Cooperativa de jovens desenvolvedores de software torna-se núcleo de excelência tecnológica em favela de Fortaleza
ARede nº 31 novembro 2007 – No Pirambu, vivem 350 mil pessoas. Pirambu, em tupiguarani, quer dizer peixe-roncador. O que ronca, aqui, no entanto, não é o ronco do sono, mas o ronco da cuíca, do movimento. O principal objetivo do projeto Pirambu Digital, vencedor do Prêmio ARede 2007 na modalidade Terceiro Setor, categoria Organização Não-Governamental, dá a medida de sua ousadia e da inovação que suas propostas representam. Os jovens que integram o projeto querem fazer do Pirambu, uma favela de Fortaleza, onde vivem 350 mil pessoas, um modelo de inclusão social com tecnologia digital. Como? Em primeiro lugar, validando uma metodologia baseada na ação criativa e solidária do jovem, permitindo-lhe apropriar-se de seu entorno social. Em segundo, provando que a tecnologia digital é fundamental na democratização das oportunidades nas comunidades de baixa renda. Em terceiro, quebrando paradigmas, um deles ao mostrar que “desenvolvimento de software pode ser feito em qualquer lugar, desde que haja oportunidade”, como descrito no formulário de inscrição do projeto.
Pirambu Digital é um empreendimento formado pela parceria entre o Centro Federal de Educação e Tecnologia do Ceará (Cefet-CE) e o Movimento Emaús Amor e Justiça, ONG católica que atua no bairro. Começou antes mesmo de ser formado. Em 2003, com recursos da LG Electronics, por meio da Lei de Informática, jovens da comunidade, estudantes das escolas públicas, fizeram um curso de reforço ao ensino médio para se preparar para o vestibular dos cursos técnicos do Cefet-CE. Na ocasião, 120 jovens conseguiram entrar nos cursos de Desenvolvimento de Software e Conectividade. A renda média dos selecionados era de 25% do salário mínimo, e a renda familiar, de um a dois salários mínimos. Eles se formaram como técnicos em informática.
Ao final de dois anos, prestes a concluírem o curso, os jovens decidiram aceitar a proposta de Mauro Oliveira, então coordenador do Cefet-Pirambu, de restituir à comunidade o benefício recebido. E formaram uma cooperativa — a Pirambu Digital. Ao criar seu próprio negócio, os jovens não precisariam migrar para outras áreas da cidade, para trabalhar. Em janeiro de 2006, 52 jovens — os demais já tinham conseguido empregos ou estágios fora de Pirambu — toparam o desafio. Fundaram no segundo andar de um galpão, na sede do Emaús, três empreendimentos que resultaram na cooperativa. O Podes-Pólo de Desenvolvimento de Software; a Fácil-Fábrica de Computadores com Inteligência Local; e a Trevo-Treinamentos e Eventos.
Essas empresas dariam a auto-sustentabilidade da cooperativa e suporte a projetos sociais direcionados à comunidade. Entre eles: Casa do Saber (reforço escolar), Pirambu Business School (onde funciona o Clec-Centro de Línguas Estrangeiras do Cefet), Universidade do Trabalho (cursos preparatórios para os vestibulares de ensino médio e técnico do Cefet), Bila (Biblioteca Integrada à Lan House) e o Condomínio Virtual. Atualmente, cerca de 600 pessoas circulam diariamente pela cooperativa, para participar de cursos e para usar a Biblioteca Integrada à LanHouse.
Cerca de 600 pessoas circulam todo dia nos muitos cursos e ações comunitárias da cooperativa A cooperativa tem objetivos específicos: oferecer capacitação na área de TI para 120 jovens/ano; desenvolver sistemas, portais e soluções de redes de computadores; formar agentes digitais; formar crianças, jovens e adultos em informática básica e jovens do bairro em linguagem de programação de internet; preparar alunos para o vestibular; ampliar o acesso das famílias à internet por meio do Condomínio Virtual; ampliar o número de beneficiados pelo projeto Bila. Todos estão sendo cumpridos, de acordo com Bruno Queiroz, diretor da cooperativa, com exceção da ampliação do acesso de mais 20 famílias à internet através do Condomínio Virtual.
No Condomínio Virtual, a idéia é agregar várias casas da comunidade em condomínios, instalar uma antena receptora em uma delas para acesso à internet, e fazer dessa casa o síndico do condomínio. A meta é prover acesso a baixo custo. A principal dificuldade, contudo, tem sido a aquisição de computadores doados, a fim de serem restaurados e alocados nos Condomínios Virtuais. “Mas o projeto piloto deu certo” explica ele. Três condomínios foram implantados, com conexão da Fortalnet, a R$ 20,00 por mês para os usuários. Para ser replicado em escala, exige o apoio de um parceiro que financie os custos.
No primeiro ano de atuação, explica Bruno, “as principais dificuldades foram a entrada no mercado de trabalho, a estabilidade econômica, a criação de um modelo eficaz de coordenação das atividades relacionadas aos negócios e as relacionadas ao social, e a falta de profissionais para medir os impactos sociais, econômicos e tecnológicos promovidos pelo Pirambu Digital no bairro”. E as principais conquistas? “A constante motivação de todos os cooperados, a fim de criar uma equipe coesa, a realização de parcerias importantes, o reconhecimento das organizações públicas e privadas obtido pelo modelo empreendedor e socioeconômico criado no Pirambu, e, por fim, a estabilidade econômica”.
Entre os impactos na comunidade, os dirigentes da cooperativa destacam três. “O principal foi comprovar que um jovem de periferia pode ser feliz e realizado profissionalmente no seu próprio entorno social. O segundo é a conscientização das pessoas da comunidade de seu papel na transformação do seu bairro, pelo desenvolvimento de projetos sociais. O terceiro é a visão de uma nova esperança para o Pirambu na formação de jovens, outrora ociosos e vulneráveis à marginalidade, e da possibilidade de transformação socioeconômica das famílias, com a absorção dos jovens pelo mercado de trabalho”.
A cooperativa tem clientes como o Banco do Nordeste do Brasil e a Fundação Ana Lima (treinamento), o Instituto Brasileiro de Qualidade e Gestão Pública (desenvolvimento de software), o Instituto Atlântico, e pessoas físicas da comunidade (manutenção). Em três anos, os jovens querem quebrar outro paradigma, e “provar que um bairro periférico é capaz de contribuir com o PIB do Estado, através da tecnologia da informação”. Pirambu vai continuar roncando.