundante de imagens e informações visuais em nossa sociedade é responsável pelo surgimento de novos processos mnemônicos (de construção da memória) e novas formas de aquisição de saber, exigindo novas habilidades para a elaboração mental e o estabelecimento de nova sintonia com a realidade, mediada pelas tecnologias da comunicação”, diz o texto de apresentação do projeto.
Diariamente, somos bombardeados por um turbilhão de sons, imagens, textos, rádio, TV, jornais, internet, outdoors, folhetos, revistas. Junto com informações, ideologias, pontos de vista, padrões de comportamento e de consumo. Tudo isso, observam os responsáveis pelo projeto, provoca indagações acerca da forma como nos relacionamos com os meios de comunicação e como nos apropriamos das informações que eles veiculam. Que influência eles têm em nossas vidas? Para descobrir isso, a equipe do Latanet chegou à conclusão de que não haveria nada melhor para formular um novo processo de aprendizado, na era da imagem, do que a tecnologia que deu origem à reprodução em massa das imagens: a fotografia, a capacidade de escrever com a luz.
Lata furada para fazer fotos Parte do princípio de que a melhor maneira de desmistificar uma tecnologia é apropriar-se dela. Entender como funciona, aprender a fazer e ser capaz de expressar sua própria realidade por meio dessa técnica. “A partir do olhar que de si mesmo se volta para o mundo, a família, a comunidade e o espaço, o sujeito é convidado a refletir”, diz Paula Fortuna, coordenadora do projeto. A metodologia Latanet foi desenvolvida para trabalhar com esses conceitos, em escolas públicas.
O processo de produção de imagens e de uso da tecnologia, na Latanet, começa com a latinha — usada para tirar fotografias, com papel fotográfico e um furinho na tampa, uma técnica chamada pinhole — e vai até os computadores e a internet. Depois de aprender como produzir imagens com luz, os alunos usam tecnologias da informação para digitalizar, tratar e trocar entre si as fotografias produzidas.
Desconstrução de imagens
A Latanet começou a ser desenvolvida com alunos de duas escolas municipais de Belo Horizonte. Na experiência, foram usados 25 computadores, instalados na sede da Oficina de Imagens e na Escola Municipal Milton Campos. Por meio de scanners, os alunos copiaram as imagens produzidas. E as trocavam por e-mail, depois de tratá-las com o software PhotoShop. A troca de mensagens era feita por meio de internet discada.
Os alunos fotografam e são eles mesmos assunto para a foto dos colegas Os computadores só entram no processo, depois de os alunos usarem técnicas artesanais de produção de fotografias — latinhas de alumínio, papéis fotográficos, revelação por meio de agentes químicos em laboratórios de imagens preto&brancas. Ao construir as imagens, as pessoas aprendem também a desconstruí-las. Dominada essa técnica, passam a fotografar a si mesmos, sua família, a escola, a comunidade. E a trocar informações com alunos de outras escolas.
Nas etapas com professores, o caminho era o mesmo. O piloto, de 2002, foi bem-sucedido e a metodologia documentada no site www.latanet.org.br. Também se produziu um kit pedagógico para praticá-la com outros grupos. Então, a experiência foi ensinada na rede municipal de ensino de Belo Horizonte, em 182 escolas municipais, para um público direto de cem professores, 15 técnicos da Secretaria Municipal de Educação, envolvidos na Rede de Trocas entre as escolas, e 50 alunos da rede. Depois, estendida a um público indireto de 300 professores, pais de alunos e 2 mil alunos da rede pública municipal de Belo Horizonte. Foi essa a metodologia apresentada no Fórum de Comunicação e Educação, em 2005, junto com outras treze experiências de educomunicação.
Várias revoluções aconteceram, no último século, em todos os campos importantes da atividade humana: transporte, indústria, telecomunicações. A educação, no entanto, ainda é praticada de acordo com modelos do século XIV. “A organização das escolas, de modo geral, ainda está em descompasso com a sociedade na qual vivemos”, explica Paula. Faz parte da função da escola, acredita ela, refletir sobre como formar cidadãos capazes de interpretar e selecionar de maneira crítica as informações veiculadas pelas diversas mídias, valorizar as características próprias de sua comunidade e perceber a diversidade cultural como uma das marcas fundamentais da sociedade brasileira.
Laboratório de informática do Latanet Esse trabalho é possível, na sua opinião, com o uso de métodos educacionais que incorporem as tecnologias da informação e da comunicação (TICs) na formação de educadores e estudantes. “Os avanços tecnológicos, o processo de redemocratização da sociedade e os movimentos de renovação pedagógica nas últimas duas décadas reafirmaram a escola como espaço de formação para a cidadania e para a vida”, constata Paula. “E as relações entre as tecnologias da informação e a escola deverão ter como referência os cidadãos que queremos formar e a sociedade que queremos construir”. Aqui, voltamos ao filtro de papel, ou coador de café: para a Oficina de Imagens, o principal papel da escola no mundo de hoje é ser filtro, ou, pelo menos, contribuir para elaborar um filtro para o espetáculo da informação.
O próximo movimento da Oficina de Imagens é ampliar seu alcance, com o Programa de Expansão do Projeto Latanet, elaborado em 2006. O objetivo é levar a metodologia, testada e sistematizada, para redes de ensino de outras cidades do interior de Minas Gerais. Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, deve ser a primeira contemplada com a formação de professores da rede pública de ensino a partir da metodologia Latanet. A expectativa é que a formação tenha início junto com o ano letivo de 2008. Uma das estratégias é priorizar as cidades do norte de Minas e Vale do Jequitinhonha que participam do projeto “Selo Unicef Município Aprovado” (executado no estado pela Oficina de Imagens). Este ano, também dentro do Programa de Expansão, está sendo elaborada a publicação Latanet, viabilizada por recursos provenientes do prêmio do Fundo Itaú de Excelência Social (FIES).