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capa – Sinal aberto para a cidadania

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Sinal aberto para a cidadania

Com o avanço da conectividade móvel, a internet sem fio pública e gratuita se torna essencial para a inclusão sociodigital e a consolidação de serviços de governo eletrônico.
Texto Rafael Bravo Bucco | Fotos Robson Regato

ARede nº 91 – maio de 2013

Qual é a tecnologia de pouco impacto visual, que pode movimentar a economia local, gerar cidadania digital e colocar um município na lista das Cidades Digitais brasileiras? Para especialistas, a resposta é evidente: WiFi. A tecnologia sem fio, se implantada pelo poder público, leva acesso gratuito à internet banda larga e entrega ao cidadão uma cesta de serviços de governo eletrônico. As redes WiFi públicas eram um sonho distante no começo dos anos 2000. As prefeituras, os governos estaduais e o federal viam, no início da década, a construção dos telecentros como a principal medida de inclusão social de populações sem acesso a computadores. Hoje, a realidade é outra. Com um smartphone, ficou muito fácil e viável conferir e-mails, navegar na rede mundial, ou interagir nas redes sociais.

O telecentro continua a ser foco das iniciativas de inclusão sociodigital (ver página 18), mas, para muitos gestores, o problema mais urgente é conectar, com velocidade e qualidade, a maioria da população. A cidade de São Paulo, por exemplo, apesar do porte, demorou, mas recebeu atenção de um governante que promete botar o sinal na rua. A intenção é licitar, até julho, 120 hotspots que estejam funcionando em setembro. Esses pontos deverão oferecer acesso aberto, com previsão para exigência de cadastro, à velocidade de 512 kbps mínimos por usuário. O projeto foi a consulta pública no começo de maio, prevendo um loteamento para que diferentes empresas façam a gestão das redes da cidade. As empresas deverão garantir funcionamento 24h por dia, com limite de 5% de interrupção.

Esse tal de uáifai
WiFi é uma tecnologia para transmissão de dados a partir de ondas de rádio. O padrão WiFi foi criado por um grupo de empresas que se associaram em 1999, formando a Wi-Fi Alliance. O grupo hoje tem mais de 500 integrantes da indústria e mantém as pesquisas para garantir a evolução da conexão sem fio. Em 2011, a organização contava mais de 1 milhão de hotspots criados no mundo. A primeira versão da tecnologia oferecia velocidade de troca de dados de 11 Mbps. Atualmente, apesar não estar disponível ao público, troca até 1 Gbps. O padrão mais comum oferecido pelos programas municipais e estaduais permite velocidades de até 54 Mbps.

 

WiFi de qualidade, sem custo, é uma das premissas do plano federal de incentivo à digitalização da gestão dos municípios, o Cidades Digitais, do Ministério das Comunicações (Minicom), que está na segunda rodada. A primeira teve início em 2012, quando 80 municípios foram selecionados para receber infraestrutura de rede e uma série de modernizações em seus sistemas de TI. “Em janeiro deste ano assinamos os acordos de cooperação entre governo federal e prefeituras. Em fevereiro tivemos reuniões com os coordenadores, fizemos as pesquisas de campo e os projetos executivos”, diz Américo Bernardes, diretor de infraestrutura para inclusão digital da Secretaria de Inclusão Digital do ministério.

Ele conta que, até junho, haverá um programa de capacitação dos funcionários das prefeituras para uso dos aplicativos de governo eletrônico. A instalação da infraestrutura acontece a partir de agosto. O Minicom sugere que haja ao menos um ponto com acesso sem fio, com velocidade de 1 Mbps, por cidade. Se a prefeitura quiser, poderá instalar mais, por conta própria. O cadastro será obrigatório, mas ainda não foi definido quais informações pessoais serão exigidas.

A segunda rodada está na fase de seleção. Iniciada este ano, recebeu 1.898 inscrições. Desse total, cerca de 150 cidades selecionadas dividirão R$ 100 milhões para financiar conexão de órgãos públicos, implantação de aplicativos de gestão, capacitação de servidores para uso dos softwares, acesso da população a serviços de governo eletrônico e, claro, criação de pontos de acesso sem fio à internet em praças, rodoviárias, ou outros espaços de grande circulação de pessoas. São cidades com até 50 mil habitantes e que já possuem ao menos um provedor local ou conexão da Telebras.

Internetchê
Porto Alegre é uma das cidades que investiu cedo no WiFi. Em 2005 já tinha hotspots. Naquele tempo, pouca gente usava em público ou tinha dispositivos compatíveis com tecnologia sem fio. Agora, a cidade procura ficar à frente da demanda. Este ano, vai renovar os equipamentos dos 85 pontos de acesso, que poderão receber até 200 conexões simultâneas, todas com criptografia, e emitir sinal em um raio de 200 metros. Até então, cada ponto suportava 40 conexões, com sinal de 150 m de alcance. A velocidade do link varia de 2 Mbps a 10 Mbps.

“O sinal sempre foi aberto, mas pelo número de acessos que temos, chegou a hora de colocar algumas regras de uso”, conta Lafaiete Everardi dos Santos, gerente de operações da Procempa, empresa de tecnologia da informação (TI) da cidade. Para prevenir uso malicioso da rede – o que já aconteceu –, a ideia é pedir algum tipo de identificação. Como isso será feito, ainda não está claro. “Talvez a pessoa tenha que ir num quiosque, pegar uma senha. Outra possibilidade é receber login e senha juntamente com o IPTU”, diz Santos. Até que o formato seja decidido, não haverá exigência de identificação, nem um site que recepcione o usuário.

capa 1 220O WiFi causou transformações concretas na cidade. O Bairro Esplanada da Restinga, na periferia de Porto Alegre, a 40 km do centro, era isolado. Até 2005, ali não pegava celular. A população, de 130 mil pessoas, carecia de acesso a tecnologias comuns em outros bairros, como a banda larga. O zoneamento era praticamente todo residencial. Até que a Procempa apareceu com o WiFi livre. A conexão aberta estimulou o empreendedorismo. Surgiram lan houses nas proximidades dos hotspots. “Isso disseminou o conhecimento entre a população carente”, diz Santos. Hoje, operadoras levam planos de banda larga para o local. A própria Procempa fornece a empresas que foram para o bairro por causa da criação de uma infraestrutura de rede, gerando empregos e valorizando os imóveis. O WiFi grátis e aberto permanece.

Em Curitiba, o Instituto Curitiba de Informática (ICI) se orgulha de ter quase 90% da cidade coberta por redes WiFi abertas. São 91 pontos de acesso, 11 em parques, praças, no Mercado Municipal, e 80 nas escolas municipais. Renato Rodrigues, ex-diretor-presidente do ICI, explica que a rede foi implantada em duas vertentes. A primeira, em 2008, privilegiou os pontos turísticos da cidade e com grande circulação de pessoas. A segunda se aprofundou em 2012, quando foram instalados hotspots em mais oito áreas e se partiu para o acesso como ferramenta educacional, como complemento do Programa Um Computador por Aluno (ProUca). “Investimos nas escolas públicas para permitir que as crianças usem notebooks nas carteiras. Quando colocamos o WiFi gratuito, aproveitamos para iluminar o entorno, em um raio de 200 a 300 metros”, conta Rodrigues. A velocidade é de 256 kbps efetivos, ou seja, o usuário navega sempre com esse valor mínimo.

O serviço vem acompanhado de recursos de governo eletrônico. Cada cidadão deve se cadastrar, recebendo o chamado Passaporte Curitiba. “Para acessar, basta entrar com o CPF e colocar uma senha”, diz Rodrigues. Assim, as pessoas não apenas navegam na internet, como podem fazer reclamações por meio do 156 online, conversar por chat diretamente com atendentes da prefeitura, ou usar aplicativos desenvolvidos pelo ICI – como o Touch Economia, comparador de preços dos supermercados da cidade. Em três pontos, porém, a autenticação é dispensada: Mercado Municipal, Parque Barigui e na região da Matriz da Prefeitura.


 
 

Fronteiras unidas
O primeiro telecentro binacional do país foi aberto em 22 de maio, na cidade de Santana do Livramento. Iniciativa do programa RS Mais Digital, com parceria do Uruguai, inaugura uma série de seis binacionais, em parceria também com a Argentina. Até o final do ano, o governo gaúcho espera inaugurar um telecentro trinacional, em Barra do Guaraí, fronteira com Uruguai e Argentina.

Essa será uma das ações da estratégia de banda larga da Infovia RS, que chega à região. No telecentro de Santana, que terá estações de trabalho desktop e sinal WiFi aberto ao entorno, o link será de 10 Mbps. Gerenciado pela prefeitura, vai atender cidadãos das duas nacionalidades.

O usuário precisa fazer um cadastro. “O brasileiro terá acesso ao sistema em português; para uruguaios, o sistema entra em espanhol”, conta Cesar Telles, assessor da diretoria de Relações Institucionais e Inclusão Digital da Procergs, a companhia de Processamento de Dados do Rio Grande do Sul. Na versão em português, a tela de boas-vindas é um site com serviços de governo eletrônico. Na versão em espanhol, haverá informações daquele país. O acesso será gratuito e ilimitado. (Colaborou Áurea Lopes)

“As escolas estão todas interligadas. Montamos uma rede híbrida, em que todos os links chegam por fibra, interligando-as ao ICI”, diz o executivo. Nas escolas, o WiFi tem filtros para sites maliciosos ou de conteúdo adulto. No sinal aberto para a comunidade, porém, não há filtro. Cada escola tem uma conexão de 5 Mbps de velocidade, que até agosto de 2011 era de 512 kbps. “A gente já tem 25 mil pessoas cadastradas usando esses serviços regularmente, e cem novos se cadastram por dia”, afirma.  

Faltam ainda cem escolas para receber internet sem fio, o que deve acontecer até o final do ano. O custo de iluminar todas as escolas será de R$ 7 milhões. O passo seguinte é dotar os terminais de ônibus, que já dispõem de fibra óptica; faltam apenas os access points. “Vamos colocar em 22 terminais”, disse Rodrigues, que pouco antes do fechamento desta edição deixou o comando do ICI. A prefeitura pretende, também, nos próximos quatro anos, criar “ruas digitais” com extensão de 100 a 800 metros, nas principais vias dos bairros com maior carência de conectividade.

Também em 2008 teve início o programa BH Digital, de Belo Horizonte, tocado pela Prodabel, companhia de processamento de dados da capital mineira. Atualmente, o projeto tem 51 hotspots com link de 6 Mbps. Do total, 23 ficam em vilas e favelas, mas a intenção da prefeitura é aumentar o número para 50. Outros sete pontos ficam em praças e pontos turísticos. Até 2016, a meta é acrescentar 70 praças em regiões com população de baixa renda. Também há WiFi em 17 locais públicos, como a rodoviária, o centro de cultura e a biblioteca.

A demanda pelo acesso quase dobra ano a ano. Em 2010, foram cerca de 175 mil. Em 2011, 283 mil. Em 2012, 436 mil. Nos três primeiros meses deste ano, já foram 128 mil acessos. Para navegar, é preciso fazer um cadastro. Hoje existem 67 mil cadastrados. O tempo de navegação é ilimitado se o usuário está utilizando serviços de governo eletrônico. A navegação para outros sites, que não o da prefeitura, não pode passar de duas horas diárias.

Cruzando a floresta
A estratégia do WiFi como política pública de inclusão digital e governo eletrônico também pode vir do estado. No Pará, o governo criou pontos de acesso livre em 60 cidades. O projeto, chamado Navegapará, tem a missão não apenas de incluir, mas também de conectar municípios e facilitar a digitalização da administração pública. “A banda que chega a cada cidade alcança 300 Mbps”, conta Theo Flexa Ribeiro Pires, presidente da Prodepa, empresa responsável pela infraestrutura de comunicação e informática do estado. Os pontos de acesso são instalados em praças e orlas dos rios. Qualquer um pode se conectar, porém não é todo tipo de conteúdo que pode ser visto. “Fazemos uma gestão com filtro de material de pornografia”, observa. Os 150 hotspots cobrem 65% da população. Mas por enquanto, poucos aproveitam: são 3 mil usuários por dia. “Nos locais onde instalamos, aumentou o valor dos imóveis. Tem locais sem PNBL aqui no Pará, onde chega-se a pagar mais de R$ 1 mil por uma conexão de 1 Mbps”, diz Pires.

capa 4 220Cada hotspot recebe um link de 3 Mpbs, com conexão de 512 kbps no máximo (pode ser mais lenta caso haja mais conexões que a média). Até pouco tempo atrás não havia limitação, política revista por conta de abusos. “Houve denuncia de furto de sinal em alguns municípios, com instalação irregular de lan houses, por isso limitamos o acesso individual”, conta. A medida também foi feita para ampliar a capacidade de acessos simultâneos. “Prefiro ter 512 kbps por usuário do que abrir a conexão e a pessoa ficar disputando”, afirma.

A promessa é iluminar 90% da população até 2015. A vantagem de um plano estadual está na integração das redes. Além da criação dos pontos WiFi, o Navegapará conecta órgãos municipais, escolas, hospitais e delegacias. São cinco pontos de acesso para cada cidade. A escolha dos pontos fica a cargo da prefeitura. “Buscamos interagir com outros entes da administração pública para alinhar as iniciativas e criar uma rede que seja compartilhada, minimizando os gastos”, afirma Pires. Em vez de ter várias redes paralelas chegando a um mesmo lugar, é possível concentrar esforços e chegar mais rapidamente a pontos distantes da capital.

Em 17 dos 60 municípios a internet vem por fibra óptica. Nos demais, via rádio de alta capacidade, WiMAX ou rádio licenciado. “Não seria um modelo para levar ao resto do Brasil, porque aqui as distâncias são muito grandes e os custos muito altos. Nos outros estados há concentração grande de população. Aqui temos 1,4 milhão de quilômetros quadrados de superfície, com populações espalhadas. Não tem nenhum núcleo populacional de 300 mil habitantes antes de 700 km ao sul de Belém”, reforça Pires.

No Acre, com o projeto Floresta Digital, os usuários podem usar o sinal livremente, sem limite, mas precisam se cadastrar, inserindo CPF ou fazendo um “passaporte” digital no telecentro local. A velocidade de acesso é de 256 kbps, uma vez que a rede é compartilhada com órgãos do governo. Após as 19h, toda a banda é liberada para acesso do público, e alcança os 512 kbps. Das 22 cidades do estado, 17 têm pontos do Floresta Digital.

Cada hotspot fica em um telecentro, e o sinal chega a até 70 metros. Quem estiver mais distante pode receber o sinal em casa, desde que compre uma antena. A capital, Rio Branco, tem 90% de cobertura com seis pontos de acesso. O sistema, com 59 mil cadastrados, contabiliza de 6,5 mil a 7 mil acessos diários. No Amapá, a única instituição que tem projeto de levar internet gratuitamente para a população é o governo do Estado. No primeiro ano da gestão do governador Camilo Capiberibe, em 2011, foi lançado o Programa Conecta Amapá. Dentro desse programa encontra-se o Projeto Praça Digital, gerenciado pelo Centro de Gestão da Tecnologia da Informação (Prodap), órgão responsável por toda a tecnologia do governo estadual. O Praça Digital funciona desde o início de 2012. Os pontos de internet WiFi são colocados em praças públicas, sem exigência de senha e usuário. Atualmente são contemplados com o projeto a capital, Macapá, e Santana. Com a chegada da banda larga, prevista para o final desse semestre, o projeto será levado aos demais municípios.

O Rio Grande do Sul também promove inciativas de acesso público sem fio à internet. Um projeto nos chamados “territórios da paz” implantou um telecentro piloto, com desktops e sinal WiFi, no Morro Santa Tereza na capital. A proposta é abrir mais cinco telecentros nesse formato em zonas de conflito da cidade. O telecentro instalado no Museu do Carvão, em Arroio dos Ratos, também abriu o sinal para a área pública, chamada Praça Digital, com apoio do governo federal. Além disso, existem iniciativas pontuais, para eventos como o Festival de Balonismo de Torres, com acesso sem fio em todo o parque onde se realiza o evento; e o projeto Operação Verão Numa Boa, que no início deste ano abriu sinal em dez telecentros instalados nas orlas, disponíveis pra acesso livre e para serviços de e-gov.

O estado de São Paulo também investe, aproveitando a malha de telecentros do programa Acessa SP. Segundo o governo paulista, há 94 locais com WiFi aberto. O link em cada ponto varia de 512 kbps a 2 Mbps, que devem ser divididos entre os usuários. Estes precisam se cadastrar nas unidades do Acessa para obter login e senha. O uso é livre, por tempo ilimitado, para qualquer tipo de dispositivo com tecnologia sem fio.