Educação a distância avança e atualiza debate sobre ensino superior de qualidade
Patrícia Cornils
Em um país de dimensões como o nosso, o ensino a distância (EAD) representa um poderoso instrumento para ampliar o acesso à educação. No âmbito do ensino superior, há muito a fazer. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) constatou, em 2007, que mais de 60% dos alunos diplomados no ensino médio não entraram para uma faculdade. E que apenas 12% da população brasileira tinha curso universitário, enquanto a média, nos países desenvolvidos, era de 40%.
O ensino a distância, que se apresenta como uma alternativa para vencer essa defasagem, vem crescendo com velocidade. Há cerca de dez anos, a Universidade Federal de Mato Grosso criou o primeiro curso de graduação a distância no Brasil. Hoje, o ensino superior nessa modalidade é oferecido por 97 instituições públicas e privadas, 1/3 das quais são universidades e centros tecnológicos federais. Nos últimos cinco anos, o EAD foi responsável pela abertura do maior número de vagas de graduação. Em 2003, de acordo com o Censo da Educação Superior, realizado pelo Inep, foram oferecidas 24 mil vagas, tendo sido preenchidas 4 mil. Em 2007, última estatística disponível, a oferta foi de um milhão e meio de vagas, com cerca de 370 mil matriculados.
O desafio, porém, está em garantir expansão com qualidade. Isso quer dizer, para começar, que os cursos a distância devem ter apoio de um pólo presencial com biblioteca, laboratório de informática e, se necessário, outros laboratórios. Os professores que preparam os conteúdos e os tutores locais devem ser capacitados especificamente para atuar em EAD. Ou seja, é necessário forte investimento pedagógico e financeiro.
“É inviável avançar em ensino universitário no Brasil sem ser com EAD. Pode não ser a melhor maneira. Mas, para cidades pequenas, é a única que existe, na escala que o país necessita”, constata José Manuel Moran, professor de Comunicação na Universidade de São Paulo (USP). O especialista em inovações na educação presencial e a distância diz que educação a distância não é uma moda: “Veio questionar a educação como um todo, obrigar a educação regular presencial a se repensar. A organização do ensino superior tem de mudar a partir da possibilidade de se aprender em rede, de interagir com pessoas em qualquer lugar”.
O perfil dos alunos também vem mudando ao longo do tempo, e mesmo cursos presenciais, hoje, fazem uso de recursos multimídia – blogs, internet. Não porque são mais divertidos, mas porque trazem mais informação. Com o passar dos anos, a fronteira entre as duas modalidades de ensino deve ficar cada vez menor. Com o ensino em rede, afirma o professor Fredric Litto, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), “a aprendizagem vem da discussão entre os alunos”.
Não na graduação
Para Lighia Horodynski-Matsushigue, professora do Instituto de Física da USP e coordenadora do grupo de políticas educacionais do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes), a EAD não deveria, de forma alguma, ser usada na primeira graduação, mas como complementação da formação, com rigoroso acompanhamento dos resultados. “O ensino presencial é fundamental, tanto mais com o ensino Médio que temos atualmente. Na USP, com classes pequenas e interação próxima, precisamos ensinar os jovens a estudar. Mesmo vindo de escolas razoáveis, eles estão habituados a dar respostas imediatas, sem fazer conexão entre informações”, explica ela.
Correção histórica
Um dos nossos maiores problemas educacionais, a formação de professores está no alvo da EAD. É a prioridade da Universidade Aberta do Brasil (UAB), iniciativa do Ministério da Educação que desde 2007 promove a oferta de cursos a distância ministrados por universidade em todo o país. “Há cerca de 600 mil professores do ensino básico em todo o território nacional, metade graduados em áreas distintas das que lecionam, ou sem licenciatura”, revela Celso Costa, coordenador da UAB.
Outra vertente da UAB que começa a ser implementada este ano é a melhoria da gestão pública federal, estadual e municipal. A universidade vai estimular a formação de gestores públicos. O Programa Nacional de Formação de Administradores Públicos será feito em parceria com 25 universidades federais, que vão oferecer bacharelados em administração pública e quatro cursos de especialização — gestão de organização pública, gestão pública municipal, gestão de organização pública de saúde e gestão de organização escolar pública. Os projetos pedagógicos dos cursos de especialização foram realizados em conjunto com a Escola Nacional de Administração Pública (Enap) e com a Universidade Aberta do SUS (Unasus). A UAB, hoje com 80 mil alunos, faz a articulação entre as universidades federais e as prefeituras e governos de estado interessados em implantar pólos. O ministério credencia as instituições de ensino, autoriza os projetos pedagógicos de cursos e credencia os pólos. A universidade não é exatamente aberta: para frequentar os cursos, nos 560 pólos existentes, os alunos precisam prestar vestibulares.
Até o final do ano, deverão ser implantados outros 290 pólos, não mais por meio de edital, como os anteriores. A seleção será por meio dos Planos de Ações Articuladas (PAR) dos municípios. Funciona assim: o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) condicionou o apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação à assinatura, pelos estados e municípios, do plano de metas Compromisso Todos pela Educação. Depois da adesão ao Compromisso, os municípios devem elaborar o Plano de Ações Articuladas. Todos os 5.563 municípios, os 26 estados e o Distrito Federal aderiram ao Compromisso. O PAR é o planejamento multidimensional da política de educação que cada município deve fazer para um período de quatro anos — 2008 a 2011.
A Unifesp desenvolveu um programa para o curso de técnicas cirúrgicas
1. Verificar no site do MEC se a instituição é autorizada a oferecer EAD e se o curso é certificado, ou seja, se o diploma será reconhecido pelo MEC.
2. Visitar o pólo presencial e conversar com os alunos. Principalmente na primeira graduação, a formação de um ambiente de ensino onde se pode encontrar outras pessoas do curso é fundamental – não apenas para aprender, mas para exigir qualidade de ensino.
3. A maior parte das instituições que oferecem cursos a distância também oferece cursos presenciais. Confira se são bons cursos.
4. Verificar as notas do curso no site do Inep, nos resultados do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade)
Em São Paulo
Nas universidades estaduais públicas de São Paulo, a EAD ainda engatinha na graduação. O conselho universitário da USP acabou de criar, no dia 10 de fevereiro, por 56 votos a 20, o primeiro curso de graduação a distância da instituição. Será uma licenciatura em Ciências. O vestibular está previsto para agosto, e as aulas devem começar em outubro. Serão 360 vagas, com pólos presenciais nos campi de São Paulo, Ribeirão Preto, Piracicaba e São Carlos. A ideia foi concebida há quatro anos. A preparação envolveu 12 docentes permanentes da universidade. Somado o pessoal especializado em EAD, a equipe foi de 20 pessoas. “Não é barato fazer EAD com qualidade”, declara José Cipolla Neto, coordenador do curso. “Nesse sentido, estamos na contramão das universidades privadas, cuja prioridade é aumentar o número de alunos com o mínimo investimento possível”, compara. O longo tempo passado entre a ideia de criar o curso e sua realização, porém, pode ter outros fatores, como o preconceito. “Tem muita gente que é contra. Existe uma pré-concepção de que um curso de EAD é sempre de menor qualidade, e isso não é verdade”, defende Cipolla.
A opção pela licenciatura em Ciências, que será um piloto para outras iniciativas de EAD na USP, foi porque não há outros cursos nessa área. Somente um, presencial, na própria USP. O curso será estruturado em torno de eixos temáticos, ao longo de oito semestres. “As Ciências Naturais são multidisciplinares por si só, portanto, o curso deve refletir essa característica”, explica Cipolla. Como não se pode conceber um curso de Ciências totalmente à distância, 48% da carga horária será presencial.
A iniciativa vai receber apoio da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), criada em 2008, da qual também fazem parte a Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ainda não há outros cursos no programa e os responsáveis pela Univesp não estavam disponíveis para conceder entrevista à revista ARede, de acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria de Ensino Superior do Estado de São Paulo, à qual pertence a Univesp.
Qualidade em foco
Depois de um crescimento acelerado da oferta de vagas em instituições privadas, o Ministério da Educação realizou pela primeira vez, no ano passado, a supervisão da qualidade do ensino. Isso resultou na interrupção de novas matrículas e na negociação de termos de saneamento com as quatro primeiras instituições fiscalizadas — Universidade do Norte do Paraná (Unopar), Universidade Estadual do Tocantins (Unitins), Centro Universitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi), de Santa Catarina, e Faculdade Educacional da Lapa (Fael), do Paraná. Foram desativados 1.337 pólos de ensino, com a transferência de 60 mil alunos para pólos próximos. As instituições têm prazo para se adaptar às condições estabelecidas pelo MEC, principalmente no que diz respeito à infraestrutura (computadores em rede, biblioteca) nos pólos. A Fael assinou um termo de conduta com o MEC em dezembro de 2008 e a Unitins ainda negocia. Ambas oferecem cursos por meio do consórcio Eadcon, um dos maiores do país no segmento de educação a distância.
O modelo praticado no Brasil é semipresencial. Prevê uma estrutura de pólos e obriga a realização três atividades obrigatoriamente presenciais: as avaliações de estudantes; os estágios obrigatórios; a defesa de trabalhos de conclusão de curso; e atividades relacionadas a laboratórios de ensino, em cursos que necessitam de experimentação. O MEC acredita que a democratização do acesso ao ensino superior deve vir acompanhada de uma estrutura inclusiva, como a oferta de acesso banda larga e computadores em rede em lugares onde, por enquanto, ainda não existem.
O pólo da cidade tem cursos
de quatro universidades federaisUm bom exemplo de pólo de EAD é o da cidade de Itapetininga (SP). O investimento para a criação do pólo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) faz parte de um projeto maior da prefeitura da cidade, de investir em educação para desenvolver o município e a região, o Vale do Ribeira, uma das mais pobres do estado. Cerca de 30% do orçamento da prefeitura são aplicados em educação, desde a creche até o ensino superior. Além de investir na implantação de uma unidade da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec) e de um Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet), para oferecer ensino superior presencial, a prefeitura apostou no projeto UAB.
Há dois anos, desapropriou um terreno de 30 mil metros quadrados e construiu um prédio de 2,3 mil metros quadrados para sediar o pólo. O local tem quatro salas para aulas presenciais, para 50 alunos cada, três laboratórios de informática, um auditório multimídia para aulas e pequenos eventos, biblioteca, duas salas de tutorias, quatro laboratórios científicos, um laboratório de educação musical e um de artes. O pólo da UAB de Itapetininga tem cursos de quatro universidades federais: Universidade Federal de São Carlos (Ufscar) — engenharia ambiental, tecnologia sucro-alcooleira, licenciamento em educação musical; Universidade de Brasília — quatro licenciaturas, em artes visuais, teatro, biologia, geografia; Fiocruz — três pós-graduações em saúde pública; e Unifesp, que concluiu no ano passado a primeira turma de formandos, de pós-graduação em informação em saúde, e oferece mais três pós-graduações. O pólo é frequentado por alunos de vários estados. “Eles ficam em hotéis, movimentam restaurantes e o comércio local, quando vêm participar das atividades presenciais”, conta Roberto Suardi, coordenador do pólo.
Em 2007, as atividades da UAB na cidade começaram com três turmas de cinquenta alunos cada. Este ano, 500 alunos participam dos cursos, e devem chegar a cerca de mil até o final do ano, com novos cursos oferecidos. “Queremos chegar a 20 cursos no pólo e realizar mestrados a distância, provavelmente com a UAB, a partir de 2010 ou 2011”, prevê Suardi. “Investir em EAD, além de todo o investimento feito em ensino presencial, foi uma questão de oportunidade. Como eu poderia, em dois anos, implantar quatro das melhores universidades do país em minha cidade?”, pergunta ele.
Suardi está satisfeito com a qualidade dos cursos, mas se preocupa com a evasão, que é de 40%. “Boa parte acontece porque o pessoal acha que os cursos são moleza. Não são, são extremamente bem preparados e com alto grau de exigência”, alerta. Outro problema, conta, é encontrar tutores de boa qualidade. Os tutores, que auxiliam os alunos, recebem bolsas do MEC, de R$ 500,00 a R$ 600,00. “Nosso pólo é privilegiado porque todos os tutores são formados na área em que atuam, mas não há regulamentação para a atividade nem formação específica”, conta ele. Como coordenador do pólo, Suardi recebe uma bolsa complementar de R$ 900,00, somada a seu salário como funcionário na prefeitura.
Apesar de criticado pela iniciativa privada, sob o argumento de que o custo de manutenção inviabiliza cursos onde não haja pelo menos 300 alunos por pólo, o sistema é elogiado por especialistas. “Para o aluno jovem, ou não habituado a ler, pesquisar ou sem formação básica adequada, é importante ter quem o oriente e pertencer a um grupo, porque ele ainda não tem autonomia”, avalia Moran. “Criar pólos com uma boa infraestrutura é fundamental”, diz ele. Mas não pode ser um princípio absoluto, ressalva: “Precisamos ter, também, soluções para quem não pode se deslocar para aprender. Vale a pena operar na direção do modelo semipresencial, mas deve-se deixar alternativas para atender a todos”. Na Universidade Metodista de São Paulo, todos os 14 cursos de graduação a distância têm uma tele-aula por semana, transmitida do campus de São Bernardo do Campo (SP) aos 37 pólos localizados em 15 estados. “É fundamental o aluno perceber que pertence a uma turma. Esse contato favorece o aprendizado”, explica Luciano Sathler, pró-reitor de Educação a Distância.
Criado em 2001, o curso de Técnicas Cirúrgicas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) é um módulo a distância dentro do curso de Medicina. O software de ensino, desenvolvido em código aberto, por equipe da universidade, faz simulações de procedimentos que vão desde o calçamento de uma luva até uma sutura. “Assim como um piloto treina no simulador de vôo, o médico deve treinar no computador, antes de pôr a mão no paciente”, diz o coordenador do curso, Daniel Sigulem. O curso tradicionalmente foi feito para acesso via internet, mas desde o ano passado foi criada uma nova ferramenta, que permite acesso por dispositivos móveis, como celulares.
Nos cursos particulares, a maioria dos pólos é terceirizada. Quando o crescimento disparou, a atividade era vista principalmente como um bom negócio. Muitos pólos foram abertos sem infraestrutura necessária ou compromisso pedagógico. “Trabalho com EAD desde 2005, quando entrei em uma sociedade para montar um pólo na minha região. Na época, o discurso dos representantes é de que seria algo a mais para agregar à escola em que trabalhava, uma segunda fonte de renda. Os tutores só precisariam ligar e desligar os equipamentos e todos os problemas seriam resolvidos pela equipe de tutoria deles, por e-mail, 0800. Só seria preciso disponibilizar uma sala de aula e mais nada”, depõe um dos participantes da lista de discussão EADBR (http://groups.google.com.br/group/eadbr?hl=pt-BR), para concluir que um bom ensino precisa mais do que isso.
Ele concorda que a atuação do MEC é importante para conter a expansão sem critérios. Mas observa que não há soluções simples, pois há demanda em todas as cidades. “Gastamos muito para estruturar de forma correta dois de nossos três pólos. O pólo que falta estruturar está a 30 quilômetros de nossa principal unidade. Foi aberto ‘sob pressão’ na época do boom e até hoje não encontramos espaço adequado para a instalação. A cidade tem 28 mil habitantes, temos 60 alunos nessa unidade e ela está no vermelho desde sua abertura. O que faremos com esses alunos? Simplesmente fechamos a unidade?”, escreveu para a lista.
Outro problema é a precarização do trabalho de ensinar. Não há cursos de formação para os tutores, por exemplo. Cabe aos tutores moderar as aulas, atender demandas de alunos, encaminhá-las aos professores. Sem prestar a devida atenção a essa questão, o MEC corre o risco de reproduzir o problema que quer erradicar: a atuação de profissionais que, mesmo tendo um diploma na área, muitas vezes não têm conhecimento específico suficiente, nem didática. Na opinião de Litto, as faculdades de Educação, no Brasil, “enfatizam apenas a teoria e não a mão na massa”. “Nem têm disciplina obrigatória de tecnologia educacional. Acha-se que o retroprojetor não é importante, não precisa aprender como usar um projetor de slides, de filmes, televisão”, critica o especialista, que é um dos fundadores da Escola do Futuro, da USP.
(*Colaborou Áurea Lopes)