ARede • Até surgir o projeto do laptop de US$ 100, parecia que o preço
dos computadores não conseguiria cair, em função de limitações
técnicas, como o preço do display. Existem ou não limitações? Se
existem, é possível superá-las num curto espaço de tempo? E por que
isso não é usado comercialmente, por que a indústria não caminha por
essa via?
"Nossa pesquisa
para o OLPC, além
de retirar o lucro e
toda a parte de
marketing da
comercialização,
considerou outros
fatores de redução
de custo, como a
potência do
computador e da
energia necessária,
e o uso
de software
livre, como o Linux".
David Carvalho,
do MIT.
David Cavallo • Nosso grupo do MIT tem observado, no Brasil e no mundo
inteiro, o papel que o computador pode ter na educação. Se tivermos
essa tecnologia com alto custo, só para alguns, não vai dar certo. Ela
deve permitir o conhecimento para todos. Temos que criar uma base
econômica para se ter um computador a um preço e custo viáveis. O
problema não é só tecnológico. Por que estamos fazendo isso sem fins
lucrativos, junto aos governos e ao pessoal da área educacional? Porque
acreditamos que é muito importante. Nossa pesquisa para o OLPC, além de
retirar o lucro e toda a parte de marketing da comercialização,
considerou outros fatores de redução de custo, como a potência do
computador e da energia necessária, e o uso de software livre, como o
Linux. A nossa meta é chegar ao custo de US$ 100. Os avanços
tecnológicos a serem feitos não são muito grandes e a maioria das
vitórias já foi obtida.
Mário Ripper • A indústria não tem o computador barato, porque não
interessa. Por que não interessa? Temos uma população no mundo de 6
bilhões; destas, 1,2 bilhão têm dinheiro e 4,8 bilhões não têm. As que
têm conseguem pagar o preço de um PC. Então, a indústria do PC formou
uma dinâmica de obsoletar o produto, inserir cada vez mais
funcionalidades, que a maioria das pessoas não usa. Por que mudar?
Suponham que, em vez de vender um computador a US$ 500 ou US$ 600, eu
vendesse a US$ 300. Para ter a mesma receita, teria que vender o dobro.
Se 500 milhões de máquinas são substituídas por ano, já teria que
vender 1 bilhão/ano. Não necessariamente eu consigo ter a margem, nesse
computador de menor preço, que eu teria no que custa o dobro. E aí
temos o principal risco da indústria: quem ia comprar uma máquina de
US$ 500 resolve comprar a de US$ 300. Esse é o medo da indústria e, por
isso, ela não tem o menor interesse em baixar os preços de forma
significativa.
O grande mérito do projeto do MIT é a possibilidade de quebrar o
paradigma do preço dos micros. Pelo mercado que está sendo focado, e
pela capacidade do Nicholas Negroponte de fazer com que isso aconteça,
porque ele talvez seja um dos poucos no mundo que consiga romper esse
paradigma. Nós, como país, não temos chance, mas um conjunto de países
nessa estrutura talvez tenha. Não estou preocupado se o preço será de
US$ 100 ou US$ 120. Se essa quebra acontecer, o benefício para países
como o nosso é gigantesco.
"Levar a possibilidade
do conhecimento, do
acesso a tecnologia e
educação é algo
extremamente vital,
em que devemos
apostar"
Hugo Valério, da HP
Brasil.Hugo Valério • A iniciativa do professor Negroponte é ótima, quando
busca a forma de levar o acesso ao computador para alunos. Mas há
perguntas sem resposta. Existem celulares, PDAs, acessadores de
internet, desktops, notebooks, servidores. Alguns estão em torno de
US$ 100, US$ 200. A questão é que a indústria faz algumas propostas e
oferece esses produtos ao mercado. Quem consagra a especificação é o
mercado, a indústria não consegue impor nada. O mercado responde,
dizendo: isso eu gosto, vou comprar, ou isso eu não gosto, não compro.
Essa máquina proposta pelo MIT, até onde sabemos, tem uma série de
características diferentes de um PC tradicional: visor menor e forma de
alimentação diferente da tradicional – gira-se um dínamo para criar
energia. Como o mercado vai reagir?
Talvez resolvamos comprar 1 milhão dessas máquinas, distribuí-las para
as crianças, que vão levá-las para casa. Seria seguro deixar uma
criança andar com um produto desses? Ela não seria alvo de agressões?
Ou, quando vai para casa, a criança deveria estar acessando o
computador ou deveria estar interagindo com os amigos? E o fato de ter
que girar uma manivela por, sei lá, dez minutos, para ter cinco minutos
de energia, não provocaria uma lesão? Por último, destaco o fato de
você gastar US$ 100 por cada uma das unidades, que vão se quebrar, vão
se perder ao longo do tempo, vão precisar ser repostas e são máquinas
sem garantia, sem custo de distribuição, de logística, de segurança no
transporte. Nada disso foi considerado.
Não seria melhor o governo contratar um esquema de serviço para os
alunos? Abre-se uma grande licitação para um serviço educacional de
acesso, com três componentes: treinamento do professor (que não está
contemplado no projeto), conteúdo e, finalmente, o hardware. Esse
hardware pode ser cobrado por hora, mas num serviço completo, com
treinamento de professores, geração do conteúdo educacional e uso da
máquina. E deixar que cada escola tenha a solução mais adequada para a
sua área.
"O laptop de US$100 é
um programa relevante
para o país, e
todos os
mecanismos da sociedade
e da política industrial têm
que ser
ferramentas para
viabilizá-lo o mais rápido
possível".
Marcelo Zuffo, do LSI/USP.Marcelo Zuffo • Eu entendo a proposta do Negroponte como uma proposta
filosófica, que realmente quebra paradigma. O ano de 2000 trouxe, no
bojo da bolha, vários aspectos que não percebemos. A densidade de
integração do computador é um viés de barateamento do seu custo. Temos
evidências, até em função da escala, de que pode custar US$ 25, US$ 15.
É claro que existem outros custos, como o do display. Mas há um sinal
otimista de que isso é realizável. O segundo paradigma é que, depois
de 20 anos do primeiro PC, o mercado das 1,2 bilhão de pessoas que
compram saturou; todas elas têm micro. Hoje, o mercado é de renovação;
administrar a expansão marginal dessa população mundial que tem renda
ou a substituição pela obsolescência. Um mercado estagnado e saturado.
A dinâmica capitalista faz com que essas empresas, então, procurem
outros mercados. Discordo de que a indústria não tenha interesse em
quebrar o paradigma do preço; é claro que tem, apenas ninguém descobriu
o caminho. E o Negroponte foi pioneiro nessa proposição. Temos visto
iniciativas na Índia e na China. Vimos na Califórnia (EUA),
recentemente, um computador de US$ 400. Se sai por US$ 400 no mercado
americano, o custo é US$ 100.
Um terceiro paradigma trazido com a bolha, em 2000, foi a introdução
das tecnologias móveis. E, além da estagnação do mercado de informática
no mundo, há estagnação global do mercado de telefonia. Na série
histórica de 20 anos de expansão, está saturado em US$ 415 bilhões, sem
perspectiva de crescimento. Ou seja, temos um impasse global, quando
tudo que podia se expandir saturou.
Na informática, fala-se da Lei de Moore, que não sei se é a maior
mentira contada até hoje, porque tudo duplicava, duplicava o clock,
duplicava a velocidade da CPU, a memória, mas o preço dos
computadores, durante duas décadas, foi constante, entre US$ 1,5 mil e
US$ 2 mil. Ou seja, um preço dentro daquela dinâmica de oligopólio,
compatível com o poder de renda de quem podia comprar. O mercado não
dita regras, mas o mercado sabia quanto cada um tinha no bolso. Agora,
o mercado também sabe quanto as pessoas têm no bolso – essas outras 4,8
bilhões que não podem comprar um micro. A questão é que todo mundo está
pensando que o modelo de negócios do laptop de US$ 100 não fecha. O
grande mérito do professor Negroponte foi ter exposto esse problema
numa dimensão mundial, e trazido o debate ao domínio público, inclusive
de governos.
Finalmente, só um reparo sobre o risco de o laptop ser roubado, como é
visto pelo grupo de meios interativos da USP (porque laptop e celular
são meios interativos). Advogamos que o Brasil não precisa só de 1
milhão de laptops, porque as outras 54 milhões de crianças iam querer
roubar mesmo. Temos de dar condição para que os 55 milhões de
estudantes brasileiros tenham esses laptops de US$ 100.
ARede • E o risco não seria maior do que o do roubo dos tênis, que
custam até mais de US$ 100. É perigoso, mas não mais do que as crianças
usarem objetos de marca.
David Cavallo • Quando, pela primeira vez, eu fui ao MIT, o Negroponte
estava falando de quão caro eram os computadores. Já nos anos 60,
Seymour Papert falava sobre o dia em que todas as crianças teriam um
computador. Imaginem, eram sete grandes companhias de mainframes no
mundo, e produziam coisas que não cabiam nem nesta sala. Há 20 anos, as
pessoas já falavam da possibilidade de reduzir o custo, e nós dizíamos
à indústria: diminua o preço, faça alguma coisa pelas crianças. Nas
partes mais remotas do mundo, já se revelaram os bons resultados do
acesso à tecnologia na educação. Onde está o problema? Estamos há 20
anos tentando convencer a indústria a diminuir o custo. Não
conseguimos. Então, vamos fazer de qualquer jeito. A solução não surgiu
pelo mercado, porque não havia nenhum incentivo tecnológico para
diminuir o custo. Por que um computador precisa ser obsoleto em três
anos? Pode fabricar bem, por um período longo de tempo. A indústria não
queria. Qual é o papel do governo, da academia e das comunidades de
pesquisa? Se considerarmos os valores sociais de que toda criança
merece uma boa educação e todo mundo deve ter oportunidade de inclusão
econômica, temos que achar uma forma de conseguir isso; não é só dar
qualidade para uns poucos.
Estamos projetando esse programa de forma aberta, porque queremos que
todo mundo contribua. Estamos aprendendo com o pessoal do software
livre. Não estamos aqui para vender computador. Se alguém chegar com
outra idéia melhor do que a nossa, ótimo, será um sinal de que, agora,
o mercado já mudou.
Roseli Lopes • Já há computadores no mercado, tanto na Índia quanto nos
Estados Unidos, que não têm as características do produto está sendo
proposto, voltado à educação, e que já estão no patamar de US$ 400, com
garantia, etc. Ou seja, baixar o preço é uma possibilidade. A evolução
de sistemas eletrônicos, hoje, nos permite desenvolver produtos que
ainda não existem. Essa proposta do Negroponte vai justamente ao
encontro disso. Na área da educação, chegou o momento de maturidade
tecnológica, quando consegue-se desenvolver esse produto de baixo
custo, com as características adequadas. O Media Lab se adiantou.
Estamos num estágio de amadurecimento das tecnologias, quando a
indústria, de software ou de hardware, deve desenvolver soluções para
as diferentes áreas do conhecimento. No Brasil, a liderança no software
livre nos permite, na área da educação, avançar muito rápido, se a
gente trabalhar de forma sinérgica e entender, realmente, o que é uma
educação de qualidade.
A questão da mobilidade e da conectividade é fundamental, bem como a
idéia de poder levar o dispositivo para casa. Trata-se de uma briga
antiga para abrir a escola e envolver os pais com a educação dos
filhos. Por que as escolas públicas nas regiões mais favorecidas são
melhores do que aquelas nas periferias de uma mesma cidade? Porque os
pais da classe média se envolvem mais na educação dos filhos, e estão
presentes na escola. Se a gente cria mecanismos que permitam alguma
coisa muito interessante ir para casa, inserida numa proposta, vamos
desenvolver projetos na escola, que os professores gostariam de
desenvolver com os computadores e, hoje, não conseguem. Porque só podem
entrar naquela sala (o laboratório) por 40 minutos, quando podem. Com
esses dispositivos associados à comunicação, você tem experiências
como, por exemplo, se deu aqui na periferia de São Paulo. Um aluno meu
de doutorado está tocando um projeto de educação de língua inglesa
junto com um grupo de uma escola da Inglaterra. As crianças aprendem
porque querem se comunicar com alguém que fala inglês. Estou dando o
exemplo do inglês, mas, vale para as outras disciplinas.
Quando se fala que a criança vai para casa e, em vez de acessar o
computador, podia interagir, respondo que, na maioria do tempo que meu
filho fica em casa, está no computador interagindo com os amigos da
escola. Quanto à manivela, até eu gostaria de ter uma manivela ou algum
outro dispositivo desses, tanto para o meu celular quanto para o meu
computador, porque não consigo, por exemplo, viajar e passear em locais
em que eu não tenho tomada.
"Segundo dados do Comitê
Gestor da Internet, mais de
metade da população dos
países emergentes nunca
viu um computador. Esse
mercado não existe hoje,
mas pode existir".
Rodrigo Abreu, da Nortel. Rodrigo Abreu • O David foi muito feliz, quando falou que o mercado em
foco não é o mercado tradicional. Segundo dados do Comitê Gestor da
Internet, mais de metade da população dos países emergentes nunca viu
um computador. Esse mercado não existe hoje, mas pode existir. Qual é o
papel desse mercado? É comprar um bem ou serviço, ou receber um
benefício, quase uma obrigação, de educação, de acesso à tecnologia, de
acesso ao mercado de trabalho e a uma série de outros itens? Se a gente
encarar isso como obrigação, esse mercado, que é vasto, não está
procurando um bem, nem comparando se esse bem é mais caro ou mais
barato, mais bonito ou mais feio, pesa mais ou pesa menos do que o
outro bem na loja ao lado. Boa parte desse mercado, mesmo que o bem
estivesse à venda, talvez não pudesse comprá-lo, nem a US$ 100.
Como é que a mobilidade decolou no país? O Brasil tem mais de 90
milhões de telefones celulares, graças ao pré-pago. É uma forma de
subsídio, ou seja, o assinante recebe um subsídio para usar um bem, na
forma de um aparelho, que lhe dá acesso ao serviço; e o serviço é
subsidiado. Foi um modelo de negócio que conseguiu voar, mantendo um
subsídio regulatório. O governo tem várias obrigações, vários custos e
vários custos escondidos. Quanto custa para um governo uma criança que
não teve uma educação adequada ou entrou para a marginalidade? É um
custo muito alto. Por isso, existe essa responsabilidade, sim, de
subsidiar parte desse acesso à educação e à informação. Pode vir na
forma de um notebook, ou de um programa de serviços, ou de outras
maneiras.
A Nortel acredita que essa proposta é viável por uma série de razões já
apresentadas. Os benefícios de uma máquina individual são vários, entre
eles incluir a família, mais do que só os alunos, uma parcela da
população que dificilmente teria acesso. Hoje, segundo ARede (saiba mais), temos cerca de 5 mil telecentros no país. Eu não sei
quantos usuários tem um telecentro, mas seriam mais do que mil pessoas?
ARede • Em São Paulo, são cerca de 4 mil por mês, mas, em muitas redes, a cobertura é menor.
Rodrigo Abreu • Se a gente, simplesmente, encarar o computador como um
bem de consumo, à venda na prateleira, talvez o programa perca o
sentido. Ele surge da obrigação do governo de fornecer uma educação de
qualidade, de preparar o cidadão.
Samuel Lago • Considero essa iniciativa altamente positiva, para
incluir 1 milhão de pessoas. Acho que, talvez, nenhuma iniciativa
comece resolvendo todos os problemas; mas tem que começar de algum
lugar. Apenas a discussão está muito focada no hardware. Não podemos
esquecer que essa máquina vai necessitar de conexão, que é escassa no
país. E conteúdo e metodologia são fundamentais, porque a gente deve
ter o que fazer com ela. E, principalmente, o programa tem que pensar
na sensibilização do professor. De um professor que vai precisar de
metodologia e idéias, para que ele desenvolva um trabalho autônomo. São
três pontos fundamentais, sem os quais uma iniciativa louvável e
gloriosa como essa vai significar dinheiro jogado fora: conteúdo,
conexão e sensibilização de professores.
ARede • O governo brasileiro está avaliando só a proposta do MIT, ou
também outras iniciativas? Se a opção for pelo laptop do MIT, em que
medida a política industrial e a agregação de valor local vão ser
levados em conta?
"Fizemos uma reunião
com a indústria, temos
que fazer a segunda;
tivemos uma reunião
com a área universitária
e pedagógica; estamos
nos reunindo com
desenvolvedores de
software; ou seja,
ampliando o debate
para ter esse projeto
como um (não-exclusivo)
elemento de uma
discussão da Sociedade
de Informação".
Cesar Alvarez, do grupo
interministerial.
César Alvarez • Hoje, o governo trabalha com a seguinte estratégia, ou,
pelo menos, o grupo designado pelo presidente da República para
examinar essa proposta: continuamos a examiná-la e queremos incrementar
a possibilidade de desenvolvimento articulado em várias dimensões do
projeto, inclusive na discussão da produção local. Ainda que tenha uma
grande variável, que é a variável não-commodity do display, em que a
patente poderá ser socializada pelo mundo através do modelo Oscip; ou a
questão da entrada da Quanta no programa, que pode mudar ou não o jogo.
Também queremos trazer a discussão para a sociedade brasileira, com os
diferentes interessados. Fizemos reuniões com a indústria, com a área
universitária e pedagógica; estamos nos reunindo com desenvolvedores de
software; ou seja, ampliando o debate para ter esse projeto como um
(não-exclusivo) elemento de uma discussão da Sociedade de Informação. O
projeto do MIT é uma das alternativas. Também estamos discutindo
propostas, como a do Carlos Rocha, da Samurai (saiba mais), de
transição de produto para serviço – uma tendência, que podemos acelerar
mais ou menos. Ainda que haja uma especificidade da educação, a questão
da estratégia e a responsabilidade pública – diversa de um serviço de
mercado –, também podemos ter um serviço. A princípio, não tenho
prurido ideológico que diga que só o Estado pode prover serviço de
educação; ele pode prover, mas pode organizar o provimento, regular e
normatizar.
E o grupo de trabalho está propondo e observando ao governo que o tema
do laptop de US$ 100 atualizou e acelerou a discussão das tecnologias
de informação e comunicação na educação brasileira, no processo de
ensino e aprendizado. Se nós devemos trabalhar para 55 milhões de
laptops, tenho muitos caminhos a percorrer – e tampouco quero fazer a
discussão de que, antes, preciso fazer uma série de coisas. Desde a
sensibilização do professor, à questão de se nós temos realmente uma
indústria desenvolvedora de aplicativos para a educação. O que estamos
considerando, hoje, é que vamos trabalhar paralelamente, independente
do MIT, no conjunto desses planos para nos preparar para esse momento,
que vai acontecer mais dia ou menos dia.
Temos um projeto para 2006, enquanto o computador dos US$ 100 não chega
– o Negroponte anunciou em Túnis, para onde não conseguiu levar um
protótipo, que a primeira leva da produção é para o terceiro ou quarto
trimestre. O nosso projeto, de R$ 260 milhões, foi enviado, com uma
emenda do governo, ao relator do orçamento da União, Carlito Mers. Está
dentro do Proinfo e envolve a instalação de laboratórios nas 6.877
escolas de ensino médio no Brasil que não têm nenhum equipamento de
informática (sem contar, talvez, na administração). Isso significa,
pela média de alunos por escola, 6 milhões de crianças, no mínimo. Ao
fim de 2006, todas as cidades do Brasil vão ter, pelo menos, uma escola
pública com um laboratório. Simultaneamente, vamos acelerar o debate
com os professores. O MEC forma 60 mil professores por ano. Vamos
trabalhar fortemente na capacitação, na sensibilização política e
pedagógica desses profissionais. Desses 60 mil professores, 25 mil que
participam de programas especiais de formação vão receber laptops – um
para cada três professores. O projeto atinge, também, os cerca de 400
NTEs (Núcleos de Tecnologia Educacionais), em torno das secretarias
estaduais. Vamos requalificar os equipamentos e a capacitação dos
núcleos; e abrir, com prefeituras, novos núcleos para as redes
municipais, trabalhando também com multiplicadores. Queremos que esse
projeto seja um processo de aprendizado nas diferentes políticas
públicas, em políticas setoriais, nos preparando para uma aceleração
dessa discussão.
Finalmente, o grupo, discutindo com o pessoal das operadoras de
telefonia, da indústria e de consultorias, percebeu que não há, nos
setores envolvidos com as TIC, um projeto estratégico, capaz de ter a
contribuição dos diferentes atores. A pergunta que o grupo está se
fazendo é se ele consegue produzir um fórum permanente, capaz de
oferecer, ao novo governo a ser eleito em 2006, um projeto estratégico
de inclusão digital, de conhecimento, com as suas derivadas, políticas
industriais e tecnológicas.
"A indústria não tem o
computador barato,
porque não interessa.
Por não interessa?
Temos uma população
no mundo de 6 bilhões;
destas, 1,2 bilhão têm
dinheiro e 4,8 bilhões
não têm. As que têm
conseguem pagar o
preço de um PC"
Mário Ripper, consultor. Mario Ripper • Tenho um pouco de medo de que, ao tentarmos coordenar
todas as dinâmicas desse país, nada aconteça. Estou convencido de que
essa história de que a barreira do preço vai ser quebrada pela dinâmica
do mercado é conversa. Destaco dois fatos. O Craig Barret (chairman do
board da Intel), disse, lá na Índia, que esse projeto era uma besteira;
e o Michel Dell (fundador e CEO da Dell Computadores) também. Na hora
em que dois dos sustentáculos da indústria de computadores tentam dizer
que esse negócio não presta, acho que eles já estão caracterizando que
não vão brincar nesse brinquedo. A matemática está clara. Temos esse
mercado de reposição de 1,2 bilhão de micros. Uma máquina típica custa
cerca de US$ 1 mil. É um monte de grana. O que a cadeia de produção vai
ganhar, se baixar o preço? Se a Intel quiser mexer nessa história, já
vai ser um rolo. A AMD, mesmo com o pique dela, quando a gente conversa
sobre o laptop, diz: não posso caracterizar isso como PC, senão vou
ofender os clientes que compram o meu chip. Há uma dinâmica estrutural
extremamente difícil de ser quebrada, e acho que, agora, é uma
oportunidade. O que eu faria? Simplificando: vou negociar com o
Negroponte. Primeiro, tentar não atrapalhar. Se eu misturar 500
questões – tem que ser feito aqui, tem que ter isso, tem que ter aquilo
–, se criar tantas condições, e se o governo chinês incluir outras
tantas, e o hindu outras tantas, o projeto morre. É preciso tomar
cuidado de não complicar. Segundo, vou estabelecer alguns índices de
performance: se você me entregar isso de tal e tal maneira, eu topo.
Então, eu, governo brasileiro, topava; e topava com poucas restrições –
só com restrições que me permitam uma dinâmica futura, mas que não
impeçam a primeira rodada.
Victor Mammana • Mário, o que você ia negociar com o Negroponte?
Mário Ripper • As condições mínimas de funcionalidade, preço e prazo. A
fabricação vai ser na China? Que seja, a menos que você diga: eu quero
ter chance de o Brasil brigar pela fabricação, alguma condição dessas.
Acho que o Brasil não consegue competir com Taiwan, pelo menos nesse
primeiro round. Mas sejamos simples. Senão, vamos acabar matando a
chance de, agora, ao menos quebrar esse paradigma, o que já daria
uma condição fantástica à educação. Será uma tremenda ajuda. Entre isso
e colocar os laptops nas mãos dos alunos, e fazer com que tudo
funcione, vai uma grande distância. Tem dez outras ações a serem
feitas, e são complicadíssimas. Estamos falando de 55 milhões de
alunos. Se eu tiver 1 milhão agora, ainda tenho energia, depois, para
avaliar o que fazer; quebrou-se o paradigma de uma certa maneira, e aí
talvez se vá fabricar o dispositivo no Brasil. O Carlos Rocha chega com
um modelo mais bonito: ótimo, vamos continuar fazendo a dinâmica.
Por último, não estamos falando de uma montanha de dinheiro. Nem vou
falar do Fust. O Fistel recolhe R$ 2 bilhões/ano, a Anatel custa R$ 400
milhões, sobram R$ 1,6 bilhão. Estamos tratando de um computador a US$
100, vezes 1 milhão de computadores, são US$ 100 milhões, ou R$ 220
milhões. O Fistel paga dez vezes isso. Para o governo brasileiro criar
uma dinâmica como essa, comprar 1 milhão de computadores de US$ 100 não
é nada.
Victor Mammana • Mas não tem nada que o Negroponte possa oferecer que outros não possam.
Mário Ripper • Mas ele tem grande capacidade de articulação e negociação mundial, com governos e empresas.
Victor Mammana • Ele não tem nada, ele tem uma caixinha verde com um computador embaixo da mesa.
David Cavallo • Mas Victor, considere a questão do preço: você consegue
fazer 6 milhões de unidades, imediatamente? Se puder ser feito no
Brasil, e for melhor, tudo bem. Mas a economia de escala ninguém vai
conseguir sozinho. Nós, do MIT, não estamos entrando no negócio da
computação. Estou falando em trabalhar com crianças, para permitir a
elas aprender. A credibilidade é outro fator. Antes desse tema ser
debatido em Davos (Fórum Econômico Mundial), ninguém estava falando
sobre isso.
Victor Mammana • Temos o movimento do software livre e outros, que
partem de comunidades da sociedade. Não seria melhor ter um programa
que funcione articuladamente, do que ter essa caixa preta? Porque é uma
caixa preta, pelo menos foi, nos últimos quatro meses. Agora, estamos
aqui, abrindo o debate, e você representa essa proposta. Devemos somar
a capacidade de liderança do Negroponte com outras pessoas, para chegar
àquilo que deverá ser feito, uma solução aberta. Quem vai participar do
conselho diretor do OLPC? O Brasil quer saber como esse modelo de poder
será definido.
Hugo Valério • A discussão é muito interessante, mas quando se fala em
levar tecnologia para todos, através de um sistema de educação,
identifico três pilares – o educador, o conteúdo e o acesso. O acesso é
hardware e telecomunicações. Quem deve determinar a especificação são
pessoas da educação, que entendem o que esse mercado precisa e o que
vai comprar. O primeiro passo seria deixar que o pessoal da área de
educação definisse a questão do conteúdo, como os educadores serão
treinados e qual é o meio de acesso para isso. Estamos numa situação
inversa, em que o rabo está tentando balançar o cachorro. E por que não
fazer essa caixinha, se é que é uma caixinha a ser concebida, no
Brasil? Por que vamos gerar emprego na China? Dispomos de uma indústria
instalada, com capacidade, competência, e que pode gerar muitos
empregos. Cito o Computador para Todos, uma situação fantástica. Lembro
de uma época em que um PC custava US$ 5 mil. Hoje, o Computador para
Todos custa cerca de US$ 500. Isso, porque temos uma carga tributária
no país da ordem de 40% do PIB (Produto Interno Bruto). Se fosse menor,
talvez custasse menos.
ARede • Num de seus textos, Seymour Papert se pergunta por que a
educação não sofreu revolução no último século, ao contrário dos
transportes e das comunicações. Como é que o uso do computador pode
revolucionar a forma de educar?
"Na área de educação,
em geral, as soluções
são como receita de
bolo-todas as escolas
precisam fazer tudo
do mesmo jeito. Se for
assim, vai continuar
tudo igual: todo mundo
tem que colocar as
mesas na mesma
posição. Trata-se de
mudança de atitude".
Roseli Lopes, da
Poli/USP.Roseli Lopes • O grupo que está propondo esse projeto do laptop de US$
100 não é da engenharia. É um projeto de Educação. Sou engenheira, mas
meio metida a querer entender de educação. No nosso país, havia a
tradição, até pouco tempo atrás, de não se dar atenção ao que realmente
é educação. Mais recentemente, o assunto está em moda e não é à toa. O
governo acabou de fazer um estudo com comunidades diferentes, para
identificar quais são os principais problemas do Brasil. O número um,
para comunidades de mais alta e de menor formação, foi qualidade na
educação.
A gente vem num processo de depreciação da escola pública, como se ela
fosse pior do que a privada. Dos 55 milhões de estudantes que nós
temos, apenas 5% se encontram em escolas privadas. O nosso problema de
educação é muito sério. O professor não acredita que a escola é
transformadora. Precisamos voltar a Paulo Freire (educador brasileiro,
autor de “A Pedagogia do Oprimido”). Segundo ele, a escola é um
excelente aparelho, que está em todas as cidades do Brasil, com ou sem
laboratório de informática, isso não importa, mas que precisa ser um
espaço de transformação social. Quando a gente fala do computador, está
focalizando o tempo todo o conteúdo – a necessidade de termos conteúdos
de referência, informação qualificada. Mas quem deve produzir os
conteúdos, principalmente no ambiente de aprendizagem, são as crianças
e os professores. Se eles não aprenderem que têm capacidade de autoria,
que cidadãos nós estamos criando, aqueles que na era industrial
apertavam todos o botão para o mesmo lado? Hoje, o importante é a
diversidade, porque, sendo diferente, a gente consegue fazer coisas
interessantes.
David Cavallo • Essa proposta não é uma proposta tecnológica, e sim de
educação, que envolve o papel da educação na sociedade moderna.
Queremos ver exemplos bons de como usar a tecnologia para a educação, o
que difere, quando você tem acesso total e não apenas acesso para uma
parcela de pessoas. O Brasil é importante também porque poderá mostrar
o que é possível fazer, em termos de tecnologia e desenvolvimento da
educação, para outros países. Mas nós queremos fazer tudo que o Brasil
quer fazer, em termos de tecnologia e de produção local. Queremos que a
proposta seja disseminada, por isso está sendo aberta. Mas, quando a
gente diz “produzir”, cuidado com a terminologia. Quanto de um
computador produzido por uma empresa aqui do Brasil é brasileiro? Onde
está o capital intelectual? Aí está o ponto-chave. Onde se vai fazer o
investimento para o futuro? Na HP, eu sei que o lucro não vem da área
de fabricação de hardware, mas dos serviços. Hardware é uma commodity
no mundo todo. Cadê esse enfoque? Há grandes possibilidades de
desenvolvimento de software e para o capital intelectual, por exemplo,
nos portais e no apoio e treinamento de professores. O maior
conhecimento e as melhores margens estarão nessas áreas.
ARede • Victor, o que você quis dizer com seu questionamento sobre a caixa preta?
"Apesar de considerar
que esse é um programa
de educação, não consigo
vê-lo desvinculado da
política industrial, até
porque quero que ele
seja sustentável".
Victor Mammana, do
CenPRA.Victor Mammana • Não havia participação brasileira no processo
decisório. A presença do David Cavallo, aqui no Brasil, é um indicativo
de que estamos começando a abrir o debate, mas ainda temos que entender
mais. Antes, havia um modelo de formação de uma ONG, e o poder de
decisão tinha que estar no MIT. Esse modelo está evoluindo a cada
semana – é uma característica do Negroponte, e acredito que vamos
chegar a um ponto em que realmente exista um programa que represente os
anseios da sociedade no MIT. Por enquanto, está em evolução. Esse
programa, para quebrar o paradigma, depende de um financiamento forte
do governo brasileiro. Não estou dizendo que é um defeito, porque,
afinal, educação é obrigação do Estado. Eu não acho que o investimento
proposto pelo MIT seja pequeno; tem volume para viabilizar a indústria
de componentes no Brasil. Esse programa torna a educação brasileira tão
dependente da cadeia produtiva de bens de informática, não só de
serviços, que, se você não a estruturar para poder atender à demanda,
ou o programa fica inviável, ou passamos a depender de bens e serviços
de fora, prejudicando, com isso, as decisões sobre o próprio processo
educacional.
Cezar Alvarez • Estamos refazendo o “contrato”, digamos assim, com o
MCT e os três centros (Cenpra, Fundação Certi e LSI), e com o MIT, para
passar de um projeto de validação à ampliação dos prazos e ao
desenvolvimento de alguns subprojetos, de forma acordada, em qualquer
esfera a ser aprofundada, agora, com o David. Continuamos a ampliação
do debate com a área pedagógica e industrial – desenvolvedora de
software e dos demais componentes. Esse projeto para 2006, dos
laboratórios escolares, representa, em um ano, o que nós propusemos em
três. Esperamos que ajude a criar uma base, principalmente na área
pedagógica, de desenvolvimento de aplicativos. E a preparar a escola e
os professores para o projeto que chegará em 2007, 2008, com dólares a
mais, dólares a menos, mas que é uma perspectiva incorporada pelo
governo brasileiro.
ARede • O que a indústria está deixando de fazer, se o governo contratar o produto do MIT?
Victor Mammana • O preço não vai cair porque aumentou a escala, o preço
vai subir. O display de 3,5 polegadas pode ser mais caro do que o de
sete polegadas, porque é mais para o PDA. Será preciso criar capacidade
produtiva local para atender o mercado. O que eu estou propondo é que
isso seja viável no Brasil. O item mais interessante é o display, que
tem maior valor agregado e é realmente um gargalo.
Marcelo Zuffo • Display é uma questão mal resolvida, a economia do
display é complexa. O MIT tem a tecnologia E-ink que, supostamente, é
mais barata e resolveria a questão. Quando você pensa num laptop de US$
100, sabe-se que um produto como esse tem um ciclo de desenvolvimento
de 24 meses, e só estamos na metade. O grande dilema é que trata-se do
primeiro laptop de US$ 100. Talvez apresente problemas, mas ele quebra
o paradigma, tem que arriscar, dar o primeiro passo. É claro, dentro de
uma estratégia de inovação, você ter tecnologias de display novas e
mais baratas. Um laptop de US$ 100 significa um terço do custo da
tecnologia do display, ou de microprocessador. Há muita inovação
recente nessas áreas. Temos evidências de que, quando dizemos laptop de
US$ 100, estamos somando a lista de matérias-primas. Na cadeia
industrial brasileira, esse laptop custaria quatro vezes mais.
ARede • Devido aos custos de distribuição, pós-venda e serviços?
Marcelo Zuffo • Tudo isso e impostos. Um programa como esse tem que ser
apoiado por outros cenários complexos do país. O Brasil tem uma
política industrial, que define semicondutores e software como áreas
estratégicas. Por isso, não podemos deixar de montar esse programa,
puxado pela educação, é claro, mas sustentado pelos pilares da política
industrial. O que eu discordo é do foco no display. Mas, no Brasil,
temos que definir as nossas prioridades. O laptop de US$ 100 é um
programa relevante para o país, e todos os mecanismos da sociedade e da
política industrial têm que ser ferramentas para viabilizá-lo o mais
rápido possível. Não gostaria de condicionar o programa ao
estabelecimento de uma capacidade em semicondutores.
Victor Mammana • Não estou condicionando. Mas, apesar de
considerar que esse é um programa de educação, não consigo vê-lo
desvinculado da política industrial, até porque quero que ele seja
sustentável. Ninguém discutiu a questão dos impostos. Na hora em que
chegar, o laptop vai custar no mínimo, pela lei, US$ 250.
David Cavallo • Quanto ao display, não estamos usando a tecnologia
E-ink, porque ainda não estaria adequada. Poderia estar em 2015, ou em
2008. Mas isso não é argumento para dizer que o produto não funciona.
Existem outras tecnologias. A questão está aberta. A que for melhor e
de menor preço, na época, é a que vai funcionar. Se tivermos uma
máquina de US$ 200, sem perda de desempenho, perfeito. O que queremos
ver é como a iniciativa vai se desenvolver. Mas acusar o processo de
ser uma caixa preta é um erro. A idéia não era evitar a participação
das pessoas. Nós erramos, demos a impressão de que éramos muito
fechados. Queremos que o processo seja transparente e aberto, com
colaboração, no software e no hardware. Não há nenhum acordo formal
entre a OLPC e o Brasil, é um entendimento mútuo, que vale a pena. E
vamos tentar fazer a coisa funcionar.
Roseli Lopes • A gente quer a indústria brasileira mais proativa; que
ela possa criar, como se cria em torno do Media Lab, um ecossistema de
inovação. Em que você inventa, e não fica esperando na janelinha, só
para ver se vai conseguir replicar e se vai ter algum ganho econômico.
Esse é um processo de transformação social. Para a educação, se esse
primeiro 1 milhão de laptops, capaz de provocar esse sistema, vai ser
feito em Marte, não faz diferença. Precisamos ter os melhores
instrumentos agora, para poder dar um salto tecnológico. Se formos
esperar para fabricar os 54 milhões de computadores daqui a não sei
quantos anos, perdemos a oportunidade de liderar esse processo de
transformação.
ARede • Num dos modelos propostos, o governo, em vez de comprar o
computador, paga por um serviço que a indústria ainda vai desenvolver.
Definir, a priori, o que e como o computador vai ser usado não limita a
criatividade?
Marcelo Zuffo • O modelo será o que atender o domínio econômico.
"A discussão está muito
focada no hardware.
Não podemos esquecer
que essa máquina vai
necessitar, obviamente,
de conexão, que é
escassa no país".
Samuel Lago, Positivo.Roseli Lopes • Na área de educação, em geral, as soluções são como
receita de bolo – todas as escolas precisam fazer tudo do mesmo jeito.
Se for assim, vai continuar tudo igual: todo mundo tem que colocar as
mesas na mesma posição. Trata-se de mudança de atitude. Se precisar, a
gente leva sucata, leva os nossos computadores e consegue desenvolver
alguma coisa ampliando linguagens. Em São Paulo, tivemos uma
experiência com 150 escolas. Cada uma teve liberdade de propor o
horário das oficinas, se iam trabalhar com os melhores ou com os piores
alunos – de acordo com parâmetros próprios, se os professores iam usar
horário de aula ou extracurricular. Temos que respeitar a diversidade.
Não podemos ter a pretensão de impor um modelo. O uso do computador é
sempre considerado como um elemento de expressão. Você amplia essa
dimensão – está compartilhando. Quando falamos em prestação de
serviços, esse serviço de informação qualificada poderia vir do MEC; ou
de empresas contratadas pelo ministério em diferentes segmentos. Esse
movimento tem que gerar um ecossistema, que cria empregos e reúne
pessoas com qualidade, fazendo projetos de educação. Se forem atrelar o
sistema de comunicação de um determinado fabricante a determinado
produtor de conteúdo, todas as escolas terão que fazer tudo do mesmo
jeito. E não é essa a abordagem que se defende.
David Cavallo • Concordo com a Roseli. Queremos deixar cada escola
decidir o que deveria implementar. O impulso inicial é do governo, mas
a continuidade e a melhoria do programa virão das pessoas interessadas.
É muito significativa a possibilidade de dar um computador para cada
pessoa. Destrava a criatividade de cada um, e quem pode prever no que
isso vai dar? Tudo vai depender de uma base constante de financiamento?
Eu não sei, talvez sim, talvez não. Há um papel para o governo, sim, e
estamos trabalhando com ele. Mas o que é mais importante: a nossa
experiência ou esse exemplo de São Paulo? Daqui a alguns anos, não será
o mesmo governo aqui em São Paulo. Onde está a inovação, onde está a
continuidade, de onde virão as novas idéias? Acreditamos na
multiplicidade da cadeia e no senso de responsabilidade das pessoas.
Haverá gente boa trabalhando com esses laptops, no Ceará, ou no Sul. Em
cada comunidade, surgirão novas idéias. Como é que a gente coleta os
bons projetos e os dissemina? Não é um grupinho que vai dizer o que
todo mundo tem que fazer. O benefício desse processo é que pode ser
muito democrático. Esses modelos, de fato, têm de formar um ecossistema.