Portal resgata tradições e oferece serviços a povos indígenas, que usam tecnologia para preservar suas etinias.
ARede nº42 novembro 2008 – Os índios não são o passado do Brasil, eles vivem aqui, hoje. São 227 povos, falantes de mais de 180 línguas diferentes. No portal Índios Online, criado pela organização não-governamental Thydewas, escrevem índios de 16 etnias, em 17 aldeias da região Nordeste do Brasil e dos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Pesquisam suas histórias, publicam entrevistas com seus representantes mais velhos, denunciam abusos, cobram direitos, fazem trabalhos escolares e se comunicam com povos de outros cantos. São cerca de duas mil visitas por dia. Desde 2004, quando foi lançado, Índios Online acumulou 700 Mb de conteúdos produzidos por etnias distribuídas em 20 municípios e em seis estados. O portal é o vencedor do Prêmio ARede 2008 na Modalidade Terceiro Setor, categoria Organização da Sociedade Civil. Por meio dele, os povos indígenas se expressam sem intermediários. Vencem o isolamento geográfico, porque muitos vivem em terras distantes, e mostram que pertencem ao presente.
O objetivo do portal é “permitir a diferentes nações se apropriar conscientemente das tecnologias da informação e comunicação para: ter acesso a melhor informação e poder exercer uma participação cidadã; transformar as realidades de suas comunidades, pesquisar e salvaguardar suas culturas, dialogar interculturalmente com outras culturas, em busca de benefícios mútuos e da projeção da cultura de paz para todos”.
O mundo, para os índios, não é pacífico. No final de outubro, na Oca, página principal do Índios Online, uma nota apoiava os Tupinambá da Serra do Padeiro, do Sul da Bahia, conhecidos como “Caboclos de Olivença” até a década de 1990, quando reiniciaram a luta pelo reconhecimento étnico e territorial. Reocuparam terras na região de Olivença, onde a etnia vive, tradicionalmente. Querem que a Fundação Nacional do Índio (Funai) finalize o relatório de identificação da Terra Indígena Tupinambá, para ali permanecer. A Polícia Federal, no entanto, está executando liminares de reintegração de posse e retirando as pessoas da área. Um dos principais problemas das etnias reunidas em torno do portal é a invasão de terras por brancos, mesmo depois de regularizadas e demarcadas.
Na Oca, ao lado da notícia sobre a reintegração de posse, postada em primeira pessoa por Curupaty, que estava lá, há uma convocação de Juvenal Payayá, sobre um tema totalmente diferente: “Quando houve o 1º Encontro dos 14 Povos da Bahia, na Aldeia Tuxá, em Rodelas (BA), alguns indígenas declamaram e até mesmo leram seus poemas na plenária”. Inclusive ele. “Estou agora a procura desses talentos poéticos”, para fazer um livro. Os poemas devem ser enviados para o e-mail de Juvenal Payayá, junto com um histórico ou um relato da vida do autor, dizendo a que etnia pertence, quantos anos tem e se vive na aldeia.
O universo dos cyberíndios em torno do Índios Online é de cerca de 60 mil pessoas. Há aldeias onde não existe orelhão, mas a internet chegou por meio do Gesac, programa do Ministério das Comunicações que leva conexões de banda larga via satélite a comunidades. A rede é um meio fundamental de comunicação. “Mesmo se houvesse orelhões, faltariam recursos para pagar pelos pulsos nas ligações”, constata Sebastián Gerlic, coordenador da organização não-governamental Thydewas. Das 17 aldeias conectadas, onze são atendidas pelo Gesac. Nas demais, a conexão à internet é paga pela comunidade. A rede é útil de muitas maneiras. Doentes e parturientes buscam informações e assistência; professores com salários atrasados descobrem no portal Transparência Brasil argumentos para exigir a regularização dos pagamentos; aldeias sem postos de saúde ou escolas cobram os órgãos competentes. “Pessoas que pela distância e pela falta de dinheiro nunca regularizavam seus documentos começaram a fazer isso via internet, acompanham concursos públicos”, acrescenta Gerlic. Índios que usam o computador para fazer cursos a distância criaram uma comunidade colaborativa de aprendizagem dentro do portal, o Arco Digital, com o apoio do Instituto Oi Futuro. Em seu lançamento, o Índios Online foi apoiado pela rede de supermercados Bom Preço.
Guerreiros online
Usando tecnologias da informação, a Thydewas e as aldeias publicaram 13 livros de autores indígenas. O portal é um Ponto de Cultura e este ano, com os recursos do estúdio multimídia, produziu um CD e um DVD sobre o Toré dos Kariri-Xocó. O documentário foi dirigido por Sebastián Gerlic. Os índios Nhenety Kariri-Xocó e Ayrá Kariri-Xocó fazem parte da produção. Nhenety explica que “To” significa som e “Ré”, sagrado. No Toré, toda a comunidade apresenta a beleza da tribo, unida ao canto e à dança. O Toré fala dos fenômenos naturais e também da história indígena. Ayrá Kariri-Xocó explica que dançar o Toré com os não-índios é uma forma de promover a paz.
O Toré também é dançado pelos Pankakaru, originários da aldeia Brejo dos Padres (PE), que tem 6 mil índios. Em São Paulo, vivem 1,2 mil Pankararu, 500 deles no Real Parque, comunidade às margens do rio Pinheiros, em São Paulo. De lá, Luciano Henrique Pankararu escreve para ARede sobre o portal: “Antes do Índios Online não tínhamos contato com outros povos indígenas e não conhecíamos as cultura de nossos parentes. Depois, começamos a ver as igualdades e diferenças em nossas culturas, rituais e crenças”. A internet também serviu de estímulo aos militantes sociais nas aldeias, os guerreiros online. Em cada lugar conectado à rede, o portal convida alguém para postar as novidades e as demandas, e este se torna o guerreiro (ou guerreira) online.