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capa – Uma profunda bisbilhotagem

 capa 03

Uma profunda bisbilhotagem

O Brasil não é obrigado a adotar a norma Y.2770. Ufa!

ARede nº 88 – jan/fev de 2013

Um novo sinal amarelo foi aceso, no final do ano passado, quando os países-membros da União Internacional de Telecomunicações (UIT) – o Brasil inclusive – assinaram o documento final, com os novos Regulamentos de Telecomunicações Internacionais, na Conferência Mundial de Telecomunicações Internacionais (CMTI), em Dubai. O documento contém a recomendação (norma UIT-T Y.2770) do uso do Deep Packet Inspection (DPI), padrão técnico para gerenciamento de tráfego de rede.

Para entender a ameaça representada por esse tipo de tecnologia – usada pela China, para impedir os cidadãos de entrar no Google –, é importante saber que as informações que circulam na rede são armazenadas e enviadas em pacotes de dados. Cada pacote tem um cabeçalho que diz qual o tipo de informação, de onde vem e para onde vai. Essa identificação possibilita, por exemplo, saber se um e-mail é um spam. E não é preciso, para isso, ter acesso ao conteúdo do pacote.

Então, o que faz a DPI? Abre os pacotes para investigar. Por isso, na avaliação de ativistas da sociedade civil, em nome de proteções como o combate a spams, rastreamento de vírus, essa tecnologia permite aos provedores de conexão bisbilhotar os conteúdos e os itinerários percorridos pelos internautas. “É a violação técnica dos pacotes”, alerta Sérgio Amadeu, integrante do CGI.br.

Porém, mesmo tendo assinado o documento, o Brasil não é obrigado a adotar a norma, de acordo com Rodrigo Zerbone, conselheiro da Anatel: “Nenhuma norma da UIT é vinculante. E se alguma operadora recorrer a essa tecnologia para ter acesso a dados a que não está autorizada, será punida não só administrativa, mas também criminalmente”. Técnicos da Anatel garantem que, com a DPI, é possível enxergar o que está acontecendo dentro do pacote pelo cabeçalho, sem ver o conteúdo.

A recomendação da UIT preocupa os ativistas da liberdade na rede também porque inspeção profunda de pacotes pode ser utilizada para identificar downloads (ilegais?) ou estabelecer prioridades de tráfego (quebra da neutralidade da rede?). “Precisamos aprovar o Marco Civil para evitar que essa norma seja adotada”, adverte Sérgio Amadeu.

A desconfiança em relação à Y.2770 se acentua quando as operadoras tentaram levar para dentro da UIT o debate sobre o modelo de negócios da internet, defendendo a cobrança discriminada de tráfego em função da qualidade de serviço entregue. Demi Getschko, diretor-executivo do NIC.br, o braço executivo do Comitê Gestor da Internet, acrescenta que soma-se a isso o fato de o Brasil, que estava na vanguarda da discussão das garantias dos direitos civis na internet, ainda não ter conseguido aprovador o Marco Civil da Internet.

Getschko esclarece que ninguém pode ser contra medidas para reduzir o spam. E lembra que o CGI fez um trabalho em colaboração com as operadoras para fechar a Porta 25, usada indevidamente. “O trabalho técnico é adotar medidas para o envio de e-mails em volumes excepcionalmente grandes. Mas não pode envolver a avaliação de conteúdos dos e-mails, o que fere a liberdade de expressão”, comenta. O CGI.br recomenda, formalmente, “a não adoção desse tipo de tecnologia e assemelhadas por nenhum provedor de acesso à internet no país”. (A. L.)