Há iniciativas isoladas para promover o contato de adolescentes da Fundação Casa com a tecnologia. Mas falta metodologia.
Leandro Quintanilha
Adilson salva páginas da
web para consulta offline
O educador Reginaldo Soares Xavier tem procurado, de forma
independente, parceiros para a implantação de uma oficina de inclusão
digital e cidadania numa unidade da antiga Febem, no bairro paulistano
do Brás. Nada foi oficializado ainda, mas o empenho do educador chama a
atenção para as deficiências de equipamentos e diretrizes pedagógicas
para o aprendizado da informática e dos conceitos de cidadania
relacionados à tecnologia nas unidades da Fundação Casa (Centro de
Atendimento Sócio-Educativo ao Adolescente). Em Sorocaba (SP), outra
unidade da Fundação já oferece conexão monitorada à internet, num
experimento em parceria com uma universidade local.
Reginaldo, que trabalha na Unidade 34 no complexo do Brás, já
estabeleceu contato com o Laboratório de Inclusão Digital e Educação
Comunitária da Universidade de São Paulo (Lidec-USP) e com o
MetaReciclagem, movimento que forma redes e realiza oficinas sobre
reaproveitamento cidadão do descarte tecnológico, para a fabricação dos
chamados ‘metaprodutos’. Na Fundação Casa, o maior obstáculo, afirma o
educador, é a impossibilidade inicial de se oferecer aos adolescentes
acesso à internet. É que, em tese, os internos não poderiam estabelecer
livre contato com o ‘mundo exterior’. “Uma possibilidade é oferecer a
conectividade aos jovens que estão em regime de semiliberdade (só
dormem na fundação) ou liberdade assistida (vivem fora e se apresentam
às autoridades regularmente).”
A professora Judith Zuquim, do Lidec, argumenta que o acesso à
tecnologia e à internet representa uma importante ponte para a
reinserção social dos adolescentes. Mas ela frisa que é preciso
construir uma metodologia. “Em que bases isso seria realizado?
Protagonismo juvenil? Diminuição da desigualdade social?” Para a
professora, a inclusão digital requer um planejamento psicopedagógico
específico, desvinculado da escolarização tradicional. “Hoje, a cultura
jovem é a cultura digital. Os jovens não gostam da escola, mas adoram a
tecnologia.” A experiência do Lidec, afirma, revela que o principal
interesse dos jovens frente à internet é seu potencial de comunicação.
A educação é uma necessidade paralela, acrescenta, mas desgastada pelo
estigma de que “escola é chata”.
Artesanato produzido pelos jovens
Dalton Martins, do MetaReciclagem, também destaca a necessidade de um
modelo para a inclusão digital nas unidades da Fundação Casa. “Em si, a
inclusão digital ainda não é um conteúdo bem-resolvido”, diz. “Com a
restrição da conectividade, a questão fica ainda mais complexa.” O
MetaReciclagem mantém um laboratório numa antiga unidade da Febem na
capital paulista, transformada no Parque Estadual Fontes do Ipiranga
(Pefi). Mas o espaço não tem mais nenhuma relação com a atual Fundação
Casa. Funciona com um pool de ONGs, e atende cerca de 50 pessoas por mês em oficinas de metaprodutos.
A Unidade 34 do complexo do Brás da Fundação Casa mantém, hoje, cerca
de 140 adolescentes em “medida sócio-educativa de internação”. Além da
escola (para ensino fundamental e médio), há atividades artísticas,
esportivas e profissionalizantes do café-da-manhã ao jantar: violino,
artes plásticas, panificação, futebol, vôlei, entre outras. Todas
opcionais, só a escola é obrigatória.
Oferecido há três anos, o curso de Informática e Cidadania é
realizado em três turnos, para turmas de 15 alunos. Dez computadores
antigos rodam Windows 98; outros cinco, mais novos, Linux. Não há
funcionário contratado para dar assistência técnica, como informa a
diretora interina Maria Aparecida de Abreu Silva. Por sorte, um agente
de apoio técnico entende do assunto e faz os consertos necessários.
Como voluntário, ele também dá oficinas para os internos sobre
manutenção de computadores.
O educador Adilson Alves dos Santos, do turno vespertino, explica que o
curso dura três meses, com 45 horas de aula. Os adolescentes trabalham
os aplicativos básicos, além de uma introdução à internet (mas sem
conexão). Adilson salva páginas de jornais, revistas, buscadores, e-mails
e até do Orkut para apresentar aos alunos. “É uma forma de matar um
pouco da curiosidade deles.” Os certificados de conclusão são emitidos
com a assinatura do professor, sem referência à Fundação Casa, para que
possam ser apresentados no mercado de trabalho sem o estigma da
internação.
Artes plásticas estão entre as
atividades opcionais oferecidas
na Fundação
Rafael (nome fictício), de 17 anos, já concluiu o curso básico e hoje
usa um computador com Linux. “Eu me identifiquei muito com a
informática”, diz. “Quero fazer um curso técnico e trabalhar com isso
quando sair daqui.” O colega Paulo (nome também fictício), de 18, sente
falta da internet, que costumava acessar na oficina do pai, mas gosta
do curso. “O que aprendo aqui vai ser útil em qualquer profissão.”
Sempre que concluem uma tarefa, os adolescentes são liberados para
jogar no computador.
Em parceria com a Universidade de Sorocaba (Uniso), a Unidade Dom
Luciano Mendes de Almeida, da Fundação Casa, acaba de formar os 12
alunos da terceira turma de seu curso de informática. Inaugurada em
novembro, a unidade é administrada em gestão compartilhada pela
Fundação Casa e a Pastoral do Menor de Sorocaba e mantém 56 internos.
Nesse caso, as aulas de informática são ministradas nos laboratórios da
Uniso, por um professor da universidade. Os jovens têm acesso à
internet monitorado pelo professor e por um agente educacional da
unidade. Cada adolescente abre sua conta de e-mail, mas eles só podem se comunicar durante as aulas e entre si.
Em 1979, a Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) foi criada
como autarquia do governo do estado de São Paulo com o objetivo de
ressocializar crianças e adolescentes em conflito com a lei (de 12 a 18
anos) por meio de programas educativos, profissionalizantes e de
assistência à família, além de tratamento médico para casos de
dependência química e transtornos psíquicos. Depois de um longo
histórico de fugas, rebeliões e denúncias de maus-tratos, a instituição
foi reformulada e rebatizada de Centro de Atendimento Sócio-Educativo a
Adolescentes, Fundação Casa. Hoje, está vinculada à Secretaria Estadual
de Justiça e Cidadania. Há 95 unidades da fundação no estado de São
Paulo, com cerca de 5,4 mil jovens internados, com idade média de 16,7
anos. O governo estadual aplica R$ 2.318,30 por mês, por cada interno.
www.lidec.usp.br – Laboratório de Inclusão Digital e Educação Comunitária da USP
www.metareciclagem.org – Metareciclagem