Um programa especial para a educação
Com os MOOCs, o ensino a distância ganha amplitude, liberdade e abre possibilidades para a
construção conjunta do saber.
Texto Rafael Bravo Bucco | Fotos Robson Regato
ARede nº 96 – janeiro/fevereiro de 2014
Bruno Santos do Nascimento tem 17 anos e acaba de se tornar um técnico em eletrônica. Agora ele quer entrar na faculdade de engenharia. Pode ser no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) ou na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP). “Diploma” com o brasão da USP, ele já tem. Em dezembro, recebeu o certificado de conclusão de um curso livre de física básica. Nas 60 horas dessa formação, ele só foi ao campus universitário uma vez, pra fazer a prova final, presencial. As aulas foram transmitidas online. As dúvidas, tiradas pela internet. “Mas nem sempre o professor respondia”, lembra ele. O garoto fala com propriedade de quem conhece o assunto: já concluiu outros sete cursos no mesmo formato, chamado MOOC.
Novidade que ganha visibilidade dentro do conceito de ensino a distância (EAD), os MOOCs (móques ou muques, entre os educadores no Brasil) se diferenciam das plataformas tradicionais porque são abertos e massivos. A sigla quer dizer Massive Online Open Courses. Ou seja, podem ser feitos por qualquer pessoa, não importa o nível educacional, a hora, e o local – basta ter um computador com som e internet. O perfil desses cursos é amplo: podem estar ou não ligados a uma instituição de ensino superior, podem oferecer ou não certificado, podem ser validados ou não dentro de currículos convencionais.
Mas uma coisa é certa: atendem às novas tendências de uma educação interativa e colaborativa. Tudo o que se sonha para as salas de aula convencionais… Porque os materiais dos MOOCs podem ser editáveis pelos educadores e educandos. Trabalhando em grupo, eles podem responder perguntas uns dos outros, de modo que os participantes se apoiem durante o aprendizado. Quando realizados dessa forma, passam a ser chamados de cMOOCs. O C vem de conectivism, conceito que ressalta a capacidade de aprendizado mútuo pela conexão entre as pessoas. “A teoria conectivista envolve a capacidade de os alunos aprenderem entre si e, a partir de grupos de discussão, criar conhecimento. Os primeiros cMOOCs aparecem em 2001”, conta Ismar Frango Silveira, professor do Mackenzie, da Universidade Cruzeiro do Sul e coordenador da comissão especial de informática na educação da Sociedade Brasileira de Computação.
Por enquanto, porém, a maior oferta é dos chamados xMOOCs, com viés mais comercial. As aulas são criadas por professores autores, às vezes assessorados por roteirista e designer. O material não pode ser alterado pelo aluno – ao menos, não sem contactar o professor ou a instituição. São aulas em vídeo, mas há opção em áudio, apresentações e animações. No entanto, boa parte reproduz a forma de palestra.
Ainda é cedo para dizer se alguma dessas categorias vai prevalecer. No momento, os xMOOCs são os mais conhecidos, usados por universidades de todo o mundo, como Harvard, Yale, Massachussets Institute of Technology (MIT), Stanford, nos Estados Unidos; Edimburgo, na Escócia; Munique, na Alemanha; Pequim, na China; Melbourne, na Austrália, de uma enorme lista. “A ideia dos xMOOCs também dispensa tutores, mas você não tem construção de conhecimento coletivo. São mais conteúdos expositivos”, diz Silveira.
Seja com X, seja com C, os MOOCs caíram no gosto do brasileiro. Segundo o site AppAppeal, que mede a origem dos usuários de um site ou aplicativo, 2,3% da audiência do Coursera é de brasileiros. O Coursera é um dos mais renomados repositórios de aulas universitárias da rede, com material de instituições de diversos países. Entre os similares existem o EDX, criado pelo MIT, o Udemy, espécie de plataforma de publicação de MOOCs, Udacity, OpenUped.
A oferta é ampla, diversificada e atrativa. Mas é importante ter as informações completas de cada curso e ter claro qual a validade dos estudos. “A grande armadilha é imaginar que uma coleção de MOOCs substitua a formação universitária”, diz Silveira. Segundo ele, os cursos massivos podem ser utilizados nos contextos de educação que já existem. “Nos EUA, algumas universidades aceitam o certificado como créditos. Aqui no Brasil também, porque até 20% do programa podem ser cumpridos com atividades complementares”, explica.
Fredric Litto, presidente da Associação Brasileira de Educação a Distância (Abed), ressalta que o que mais impressiona nos MOOCs é a capacidade de atingir muitas pessoas em uma só interação. Essa amplitude não é inovadora, mas ajuda a democratizar o acesso ao conhecimento. “O grande custo dos cursos de EAD é a produção do conteúdo. O mesmo conteúdo pode ser usado para educar mil ou cem mil alunos”, exemplifica o professor.
Ele destaca ainda a grande diferença em relação aos cursos a distância tradicionais, que exigem vestibular, histórico do aluno, matrícula etc. “No EAD você tem turmas organizadas de 30 ou 40, e cada tutor vai responder, tirar dúvidas de quatro a seis turmas. Mas quando você chega a cem mil alunos, quantos tutores você precisará ter?”, questiona. A solução encontrada em outros países foi técnica. “Coursera e EDX permitem a colaboração entre os usuários, com alunos acompanhando outros alunos. Há cerca de dez anos, acadêmicos estadunidenses já dispunham de software para corrigir avaliações discursivas, não só objetivas. Na época, a precisão era de 60%. Hoje é maior, de 75% a 80%. Isso exige muita sofisticação. E não sei se no Brasil temos isso”, pondera.
No Brasil
Aqui, as instituições de ensino ainda precisam convencer o governo de que a educação a distância merece mais atenção. Tanto universidades públicas, quanto privadas, pedem a revisão das leis que regulam o setor (ver página 16). Por isso, os MOOCs ainda são raros. O único site que agrega cursos feitos por professores de instituições brasileiras é o Veduca, onde Bruno Nascimento estudou.
O Veduca tem três tipos de curso: os livres, com aulas de instituições de todo mundo, algumas traduzidas; os MOOCs, que equivalem a uma disciplina universitária (a pessoa pode optar por fazer prova e receber certificado gratuito); e o MBA, que é um programa de ensino. As aulas são criadas por professores das instituições renomadas. As parcerias são estabelecidas com as instituições ou com os professores.
“Temos mais de 50 mil pessoas fazendo os MOOCs”, conta Carlos Souza, fundador do Veduca. Em novembro, a empresa lançou um MBA no formato. “É inovador por três motivos: tem diferentes professores, da USP de São Paulo e de São Carlos, e da Universidade Federal de Santa Catarina. Está tudo disponível gratuitamente, e quem quiser obter certificação válida pelo Ministério da Educação paga e participa do programa de certificação”, explica.
Como estamos falando de uma empresa, há um modelo para esse negócio. A remuneração vem dos certificados. Os preços variam. Mas isso não significa que seja fácil conseguir os diplomas – que valem como cursos livres ou de extensão, não sendo possível usá-los para pedir equivalência ou cumprir créditos em cursos superiores. Para receber o certificado é preciso passar por uma prova. O estudante só recebe o certificado se obtiver a nota necessária.
Por enquanto, apenas o MBA é cobrado. Quem paga cerca de R$ 6 mil tem direito a tutoria online, pode ir a polos do centro educacional UniSeb para receber orientações presenciais, e passa por avaliações presenciais a cada trimestre. Ao final do curso, há o trabalho de conclusão. “Nos preocupamos com a qualidade do aluno. A qualidade de uma marca educacional tem tudo a ver com a qualidade do aluno”, ressalta Souza.
Além disso, o MBA exige o que nenhum MOOC pede: formação prévia. O estudante deve apresentar histórico escolar em um dos polos da UniSeb. Desde que entrou no ar, o curso atraiu 9,5 mil pessoas, das quais 650 se matricularam na versão com certificação. Este ano, a intenção é lançar 12 outros programas de MBA em áreas como sustentabilidade, tecnologia e inovação e construção civil.
Outra fonte de financiamento da empresa são os cursos corporativos. Entre os MOOCs com certificação gratuita está um que ensina a usar ferramentas de marketing digital do Google. “Quem quer uma certificação, faz a prova direto com o Google”, explica Souza. Hoje o Veduca tem 254 mil estudantes ativos. “Queremos chegar a 1 milhão até o final do ano”, estipula.
A evasão é um problema sério. Comum no ensino tradicional, mais alta na educação a distância tradicional, é ainda maior nos MOOCs. No caso do Veduca, apenas 7% concluem os cursos gratuitos. “Quando a pessoa paga, a possibilidade de desistência é menor. Por enquanto, não temos nem 10% de desistentes no MBA”, diz Souza. Um dos motivos da evasão é a dificuldade das aulas, de alto nível universitário. O fato de as pessoas fazerem os cursos sozinhas, ao contrário do estudo tradicional, também pesa. “E, como a certificação não tem equivalência universitária, não existe aquele prêmio tão grande”, acredita.
Tem gente que cria cursos e coloca em plataformas gratuitas de distribuição de MOOCs. É o caso da Énois, uma agência-escola que ensina jovens a fazer jornalismo. Muitos, contratados depois. No final de 2013, a agência produziu o curso Como Fazer um Videodocumentário, que traz o básico de um projeto audiovisual jornalístico. O objetivo era ampliar o número de adolescentes atendidos, uma vez que não há oficineiros suficientes para a demanda.
O formato das aulas em “quizzes” foi debatido à exaustão, com o intuito de garantir a atenção do público. “Pensamos em como a publicidade seduz o jovem, como os vídeos tutoriais fazem sucesso, para transmitir conhecimento sobre jornalismo com sedução e com conteúdo”, explica a jornalista Amanda Rahra, sócia da empresa.
O material foi veiculado no site Udemy. Em um mês, o curso recebeu 1.586 inscrições. Do total, 50 pessoas pediram certificado de conclusão. Professores do ensino público entraram em contato para perguntar se poderiam usar o conteúdo. “O MOOC é nosso grande tiro de bazuca. Atinge muita gente. Quem vem nos procurar, aprofunda o ensino”, explica Amanda. Novos cursos gratuitos ficarão em plataforma própria – o Udemy não fornece dados detalhados sobre os estudantes. “A ideia é ter uma grande prateleira de aulas”, diz a jornalista. O próximo, chamado Como se Tornar um Explorador do Mundo, será lançado em março. Também vão ser publicados este ano os cursos Jornalismo Hiperlocal e Como Hackear a Cidade.
A estratégia da Énois para reduzir a evasão é a linguagem rápida e direta. “São vídeos de cinco minutos, feitos com diretor e diretor de arte. Um roteirista ajudou os professores a selecionar o que colocar nesse tempo”, explica Amanda. Quem concluir o curso recebe um certificado de participação, sem custo. “A nossa bandeira é a democratização da produção de conteúdo, é ter jovens produzindo videoaulas”, diz.
De olho na evasão e no autoaprendizado, o pesquisador Ranilson Paiva, mestre em informática na educação pela Universidade Federal de Alagoas, mede o engajamento dos estudantes e a falta de interesse. Ele identificou, em um MOOC para ensino de língua espanhola, os motivos mais comuns de evasão. Classificou três comportamentos: alguns estudantes se inscrevem e nunca mais acessam o sistema; outros acompanham algumas aulas e, sem motivo aparente, param. E há os que acompanham quase até o final, mas desistem por tirar notas baixas. “A gente desenvolveu uma solução híbrida, que usa mineração de dados educacionais e técnicas de sistemas de recomendação para saber por que o aluno não está progredindo”, explica.
O software criado por Paiva poderá ser acoplado a qualquer ferramenta online aberta para transmissão de cursos. O sistema tem gatilhos para apontar falta de motivação. Analisa quantidade de faltas, permanência no ambiente de aprendizagem, notas, comprometimento com o exercício. Identificado o problema, os professores definem as estratégias de retenção do aluno baseadas em conceitos pedagógicos. Com o tempo, o sistema aprende como responder com autonomia da forma mais adequada, caso a caso, por conta do acúmulo de informações obtido com as sugestões dos docentes.
Uma diferença fundamental entre os MOOCs e os cursos de EAD tradicionais apoiados na internet diz respeito à legislação. Os MOOCs não existem segundo a legislação brasileira de hoje. Portanto, os certificados valem apenas como curso de extensão. Para oferecer formação superior ou pós-graduação, é preciso aprovação do MEC, o que implica dispor de locais para aplicação de provas, biblioteca física e professores tutores.
O professor José Armando Valente, do departamento de Multimeios, Mídia e Comunicação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), tem restrições quanto aos cursos massivos e abertos – em especial no modelo apoiado em vídeos e testes online. “O ideal seria aplicar trabalhos com apoio do professor, de modo que o aluno pudesse entender como o conteúdo se aplica a uma situação prática. Poderiam ser cursos baseados em projetos, e aí o aluno iria atrás da aula específica”, defende.
A Unicamp foi uma das primeiras universidades brasileiras a investir na educação a distância, em 2003. “A gente chamou de ensino aberto. Era uma complementação, uma atividade”, conta Valente. Logo evoluiu para disciplinas completas. Hoje, há 1.100 disciplinas online à disposição dos estudantes da instituição, com acesso por uma plataforma criada lá mesmo, em software livre, chamada Teleduc. A partir de uma visão crítica dos cursos abertos e massivos, Valente alerta: “Sites como Coursera e EDX não pensam em democratizar o conhecimento. Estão vendo uma grande oportunidade de mercado exterior. Ninguém está democratizando nada”.
O lucro com certificados não reconhecidos em outros países é uma oportunidade para esses sites, que também querem ter o domínio da divulgação de aulas na internet. “Tenta colocar um curso no Coursera e vê se consegue de graça. Paga, que você coloca o curso. A instituição paga para publicar. E o aluno paga para a certificação”, aponta. Segundo o professor da Unicamp, as instituições estão explorando algo novo, e aprendendo com isso, sem oferecer, na mesma medida, uma contrapartida pelo que recebem.
Para o presidente da Associação Brasileira dos Estudantes de Educação a Distância (ABE-EAD), Ricardo Holz, os MOOCs importam devido a formação em massa, mas tudo ainda é muito novo. “Como avaliar se as pessoas aprenderam? É complicado, pela quantidade de pessoas envolvidas no processo. A evasão é grande em função do grande número de pessoas que participam”, diz.
O Centro Paula Souza, órgão responsável pelo ensino técnico e tecnológico em São Paulo, oferece EAD desde 2007, em modelo que usa também a TV. As aulas do curso Teletec, para o nível técnico, são transmitidas pela manhã, nas emissoras Globo, Cultura e no Canal Futura. O próximo passo será ensino à distância em nível superior. A previsão é de oferecer o curso de Gestão Empresarial no segundo semestre deste ano, conta o professor Dilermando Piva Júnior, coordenador de EAD para ensino superior do Paula Souza.
As perspectivas são de universalizar o acesso ao ensino tecnológico. “Temos 57 faculdades de tecnologia com 60 cursos, o que gera 65 mil alunos. Quando o EAD chegar ao pico, em 2018, estimamos mais 19 mil alunos. Além de expandir o ensino, o custo por aluno cai pela metade sem perder qualidade”, defende Piva Júnior. A instituição ainda espera reconhecimento de seu programa de educação a distância pelo MEC. “Visualizamos expandir com prefeituras e até entrar na UAB. Até lá, os alunos têm de ir a um ponto em São Paulo para fazer as avaliações”, explica.
www.veduca.com.br | www.uab.capes.gov.br
www.univesp.ensinosuperior.sp.gov.br
Retrato de quem usa
Ainda faltam dados sobre os usuários dos cursos abertos e massivos no país. O censo da Abed mais recente sobre EAD é de 2012. Traça o perfil de cursos e estudantes a distância de instituições que atendem às normas do MEC, os chamados “autorizados”, e os livres, que podem tanto ser MOOCs, como cursos de extensão, online, gratuitos (mas não abertos ao público em geral), com ou sem certificação.
Naquele ano, havia no país 9.376 cursos a distância, dos quais, 80,2% eram livres, e 19,8%, autorizados. A educação a distância cresce ano a ano, desde o início de realização do censo, em 2009. O número de matriculados passou de cerca de 530 mil para mais de 5,7 milhões em 2012. Chama a atenção o potencial dos cursos livres, onde entrariam os MOOCs, responsáveis por 79% dos estudantes.
Os números refletem o peso da evasão na EAD. Apenas 10,6% dos estudantes concluem os cursos autorizados – que costumam ter processo de seleção, exigir matrícula e podem ter mensalidade. Nos livres, a proporção é mais equilibrada, com 32,6% de concluintes. Uma explicação para isso é o fato de terem carga horária menor. Segundo as instituições que responderam ao censo, as causas mais comuns para as desistências são falta de tempo (23,4%), falta de adaptação à metodologia (18,3%) e aumento de trabalho (15%).