Nas periferias metropolitantas,
em cidades pequenas, em áreas remotas, nas várias regiões do país,
jovens, índios e artistas independentes estão fazendo filmes.
É a semente de uma indústria criativa nacional, e o caminho para a
construção de uma identidade cultural para populações à margem da
grande mídia. Verônica Couto
Cinema todo o domingo, no
Vale do Cariri
O direito ao espelho. O direito à criação e à percepção da sua própria
imagem, o direito de comunidades e indíviduos decidirem como querem ser
vistos. Na opinião de Célio Turino, secretário de Programas e Projetos
Culturais do Ministério da Cultura, assegurar esse direito é a única
forma de construir uma sociedade de ampla participação. E também
explica o impacto das experiências audiovisuais em áreas marcadas pela
exclusão social. São jovens de periferias pobres de grandes metrópoles,
povos indígenas, populações de pequenas cidades, detentoras de vasto
saber popular, todos de câmera na mão, filmando, editando, montando e
tentando descobrir um novo ponto de vista para o mundo e para si mesmos.
Pesquisa feita em 152 dos primeiros Pontos de Cultura conveniados no
programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura (MinC), mostra que 66%
deles trabalham com linguagem audiovisual. Uma surpresa para quem
imaginava que a cultura popular se concentrasse no artesanato, como
dita o senso comum. Na verdade, o artesanato foi o item menos apontado,
segundo o levantamento da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), presente em apenas 33% dos pontos, atrás de música (61%),
teatro (56%), dança e fotografia (42%), e artes plásticas (40%).
O próximo passo do MinC é encontrar formas de divulgar os filmes e
vídeos criados nos Pontos de Cultura ou a partir da articulação com
eles. Desde outubro, a Radiobrás, por meio da TV Nacional, da NBR e da
TV Nacional Brasil-Canal Integración (em TVs pagas ou via parabólica),
está exibindo, aos sábados,12h30, o programa “Rede Comunitária”. Com 25
minutos de duração, é produzido por equipes de Pontos de Cultura, com a
coordenação do “Pontão” de Cultura Rede Comunitária de Produção
Audiovisual, de Goiás, e do ministério. Mesmo acordo foi firmado com a
TV Comunitária de Goiânia (GO), e com a TV Cidade Livre, de Brasília. A
partir de fevereiro de 2007, os cineastas dos Pontos de Cultura poderão
contar, ainda, com meia hora semanal na TVE (emissora educativa,
mantida por uma instituição sem fins lucrativos, em parceria com o
Ministério da Educação), que contratou 26 programas.
A reconquista da identidade
cultural, em aldeias do Acre.
“Nosso alvo, agora, é aproximar os pontos das áreas de educação e
difusão”, adianta Turino. A Associação Brasileira dos Canais
Comunitários (Abcom) propôs ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que
cada emissora comunitária se torne um Ponto de Cultura. “Vemos a idéia
com bons olhos”, diz o secretário do MinC.
Outra oportunidade para expandir e descentralizar o mercado
audiovisual anuncia-se com a TV digital. “Esse movimento (dos Pontos de
Cultura) vai ter uma repercussão grande com a entrada da TV digital,
que já contaria com fontes de produção comunitária de vídeo”, afirma
Turino. Além disso, o presidente reeleito, Luiz Inácio Lula da Silva,
anunciou que pretende criar novos canais educativos e públicos.
Sem falar nas novas mídias, que envolvem transmissão de imagem pela
web, por exemplo, para celulares. Por isso, a política pública para
apoiar essa produção, idealizada pelo MinC, trabalha com dois eixos: o
político, de apropriação da tecnologia para abrir um espaço de
expressão a segmentos sociais excluídos da grande mídia; e o econômico,
para ocupação de postos de trabalho e geração de renda.
Por que as oficinas de audiovisual fazem tanto sucesso nos Pontos de
Cultura? “Porque os grupos organizados estão buscando o empoderamento
da tecnologia na perspectiva de ter voz”, responde Turino. Outro
aspecto tem a ver com o envolvimento dos jovens. A pesquisa da UERJ
revela que 97% do público atendido pelos pontos têm entre 16 e 24
anos. “O que mais atrai a juventude é o elemento do protagonismo. Além
disso, as políticas tradicionais para a juventude não dão mais
respostas às aspirações dos jovens de hoje. Sem desmerecer as
profissões tradicionais, o jovem contemporâneo convive com outro tipo
de informação e desenvolve outra expectativa, para as quais as novas
tecnologias abrem espaço”, explica Turino.
Começam a surgir, assim, embriões de pólos de produção audiovisual
popular e articulações entre eles para furar o bloqueio da programação
dominante nas emissoras comerciais de TV. O programa “Rede
Comunitária”, exibido aos sábados nas emissoras da Radiobrás, está
estruturado em um bloco de quatro minutos e três blocos de sete
minutos. Trata de arte, cultura, educação, empreendedorismo e geração
de renda.
Tv Ovo: programção no ônibus
e em telões.
O produtor George Duarte integra a Rede Comunitária de Produção
Audiovisual, “Pontão” de Cultura em fase de constituição, na cidade de
Goiás (GO), e é responsável pela coordenação do programa. Ele explica
que, além das pautas que são encomendadas às equipes dos Pontos de
Cultura, eles também podem enviar, por e-mail (redecomunitariatv@gmail.com), sugestões de conteúdos a serem exibidos.
“A força do projeto é a rede. Parte dela começou a se formar em Goiás,
e, agora, chega ao Nordeste”, diz George. A Rede Comunitária de
Produção Audiovisual, com sede na cidade de Goiás, é um “Pontão de
Cultura” porque se articula com 13 Pontos de Cultura do Centro-Oeste.
Mais para cima, em Olinda, Pernambuco, o cineasta Lula Gonzaga também
organiza iniciativa semelhante, com base no Ponto de Cultura de Cinema
de Animação. A Rede Nordeste de Produção Audiovisual vai integrar
vários pontos localizados na região, especialmente em Fortaleza (CE).
“Deve ser por causa da luz de lá”, acredita George.
De fato, só da capital cearense farão parte da rede o Ponto de Cultura
Acartes (Academia de Ciências e Artes) de Pirambu, o Ponto de Cultura
Amanda-Associação Mundo Animado das Artes (que atende cerca de 150
jovens em cursos de animação), o No Ar Alpendre (cuja série “Anônimos”
traz várias pessoas contando suas histórias), e o Núcleo Sócio-Cultural
de Arte Audiovisual-Encine. Todos já com acervos de vídeos assinados
por alunos de oficinas ou produtores independentes. Para o
média-metragem “Poço da Pedra-a saga de um povo”, a Acartes mobilizou
cerca de 150 profissionais, dos quais 103 formados no Ponto de Cultura.
O roteiro é baseado em romance de Gerardo Damasceno, um dos
coordenadores da entidade, e se passa no extinto distrito cearense Poço
da Pedra.
Ciclo de Cataguases
Em Cataguases, a Fábrica do
Futuro segue a trilha de
Humberto Mauro.
Na década de 20, um pólo importante para o cinema do país foi a cidade
de Cataguases, na Zona da Mata mineira, onde o cineasta Humberto Mauro
liderou o chamado Ciclo de Cataguases. Hoje, na mesma cidade, o Ponto
de Cultura Fábrica do Futuro – Incubadora Cultural do Audiovisual e
Novas Tecnologias atua com jovens também com o próposito de fomentar
ali um pólo de economia criativa. “A Fábrica trabalha com a perspectiva
de arranjo criativo e produtivo local, na produção de animação e
conteúdo para os novos meios de telecomunicações e comunicação”,
explica Cesar Piva, gestor cultural do projeto. Entre dezembro de 2005
e maio deste ano, o ponto formou 65 jovens bolsistas (Agentes Cultura
Viva), dos quais 35 continuam no projeto como voluntários, e 14 foram
incorporados ao mercado de trabalho formal.
A Fábrica do Futuro é mantida pelo Instituto Francisca de Souza
Peixoto, da Cia. Indústria Cataguases. Dá oficinas de audiovisual,
roteiros, trilhas sonoras, registro de memória oral, produção de TV
local, pesquisa tecnológica e metarreciclagem, e de implantação de
telecentros comunitários. Conta com duas ilhas de áudio e vídeo.
Localizada no centro de Cataguases, tem, ainda, cinco telecentros em
escolas municipais. Em 2007, vai receber aparelhos de projeção para um
programa de formação de público, via cineclube e exibições em praças,
escolas e centros culturais.
A relação de vídeos produzidos na Fábrica é extensa, entre eles o “TV
Cineport”, um videoclipe da oficina realizada em Lagos (Portugal), este
ano, durante o 2º Cineport-Festival de Cinema de Países de Língua
Portuguesa, com a participação de 20 jovens, do Brasil, Portugal e
África. Ou o vídeo-documentário da Parada Gay de Juiz de Fora, em
conjunto com os ativistas do Ponto de Cultura MGM- Movimento Gay de
Juiz de Fora. Afinada com o idéia de construção de redes, a entidade
mineira apóia a formação de um “Consórcio Intermunicipal de Cultura e
Cidadania”, com prefeituras e fundações de cidades vizinhas.
Atualmente, diz Cesar, estão em fase de implantação núcleos da Fábrica
do Futuro em Muriaé, Leopoldina e São João Nepomuceno.
Ovo no ônibus
As oficinas da Fábrica em ação
Noutro extremo do país, no coração do Rio Grande do Sul, na cidade
universitária de Santa Maria, o Ponto de Cultura Espelho da Comunidade
desenvolve, há dez anos, oficinas com adolescentes — o projeto TV Ovo,
da ONG do mesmo nome. Atualmente, são duas ou três oficinas por ano,
cada uma com duração de seis meses e uma média de 15 jovens, que criam
reportagens, filmes de ficção, videoclipes, documentários. As
atividades acontecem em três comunidades da cidade: na Nova Santa
Marta, uma ocupação que concentra sete vilas, na Vila Nonoai e na Cohab
Fernando Ferrari. De novembro de 2005 a maio deste ano, o curso de
capacitação de Agentes Cultura Viva em audiovisual atendeu 105 jovens.
Segundo Paulo Roberto Tavares, coordenador do ponto, em cada um desses
lugares forma-se, após a oficina, um núcleo de produção de vídeo. Os
jovens começam com câmeras SuperVHS, passam para a minDV e concluem os
trabalhos numa filmadora profissional (formato DVC Pro). “Muitos já
estão no mercado profissional”, garante Paulo. Três dos jovens
capacitados pela TV Ovo foram escolhidos, este ano, para a 8ª Oficina
de Produção de Vídeo Geração Futura, do Canal Futura (mantido pela
Fundação Roberto Marinho).
Os vídeos feitos nas oficinas do ponto passam em telões e são
formatados para o projeto TV Ovo no Ônibus. Este último, em operação
desde 2001, “foi a forma encontrada para que as produções chegassem ao
grande público”, diz Paulo. Um ônibus de transporte público da cidade,
equipado com videocassete e televisor, circula por diferentes linhas
durante o mês, exibindo programa de 30 minutos, com quadros que incluem
desde reportagens a videoclipes de bandas locais.
Por que TV Ovo? Nada a ver com o ovo, avisa o coordenador do Ponto de
Cultura. Apenas, quando iniciaram as primeiras oficinas, na Vila
Caramelo, zona oeste da cidade, o projeto se chamava Oficina Vídeo
Oeste (OVO). Atualmente, o ponto é referência para muitas ações
culturais: co-produtor, por exemplo, do Festival Santa Maria Vídeo e
Cinema, realizado pela ONG SMVC e promovido pela prefeitura e pela RBS
TV. Mais importante, avalia Paulo, “a comunidade criou o hábito regular
de estar produzindo, atuando, gerando pautas e enxergando mais o seu
próprio dia-a-dia. Qualquer coisa que acontece, está lá a gurizada da
TV Ovo, junto”. André Luis da Cunha Campanhol, de 22 anos, um dos
selecionados para a oficina da TV Futura, está fazendo o site do Ponto
de Cultura, e pretende, este mês, colocá-lo no ar, inclusive com links
para os vídeos.
Um espaço público na internet para hospedar a produção audiovisual
popular é justamente a reivindicação feita pelo cineasta Flávio
Cândido, diretor do longa-metragem “A Terceira Morte de Joaquim
Bolívar”, premiado em 98 no Prêmio HBO Brasil de Cinema. Ele é diretor
pedagógico da ONG Oficina do Parque, base do Ponto de Cultura Eduardo
Abelin, no bairro de Maceió, em Niterói (RJ). No ponto, cujo nome
homenageia um pioneiro do cinema de rua, funciona o PADOP – Programa de
Inclusão Audiovisual e Digital da Oficina do Parque. A proposta é atuar
como uma escola técnica, com cursos que levam, em média, de seis a oito
meses.
A oficina está na terceira turma, conta com três filmes prontos, mais
um institucional da ONG, e três em fase de finalização. Entre os
concluídos, o “Maceió é aqui”, de Rafael Moreno, de 24 anos, levou o
prêmio de melhor diretor de documentário no II Curta Três Rios. “O
Ministério da Cultura poderia prover um espaço de hospedagem online
para os filmes. A Net (operadora de TV por assinatura), que tem 40 mil
assinantes na região, poderia colocar a produção comunitária no seu
cabo. Ou os vídeos poderiam ser incluídos na grade de conteúdos da TV
Escola”, sugere Flávio. A TV Escola é um canal do Ministério da
Educação, que transmite conteúdos educativos, via antena parabólica, às
escolas públicas de ensino fundamental e médio. George Duarte, que atua
no MinC e na Rede Comunitária de Produção Audiovisual, em Goiás, diz
que futuras negociações com a TV Escola já estão na agenda do projeto.
Enquanto essas portas não se abrem, Flávio está negociando uma parceria
com a TV Câmara de Niterói. Atualmente, um canal público é destinado,
meio a meio, à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e à Câmara
niteroiense. “Acontece que a Câmara não tem nem pessoal, nem
equipamento para manter o canal 12 ou sete horas no ar. Conseguem
ocupá-lo por cerca de três horas, e apenas com as sessões dos
vereadores”, diz Flávio. A idéia é preencher o espaço ocioso com
produção comunitária da Oficina do Parque.
Atualmente, o Programa Cultura Viva mantém uma rede de 480 Pontos de
Cultura. De acordo com o secretário de programas e projetos culturais
do Ministério da Cultura, Célio Turino, cada unidade recebe, em média,
5 mil pessoas por mês. E o MinC firmou 40 convênios com estados e
municípios para apoio à sustentabilidade dos pontos. Já estão nos
procedimentos finais da parceria estados como Acre, Piauí, Ceará, Bahia
e Mato Grosso; além de Alagoas (ainda a assinar o termo de cooperação).
Entre as prefeituras em fase de adesão ao projeto, Porto Alegre (RS),
Curitiba (PR), Belo Horizonte (MG), Salvador (BA), Aracaju (SE), Recife
(PE), João Pessoa (PB). Em Campinas (SP), está sendo discutida a
criação de 18 pontos novos, financiados pela prefeitura.
A seleção dos Pontos de Cultura é feita por meio de editais públicos.
Já foram realizados quatro, desde 2004. O MinC fornece kits multímidia
(computadores, softwares livres, equipamentos para produção e edição de
som e imagem, ou recursos para aquisição dos equipamentos (cerca de R$
20 mil), e oficinas de capacitação. A entidade escolhida se encarrega
da gestão. Também são pagas (em geral com atraso) bolsas para os jovens
que participam das oficinas, os agentes Cultura Viva.
Karané, um dos realizadores do
filme "Das crianças lkpeng para
o mundo", premiado no Brasil e
no exterior
O impacto do audiovisual nas comunidades é enorme, mas não basta dar os
equipamento e ensinar a operá-lo. É preciso aprofundar a
capacitação para que surjam, de fato, produtos significativos. Essa é a
opinião de Mari Corrêa, coordenadora da ONG Vídeo nas Aldeias, que dá
oficinas e apoio logístico à produção de filmes em tribos indígenas. “A
linguagem oral é muito democrática, e tem a ver com a tradição
indígena. Os mais velhos não lêem, não escrevem, e, assim, apreciam
muito o filme como forma de expressão. Além disso, estamos numa época
essencialmente visual, e o vídeo é um motor de auto-estima
impressionante”, avalia.
A ONG Vídeo nas Aldeias existe há 20 anos, trabalhando com audiovisual
indígena. É uma escola de formação, além de distribuidora e produtora
de vídeos. Tem 60 filmes prontos, sempre com temática indígena e a
maioria deles feita pelos próprios integrantes das diversas etnias.
Desde 2004, tornou-se Ponto de Cultura, com um projeto focado no
atendimento a povos do Acre, com os quais já trabalhavam. “A demanda
estava grande, e a gente não dava conta”, diz Mari.
A área de atuação da ONG cobre, do Mato Grosso para cima, povos da
Amazônia. E os vídeos circulam fundamentalmente entre as aldeias, em
mostras e festivais. A equipe da ONG realiza, por ano, quatro oficinas
(uma parte de campo e outra de edição) — nas aldeias e no
estúdio, localizado em Olinda (PE) —, e vai acompanhando o processo de
formação. Quando os índios começam a dominar os instrumentos de
filmagem, a Vídeo nas Aldeias entra como produtora, discutindo
conteúdos, apoiando a divulgação, numa relação de longo prazo. Nas
oficinas, a ONG doa câmera de vídeo digital e acessórios — até hoje, já
foram doados 40 equipamentos, inclusive uma ilha de edição, no Xingu.
Participam de seis a oito indígenas em cada oficina, em geral os mais
jovens, embora o vídeo seja uma forma de expressão muito apreciada
pelos mais antigos. “Os jovens se apropriam do equipamento, mas, no
processo de produção, voltam-se para os velhos, que conhecem mais a
cultura. Retomam um vínculo que, eventualmente, pode estar se
enfraquecendo”, conta Mari.
O propósito das oficinas não é profissionalizar na direção estrita do
mercado de trabalho. “Os índios não querem sair da aldeia e virar
profissionais. Acumulam outras atividades. Por exemplo, há um professor
Ashaninka que filma maravilhosamente, mas é professor, caça, pesca, faz
outras coisas”, afirma Mari. Esses realizadores, em geral, são
escolhidos pela comunidade. E a expectativa é a de que eles produzam os
filmes que a comunidade espera.
Quase sempre, o que a comunidade espera é que o cineasta, membro da
aldeia, “filme a cultura”. E filmar a cultura significa, na maioria das
vezes, registrar rituais e tradições que eles sabem que estão se
perdendo. Mas não é só isso, destaca a coordenadora. Ela questiona, nas
oficinas, os próprios limites da idéia de cultura. Apropriar-se da
tecnologia para filmar a cultura também é quebrar o paradigma do “índio
pelado com pena na cabeça”. Deve envolver um debate na comunidade sobre
o ritual, sobre a sua idealização, os valores que representa, as
contradições, as reclamações dos jovens contra o rigor dos ritos de
passagem, o avesso dos espetáculos. Na verdade, busca-se a construção
de uma intimidade entre quem está sendo filmado e aquele que filma,
para chegar a uma identidade nova — entender quem é você, hoje —, e a
um novo ponto de vista. Por não ter mais suas festas tradicionais, um
índio chegou a declarar, numa oficina, que acreditou não ter “nada”
para filmar. Em artigo publicado no site da ONG, intitulado “Vídeo das
Aldeias”, Mari Corrêa descreve o processo de captura desse “nada”, e do
surgimento de uma nova perspectiva cultural: (…) “ao compartilhar com
a família o prato de macaxeira cozida com peixe, fluía entre Marú e
Kowiri, no ritmo manso do balanço da rede, uma deliciosa conversinha
sobre coisas corriqueiras da vida, causos engraçados sobre caçadas,
mulheres, aventuras passadas. A câmera, tranqüila e próxima, movia-se
do prato de comida investido pelas mãozinhas das crianças para o rosto
de Kowiri. No fundo do plano, mulheres enchendo e depois servindo a
cuia de caissuma. Assistíamos, entusiasmados, ao início de uma
cumplicidade entre eles, de um verdadeiro diálogo, enfim, os primeiros
sinais do surgimento de um filme.”
Especificamente da parceria com o MinC, já foram produzidos três filmes
de autoria indígena. O primeiro conta o dia-a-dia numa aldeia Kaxinauá,
no margem do rio Jordão, e um pouco da história do povo: tiveram que
trabalhar como escravos, depois como peões de seringalistas que os
proibiam de falar o próprio idioma. O “A gente luta”, de origem
Ashaninka, trata da conquista do território e de manejo ambiental. O
terceiro, em fase de finalização, acompanha a gravação de um CD com
cantos tradicionais Kaxinauá, que será lançado com o vídeo e um livro,
patrocinados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional). “Os índios se sentem valorizados, frente à sociedade, por
poderem criar um produto bonito. A imagem é um fetiche na cultura,
capaz de grande afirmação étnica”, destaca Mari.
O trabalho da entidade começou em parceria com a Comissão Pró-Índio,
com quatro etnias — Ashaninka, Kaxinauá (auto-denominados Huni Kuim),
Maxineri e Katukina —, e financiamento da agência norueguesa Norad.
Para aumentar o número de tribos e aldeias atendidas, a ONG ingressou
no programa dos Pontos de Cultura. O Acre é um estado com pouca via de
comunicação terrestre. Os Kaxinauá, por exemplo, estão espalhados entre
o Brasil e o Peru. Aqui, concentram-se na região do rio Jordão, onde a
demanda dos índios pela produção era mais intensa. “É um rio cheio de
voltinhas: da primeira aldeia à última, na cabeceira, leva-se uma
semana de canoa”, conta Mari.
www.videonasaldeias.org.br – Vídeo nas Aldeias
www.fabricadofuturo.org.br – Ponto de Cultura Fábrica do Futuro
www.oficinadoparque.org.br (em manutenção)- Ponto de Cultura Eduardo Abelin/Oficina do Parque – 21 2616.6358 e 21 2611.6832
www.acartes.com.br – Acartes
www.encine.org.br (em construção); contato com Ives Albuquerque, em (85) 262.5356 ou 262.5129, e-mail ives@encine.org.br
Rede Comunitária de Produção Audiovisual/Programa “Rede Comunitária” — e-mail: redecomunitariatv@gmail.com.
www.abcom.com.br – Associação Brasileira de Canais Comunitários
Amanda-Associação Mundo Animado das Artes – rua Meton de Alencar 106 – Centro/Fortaleza-Ceará CEP: 60035-160 Fortaleza-CE