Prêmio ARede 2007 – Personalidade do Ano | O arauto da cultura digital

Gilberto Gil é eleito Personalidade do Ano, por seu trabalho em defesa da cultura digital e da democratização do acesso à internet.


Gilberto Gil é eleito Personalidade do Ano, por seu trabalho em defesa da cultura digital e da democratização do acesso à internet.


Gil, em Seminário Internacional sobre Diversidade Cultural.


ARede nº31 novembro 2007 –
O ministro da Cultura e músico Gilberto Gil recebeu o maior número de votos, entre 13 indicações à Personalidade do Ano do Prêmio ARede 2007. A premiação quis homenagear alguém que tenha contribuído de forma decisiva e marcante para a inclusão digital no país e para o movimento pela democratização do acesso à informação por meios digitais. Nesse sentido, Gilberto Gil fez diferença, ao abrir várias frentes simultâneas de batalha, todas articuladas com o propósito de promover a cultura digital. Ou seja, a aplicação das novas tecnologias para descentralizar a produção artística e cultural, a geração e recepção de conteúdo, e, finalmente, distribuir a riqueza do país, por meio da valorização da diversidade regional e do desenvolvimento local. Atuou pela inclusão digital, pelo software livre, pelo projeto da TV pública, acendeu o debate sobre direitos autorais, e tem cobrado pressa na definição de um plano nacional de banda larga, tema que foi título de canção recente, do show e da turnê internacional.

“Embora há alguns anos o virtual fosse considerado não-real, é agora uma das nossas mais verdadeiras realidades”, observou o ministro, durante o Seminário Internacional Criatividade e Inovação na Cultura Digital, organizado pelo sociólogo Manuel Castells, na Universidade de Sevilha, na Espanha, em maio deste ano. Na ocasião, apresentou os fundamentos do Cultura Digital, programa desenvolvido pelo MinC: “Essa experiência tenta estabelecer um novo ponto de vista cultural, a partir do qual a criatividade simbólica é projetada além da produção individual, tornando-se um processo coletivo.” Mais: “O que chamamos Cultura Digital é uma possibilidade aberta para avançar na expansão das fronteiras que limitam dramaticamente o acesso à informação e à tecnologia”.

Inauguração da Praça da Bandeira, no município de São Cristóvão (SE)Por isso, afirmou, o Cultura Digital, dentro do MinC, trabalha induzindo o questionamento sobre essas novas realidades, e associando esse debate a ações práticas, no programa Cultura Viva, dos Pontos de Cultura (atualmente, cerca de 600 no país). Nos Pontos, os artistas populares são equipados pelo ministério com ferramentas multimídia para pesquisar novas linguagens, fazer o intercâmbio entre ações apartadas geograficamente, e ampliar o alcance das obras, postas a circular em rede. “Hoje, no Brasil, temos comunidades tradicionais, como tribos indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas gravando suas músicas em CDs ou registrando em vídeo seu trabalho e sua cultura”, destacou o ministro. “Eu desejo que o Cultura Digital possa ser esse campo libertário. Que todo indivíduo possa ser o centro de sua própria percepção, possa ser a fonte de sua produção. (…) Que muitas redes possam derrubar muros e demolir as barreiras que estigmatizam e mantêm separados aqueles que não são capazes ou não querem navegar no mainstream. Eu desejo que Cultura Digital possa ser a chave para construir a nossa utopia.”


Direitos autorais

Noutra ponta, e com o mesmo propósito de liberar a cultura brasileira que fica fora do “mainstream”, o ministro Gilberto Gil  mobilizou a sociedade civil para debater a criação de uma TV pública, proposta pelo governo federal. Diversos segmentos sociais foram chamados a produzir um amplo diagnóstico do setor, que garantiu consistência ao I Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em maio, onde se produziu a Carta de Brasília-Manifesto pela TV Pública Independente e Democrática.

Um novo fórum começa a ser preparado pelo MinC para fazer, agora, o debate público sobre os direitos autorais. Vespeiro inevitável, a ser encarado, de acordo com Gil, com a perspectiva dos novos suportes digitais. “Passados dez anos da última alteração da Lei Autoral brasileira, é hora de a sociedade pensar se é necessária uma atualização”, escreveu em artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo”, em setembro deste ano. “São muitas as insatisfações com o atual modelo, a começar pelos autores, que não se sentem inteiramente protegidos, nem bem remunerados. E acrescentemos o desafio dos novos modelos de negócios em base digital e, também, o aprofundamento da democracia e o desejo dos brasileiros de acessar a cultura, como parte de sua formação humana integral.”

Gil é contra a pirataria, mas também se opõe a medidas de proteção tecnológica (os chamados DRM), na sua avaliação ineficazes para remunerar artistas e investidores, ao mesmo tempo em que cerceiam “as liberdades produzidas pela própria tecnologia”. Para permitir a maior interação entre diferentes conteúdos e o reequilíbrio dos direitos — recuperando o direito cidadão de ter acesso à cultura —, Gil tem levantado a bandeira do autogerenciamento de direitos e da autonomia autoral. Por exemplo, por meio de modelos de licenciamento como os da organização Creative Commons, que permitam maior circulação das obras, prevendo a sua reprodução não-comercial. Durante a turnê Banda Larga, os espectadores foram liberados a filmar, gravar, fotografar, e a enviar pela rede o material obtido.

Em julho, Gil foi ao 17º Festival Latino-Americando, em Milão, quando declarou à agência de notícias Ansalatina que “a cultura com um todo, e principalmente a música, devem se tornar livres e compartilháveis, como fazem os desenvolvedores Linux”. Aliás, os kits multimídia oferecidos pelo MinC aos Pontos de Cultura são baseados em plataformas abertas e softwares livres.

O programa Cultura Viva fomenta o registro da cultura popular em mídia digital. Na foto, com o mestre Nelson da Rabeca, em Alagoas Gil foi pioneiro ao liberar obras em Creative Commons, estimulando as fusões artísticas. No site do músico já acontecem experimentações concretas de construção compartilhada de obras. Uma delas é a própria marca Banda Larga, identidade visual criada para o seu mais recente trabalho, também regulada por licença Creative Commons e liberada aos internautas, a quem o site recomenda: “faça a sua própria versão da marca Banda Larga ou invente a sua própria mensagem com o kit Message Builder”. Estão disponíveis no portal bases vocais e instrumentais em mp3, além de uma série de remixes criados a partir de músicas de Gil, para quem quiser fazer o seu próprio remix ou mashup. O uso comercial das músicas ou bases postadas no site, contudo, é proibido.

Antena das transformações sociais, Gilberto Gil reflete sobre a tecnologia desde os tempos da Tropicália, com Cerébro Eletrônico e Futurível (69), passando por Cibernética (74), Parabolicamará (91), e Quanta (97). Há mais de dez anos, em 96, abriu o seu site e foi o primeiro a lançar uma música “Pela Internet”, literalmente. “Nos anos 60, escrevi uma canção sobre o ‘cérebro eletrônico’, que pode fazer tudo, mas não pode falar. A canção fala sobre o computador, incapaz de sentir. Hoje, no Ministério da Cultura, estou certo de que nós temos que humanizar essas tecnologias politizando-as. Fazendo delas instrumentos políticos para a sociedade e para todos os cidadãos”. A mais recente iniciativa de impacto do MinC foi o lançamento do programa Mais Cultura, que prevê investimentos de R$ 4,7 bilhões até 2010. Segundo o ministro, “uma lógica clara une as ações: investir no universo simbólico do país como pressuposto para combater a enorme desigualdade entre regiões e dentro das regiões”.

Cérebro Eletrônico

“O cérebro eletrônico faz tudo
Faz quase tudo
Faz quase tudo
Mas ele é mudo
(…)
Só eu posso pensar
Se Deus existe
Só eu
Só eu posso chorar
Quando estou triste
Só eu

Eu cá com meus botões
De carne e osso
Eu falo e ouço. Hum
Eu penso e posso
Eu posso decidir
Se vivo ou morro por que
Porque sou vivo
Vivo pra cachorro e sei
Que cérebro eletrônico nenhum me dá socorro
No meu caminho inevitável para a morte (…)”

Futurível

“Você foi chamado, vai ser transmutado em energia
Seu segundo estágio de humanóide hoje se inicia
Fique calmo, vamos começar a transmissão
Meu sistema vai mudar
Sua dimensão
Seu corpo vai se transformar
Num raio, vai se transportar
No espaço, vai se recompor
Muitos anos-luz além
Além daqui
A nova coesão
Lhe dará de novo um coração mortal (…)”

Cibernética

“(…)Eu não sei quando será
Cibernética
Eu não sei quando será

Mas será quando a ciência
Estiver livre do poder
A consciência, livre do saber
E a paciência, morta de esperar (…)”

Parabolicamará

“Antes mundo era pequeno
Porque Terra era grande
Hoje mundo é muito grande
Porque Terra é pequena
Do tamanho da antena
parabolicamará

Ê, volta do mundo, camará
Ê, ê, mundo dá volta, camará (…)”

Pela Internet

“Criar meu web site
Fazer minha homepage
Com quantos gigabytes
Se faz uma jangada
Um barco que veleje

Que veleje nesse infomar
Que aproveite a vazante da infomaré
Que leve um oriki do meu velho orixá
Ao porto de um disquete de um micro em Taipé (…)”

Quanta

“(…)Sei que a arte é irmã da ciência
Ambas filhas de um Deus fugaz
Que faz num momento
E no mesmo momento desfaz
Esse vago Deus por trás do mundo
Por detrás do detrás

Cântico dos cânticos
Quântico dos quânticos”