A instituição quer levar seus serviços populares para a nova televisão. Defende, por isso, interatividade já. Miriam Aquino
A TV digital, cujas primeiras transmissões vão ocorrer em dezembro, na
cidade de São Paulo, não deve ser apenas uma nova forma de transmissão
de programas televisivos. Precisa se transformar em um veículo de
inclusão social e de fortalecimento da cidadania. É com essa filosofia
que a Caixa Econômica Federal (CEF), um dos maiores bancos do país,
resolveu se engajar nesse projeto e direcionar recursos financeiros e
humanos para desenvolver soluções tecnológicas capazes de permitir a
disseminação de seus serviços, que atendem, hoje, milhões de
brasileiros. Em suma, para a CEF, a TV digital deve ser sinônimo de TV
social.
Para isso, na opinião da vice-presidente de tecnologia do banco,
Clarice Coppetti, o ideal seria que a interatividade plena (para
receber e enviar dados pelo aparelho de TV) esteja presente desde o
primeiro conversor (a caixinha, conhecida como setop box, que
vai fazer com que o aparelho de TV analógico receba os sinais digitais)
a ser comercializado no país. Afinal, assinala ela, o governo, ao
definir a política da TV digital, estabeleceu que a digitalização seria
também a oportunidade para levar serviços de e-gov à população
brasileira.
E a CEF assumiu a linha de frente dessa política. Porque, segundo
Clarice, além de ser um dos maiores bancos do país, a instituição é um
grande operador de políticas públicas e sociais do governo federal.
“Lidamos com segmentos de serviços e produtos que são da sociedade
brasileira, como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviços (FGTS), que
atende a uma grande parcela de trabalhadores”, explica.
A CEF quer tornar disponível, pela televisão, a sua gama diferenciada
de serviços. Além das 170 milhões de contas ativas do FGTS (muitos
trabalhadores têm mais de uma conta), atende ao programa do PIS, do
Bolsa-Família, tem créditos habitacionais para a população de baixa
renda, e administra uma gorda carteira de crédito imobiliário. Segundo
Cleusa Yoshida, gerente nacional da CEF, que toca o projeto tecnológico
para a TV digital, o banco está adaptando os seus sistemas de
informação e desenvolvendo produtos específicos para a televisão. Mas o
tipo de serviço a ser prestado vai depender do grau da interatividade
do conversor.
Se a interatividade for plena, o telespectador poderá, por exemplo, com
o controle da televisão, acessar a base de dados da CEF e obter
informações sobre a sua conta do FGTS. Mas, se ela começar de maneira
mais restrita — com a interatividade apenas local —, esse tipo de
informação não estará disponível.
Qualquer que seja a decisão do governo sobre o alcance da
interatividade, Clarice afirma que a CEF vai lançar serviços para a TV
digital, desde a primeira transmissão. No caso de uma interatividade
mais restrita, ainda assim vai oferecer diferentes serviços, entre
eles, a divulgação dos resultados das loterias, informação mais
procurada no portal do banco na internet.
Pagar duas vezes
Para a executiva, é a população de menor renda a que mais tem a ganhar
com a TV digital. E explica: “hoje, 8% ou 9% da população brasileira
têm acesso à TV fechada, por satélite ou por cabo. Há, também, uma
parcela com acesso à internet banda larga. Mas há uma grande maioria
que, mesmo com todos os programas do governo para acesso ao computador,
como o Computador para Todos, ainda está distante da rede mundial. Na
nossa visão, quem mais vai precisar da TV digital para a interatividade
— ou seja, com canal de retorno, com a possibilidade da realização de
serviços — é a população de menor renda.”
No seu entender, as dificuldades para a implementação dessa
interatividade se devem ao seu ineditismo, tornando ainda difícil para
toda a indústria brasileira — fabricantes ou radiodifusores — assimilar
as suas vantagens e potencialidades. “A CEF está tentando contribuir
para esse debate, pois não queremos que a sociedade brasileira pague
duas vezes, como aconteceu na telefonia celular, que começou analógica
e, dois, três anos depois, todo mundo teve que trocar o aparelho, pagar
de novo, para migrar para o sistema digital,” destaca.
Para entender as dificuldades e apresentar as suas posições, lembra
Cleusa, a CEF realizou amplo seminário sobre TV digital no semestre
passado, e, a partir desse seminário, vários agentes, inclusive os
fabricantes dos conversores, começaram a se envolver com a
questão. Um dos problemas para a implementação da interatividade com a
previsão do canal de retorno é, justamente, o custo dessa caixinha. Ela
precisa ser barata, para que a maioria da população, que tem TV
analógica em sua residência, fique estimulada e possa comprar o
conversor digital. A popularização do conversor é condição
imprescindível para que a TV digital se torne uma TV social. Caso
contrário, só servirá para melhorar a imagem daqueles que não precisam,
pois pagam pelos canais de TV fechada, cuja transmissão via satélite é
digital e a transmissão via cabo está sendo digitalizada rapidamente.
Uma das batalhas da CEF, explica Clarice, é para que esse conversor
seja o mais barato possível. Embora ela não confirme, há quem diga no
governo que, para popularizar o setop box, a CEF poderia até
subsidiar o aparelho para a população de baixa renda. Segundo Clarice,
a disposição do banco, no momento, é a de abrir linhas de crédito
próprias para a aquisição desses aparelhos e a de firmar parcerias com
grandes redes varejistas, porque, ela reconhece, são essas lojas que
financiam a maioria dos equipamentos eletroeletrônicos adquiridos pela
população.
Para Clarice, ainda é cedo para afirmar que as emissoras comerciais de
TV têm resistências em apoiar os projetos interativos. No seu entender,
há indefinições nos modelos de negócios dessas empresas, que, ela
acredita, serão resolvidas com o tempo. “A população tem uma relação
diferenciada com a TV, pois ela é objeto da nossa relação cotidiana.
Acredito que a interatividade dará também atratividade para os canais
de TV digital”, avalia.
E se a CEF está mais ativa nesse projeto, alguns bancos privados, diz
Clarice, também começam a estudar as potencialidades da nova mídia. “No
Congresso de Tecnologia Bancária do ano passado, ninguém falava em TV
digital. Neste ano, havia um nicho dessa TV e todo mundo queria
conhecê-lo. O anunciante também vai querer esse filão”, oberva. Ou
seja, mesmo para os bancos comerciais, a interatividade também passa a
ser uma boa solução, o que deverá estimular o interesse das emissoras
comerciais de TV, explica.