Cidades digitais: até quando?

Variam os modelos das muitas cidades digitais já implantadas pelo Brasil afora, com ou sem a participação e os recursos da iniciativa privada, mas o grande debate, agora, é sobre a sustentatibilidade desses projetos.

Variam os modelos das muitas cidades digitais já implantadas pelo Brasil afora, com ou sem a participação e os recursos da iniciativa privada, mas o grande debate, agora, é sobre a sustentatibilidade desses projetos.
Vera Dantas*


Festa em Restinga (RS), que
dispõe de serviço wireless.

Os diferentes modelos de cidade digital — inteiramente público, inteiramente privado ou mediante parcerias público-privadas (PPP) — têm se multiplicado pelo país, com resultados surpreendentes em alguns casos. Quem diria, por exemplo, que um projeto de acesso público à internet poderia reduzir o tempo necessário para a alfabetização? Pois foi o que aconteceu em Tiradentes (ver pág. 16), onde as crianças viram-se estimuladas a aprender rapidamente a ler e escrever para poder usar os computadores nas escolas, acessíveis só aos alfabetizados. Outros municípios viram sua arrecadação aumentar e outros, ainda, assistiram a uma redução de até 40% em suas despesas de comunicação com a adoção do VoIP. Nada garante, porém, que o sucesso dessas experiências seja duradouro. Passada a fase da implantação de um projeto de cidade digital — ou, idealmente, antes mesmo da implantação — é preciso buscar mecanismos de sustentabilidade, para assegurar a sobrevivência da iniciativa para além do prefeito que a inaugura.

Como fazer isso? Para começo de conversa, é uma boa idéia incluir essas iniciativas no planejamento municipal, sugere André Kulczynski, presidente da Procempa, empresa de informática de Porto Alegre, e da Associação Brasileira de Entidades Municipais de Tecnologia da Informação e da Comunicação (Abemtic). “O acesso à internet deve ser tratado como um serviço tão essencial quanto água e luz”, diz ele — em outras palavras, o serviço de acesso à internet deve ser inserido no cenário da gestão pública e do uso da tecnologia para promover o desenvolvimento econômico e social.


Comunida de Restinga tem acesso a
rede wireless.

De fato, como lembra o pesquisador Juliano dall’Antonia, do CPqD, “colocar redes e equipamentos não significa implantar uma cidade digital”. Dall’Antonia observa que os projetos já implantados, embora bem-sucedidos, ainda estão longe da consolidação. Para ele, com exceção das grandes capitais, que têm programas bem estruturados, a maioria dos projetos não são sustentáveis. “Essas experiências estão criando um ambiente e fazendo uma aculturação do público regional, mas com uma utilização muito restrita e à qual ainda é preciso acrescentar muita coisa”, explica. “A sustentabilidade passa por um bom modelo de negócios, apoiado por um bom ambiente regulatório. Senão, são apenas experiências pontuais.”

As dificuldades


O problema é que as prefeituras não são propriamente especialistas em negócios e o ambiente regulatório está longe de ser adequado a esse tipo de projeto. Um exemplo de barreira regulatória é o fato de as prefeituras não poderem cobrar pelo serviço, a menos que constituam uma empresa pública para esse fim ou escolham um prestador de serviço mediante licitação.

Como resultado de situações desse tipo, dependendo do tamanho, do perfil sócio-econômico e dos objetivos políticos de cada município, a cidade tanto pode se limitar à implantação de telecentros e pontos de acesso público à internet como pode adotar iniciativas mais abrangentes, criando uma infovia municipal e oferecendo serviços de voz sobre IP.

Um aspecto, no entanto, já está claro: seja qual for o porte do projeto, o grande desafio a ser vencido é garantir a sustentabilidade e a continuidade. Na falta de um modelo, as cidades digitais têm escolhido caminhos diversos para garantir a sustentação de seus projetos. Um deles é a utilização de verbas de diferentes áreas, como da educação, por exemplo, para  financiar a instalação de computadores nas escolas municipais.


Kulczynski alerta para a necessidade de que essas ações sejam feitas de forma planejada, como foi o caso do projeto Porto Alegre Wireless (ver quadro abaixo). As verbas de diferentes setores da administração municipal “são janelas de oportunidade, que garantem a sustentabilidade”, afirma. Dall’Antonia, do CPqD, concorda. Para ele, o papel do Estado é o de criar um ambiente que viabilize a atuação de provedores e a sustentabilidade dos serviços. “Cabe à prefeitura traçar a filosofia da cidade digital, incorporá-la ao seu planejamento urbano e direcionar as ações que serão executadas por terceiros”, explica. Esta parece ser também a posição do secretário de Indústria, Comércio, Turismo e Tecnologia da Informação de Mangaratiba (RJ), Pedro Lemelle. “Estamos em busca de um modelo de sustentabilidade que seja apoiado em parcerias de negócios”, explica. “Não desejamos tornar a prefeitura o único provedor de serviços digitais, porque isso tolheria a liberdade de escolha da população, que pode acabar se tornando refém do serviço.” Para Lemelle, a concorrência entre as empresas, principalmente no quesito qualidade e preço, trará benefícios à população. Por isso, Mangaratiba está trabalhando numa série de projetos de lei que incentivam a presença de empresas de tecnologia no município — com isenções fiscais, por exemplo.

O programa Mangaratiba Digital começou a ser implantado em 2005, como parte de um projeto de mobilidade da Intel que contemplou 13 cidades em todo o mundo. Única cidade latino-americana a participar do projeto, Mangaratiba foi escolhida, em grande parte, pelos desafios impostos por suas características geográficas: localizado entre a Serra das Araras e a Baía de Sepetiba, o município abriga muitos morros, um litoral recortado e diversas ilhas. Além da Intel e da prefeitura de Mangaratiba, participaram do projeto o Proderj, empresa de processamento de dados do Rio de Janeiro, e a integradora IdeaValley. Hoje, a infra-estrutura sem-fio da cidade é formada por cinco torres e seis antenas WiMAX, 35 antenas Wi-Fi, oito rádios WiMAX, 50 rádios Wi-Fi, dois roteadores e 260 computadores. Um cabo de fibra óptica instalado no hospital municipal faz a conexão da rede com o link de 2Mbits da Proderj. A rede oferece acesso banda larga a escolas, telecentros comunitários, postos de saúde, centros de informação turística, órgãos da administração municipal e subprefeituras.

Outros projetos


Chico Doceiro, de Tiradentes, que
agora também pega receitas na
internet

Vários subprojetos para expansão da rede têm encontrado abrigo no Mangaratiba Digital, que os incorpora. Um deles é o Projeto Incluir, voltado para a implantação de telecentros comunitários gratuitos, que resultou de parcerias da prefeitura com a Companhia Siderúrgica Nacional, o Banco do Brasil, a Associação Comercial de Mangaratiba e as empresas Nextlink e BRQ. A Proderj também participa do projeto, tendo implantado dois telecentros.  Cobrindo cerca de 70% do município, o Mangaratiba Digital é considerado uma iniciativa vitoriosa e, segundo Pedro Lemelle, irreversível. “Não há risco de descontinuidade, pois a tecnologia já se incorporou à rotina do cidadão, que a utiliza nos telecentros, nas escolas, nos postos de saúde e em suas residências”, diz ele. “Desde o início, tivemos a preocupação de montar um projeto que não tivesse desmanche.” Mas a consolidação definitiva ainda depende da ampliação da infra-estrutura, para garantir a cobertura total do município.

Segundo Lemelle, os 30% restantes representam um desafio similar às etapas já concluídas, uma vez que estão em áreas de difícil acesso, como uma serra com mais de mil metros de altitude, ilhas e colônias de pescadores. Tudo isso demanda um grande investimento em novas torres, antenas e rádios, além de equipamentos de informática para as escolas locais. Para tornar viável a expansão, a prefeitura aposta, mais uma vez, na parceria com a iniciativa privada. Embora reconhecendo não haver mais tempo hábil para implementar o pacote de incentivos ainda na atual gestão, Lemelle acredita que os investimentos virão, qualquer que seja o resultado das eleições (o prefeito Aarão de Moura Brito Neto concorre à reeleição). “Estamos encravados na região que terá o maior crescimento do estado nos próximos anos”, pondera. “Devido à implantação do porto de Itaguaí, diversos investimentos estão programados, entre eles a construção do arco rodoviário, a duplicação da rodovia Rio-Santos, a chegada da Siderúrgica do Atlântico e a construção da segunda usina da CSN dentro do porto.”

Outra cidade do litoral sul do Rio de Janeiro que apostou na parceria com a iniciativa privada foi Paraty, que, com isso, espera sustentar e dar continuidade ao seu projeto Paraty Digital (ver quadro ao lado). “Paraty é um grande exemplo de prefeitura que entende seu papel e aceita um modelo de negócios que é viável para todo mundo”, garante André Almeida, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios da NextWave, fornecedora de tecnologia do projeto. Kulczynski, porém, não aprova a modalidade de custeio adotada por Paraty e por alguns outros municípios: a oferta de acesso gratuito à internet em troca do pagamento de impostos. “Considero uma medida muito complexa, pois não existe um marco regulatório que a sustente”, justifica o presidente da Procempa e da Abemtic, que apóia, contudo, o uso da criatividade na busca de soluções sustentáveis em pequenos municípios.


Ele cita o exemplo de Hulha Negra, cidade-satélite de Candiota (RS), que implantou um projeto de educação a distância em parceria com as universidades de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. A necessidade de acesso banda larga, um pré-requisito do MEC para participar do programa Universidade Aberta, foi solucionada com a cessão de um link por satélite pela Procempa. Outra iniciativa também destacada por ele é a articulação entre municípios de uma mesma região para buscar soluções e traçar estratégias de implantação de projetos digitais. No Rio Grande do Sul, essa articulação vem sendo estimulada pela Federação das Associações Municipais do Rio Grande do Sul (Famurs). No extremo oposto do modelo cooperativo e/ou público, o diretor de Desenvolvimento de Novos Negócios da Motorola, Enzo Moliterno, aponta o caminho da iniciativa puramente privada, sem investimento público. Seu exemplo de sucesso é Manaus, onde uma rede sem fio baseada em tecnologia Motorola já cobriria 80% do município. A rede é explorada pelo provedor de acesso i+ (pronuncia-se “i mais”), que tem a prefeitura entre seus clientes.

Planejamento

“Foi a iniciativa privada que vislumbrou a oportunidade”, alegra-se o diretor da Motorola. Na verdade, a i+ tem dois pacotes comerciais em seu menu, um deles especificamente para empresas e outro para indivíduos que se disponham a pagar no mínimo R$ 129,90 mensais para ter acesso à rede sem fio — soluções interessantes, mas muito distantes da idéia de cidade digital. As 144 escolas municipais que já dispõem de laboratório de informática, por exemplo, utilizam uma tecnologia sem-fio da Telemar/Oi, segundo Cristiane Silveira, assessora de imprensa da Secretaria Municipal de Educação de Manaus. E todas as 400 escolas municipais, informa Silveira, serão informatizadas até outubro no bojo de um convênio recém-assinado pela secretaria com o CPqD — não com a i+.


Mangaratiba Digital no centro de
informação turistica

Para os especialistas, a decisão de implantar um projeto de cidade digital deve vir acompanhada por um planejamento de longo prazo, que demonstre claramente as vantagens e benefícios para a região e quais os setores a serem alavancados. “É preciso saber exatamente o que se quer e como fazer”, afirma dall’Antonia. O problema, segundo ele, reside no fato de que, à exceção das grandes capitais e de alguns municípios conduzidos por prefeitos ousados, falta à maioria das pequenas cidades a capacitação necessária para traçar esse planejamento. Da mesma forma, falta entendimento dos benefícios gerados pela implantação de projetos digitais — e também disposição para conhecê-los. Veja-se, por exemplo, a enorme dificuldade enfrentada pelo próprio CPqD para encontrar apenas dois municípios dispostos a participar do projeto-piloto de implantação das Soluções de Telecomunicações para Inclusão Digital (STID), desenvolvidas pelo Centro dentro do Projeto Funttel de Inclusão Digital. O STID prevê instalação de um telecentro em cada município, oferecendo serviços de marcação de consultas em postos de saúde e apoio à aposentadoria, com prioridade para analfabetos plenos e funcionais, deficientes auditivos e pessoas idosas (ver ARede nº 36).

Os técnicos do CPqD elencaram os dez municípios mais apropriados para receber o projeto e, ao visitá-los, explicaram que a instituição arcaria com todo o investimento na aquisição e montagem dos equipamentos e na implantação do link de banda larga do telecentro, cabendo às prefeituras somente a cessão do espaço físico e de pessoas que atuariam como monitores. Mesmo assim, enfrentaram uma grande resistência por parte dos interlocutores nas administrações municipais. “Pensamos em concluir a pesquisa em duas semanas, no máximo um mês, e levamos vários meses”, diz dall’Antonia. Iniciada em maio de 2007, a busca de parceiros só foi encerrada no final do ano, com a escolha das cidades de Bastos, no interior paulista, e Santo Antônio da Posse, perto de Campinas.

Importância da infovia


Curso de capacitação em tecnologia
educacional

Outras cidades, no entanto, não perderam a oportunidade de usufruir dos benefícios oferecidos por centros de pesquisa — e a maioria delas está no estado de São Paulo. São José do Rio Preto, Campinas, Pedreira e Santos tiveram projetos de tecnologia desenvolvidos pelo Laboratório de Redes e Comunicação da Universidade Estadual de Campinas (LaRCom/Unicamp). “Acredito que as universidades e centros de pesquisa têm muito a contribuir para o desenvolvimento das infovias municipais”, pondera o coordenador do LaRCom, Leonardo Mendes. “O modelo que desenvolvemos para o município de Pedreira pode, certamente, ser tomado como referência. Apesar de ser um projeto-piloto, tivemos a preocupação de contemplar também aspectos legais e econômicos e não apenas as questões tecnológicas.” O projeto prevê o acesso aberto e gratuito a toda a população da cidade, até o final do ano.

Para Mendes, uma forma de o município começar a colher rapidamente os frutos da construção de um ambiente digital moderno é através da implantação de uma infovia municipal (ainda que parcial) e do desenvolvimento de um ambiente integrado de e-gov para modernizar a administração e melhorar o acesso do cidadão aos serviços públicos. Ainda segundo ele, a infovia municipal possibilita a sustentabilidade do projeto, pois forma, na realidade, um ecossistema econômico, social e tecnológico. “A sustentabilidade não é atingida através da exploração de um único serviço por uma empresa em condições especiais”, explica. “As infovias são altamente sustentáveis quando olhadas como um ambiente aberto de comunicações, onde empresas multisserviço concorrem de forma sadia para atender às demandas da sociedade. A sustentabilidade do projeto foi demonstrada por nossos estudos, que têm sido corroborados por muitas empresas e prefeituras que adotaram o modelo.”


Em pé, professora Cristina Uberaba, que trabalha para a Positivo e foi à escola Marília de Dirceu ministrar o curso.

Em seus périplos pelos municípios brasileiros, um dos trabalhos mais importantes realizados pelo LaRCom é demonstrar para as autoridades municipais que as infovias não são uma despesa, mas sim uma nova fonte de recursos. A receita tributária da prefeitura, por exemplo, cresce como resultado do recolhimento de impostos incidentes sobre a venda de equipamentos para conexão à rede, no caso de grandes cidades. Outra fonte de recursos é a redução de cerca de 30% a 40% nos custos de telefonia, obtida com o uso de VoIP. “Só essa economia é suficiente para pagar em apenas dois anos o custo da infovia”, garante Mendes, apontando o caso de Porto Alegre. Ali, a substituição das conexões telefônicas por VoIP nos prédios integrados à infovia da Procempa já permitiu uma economia de R$ 8 milhões em 2008. A empresa, como tem licença de Serviço de Comunicação Multimídia (SCM) da Anatel, gera receita prestando serviços de comunicação e dados tanto para os órgãos da administração municipal como para a iniciativa privada. Todo mundo sai ganhando.
(*) Colaborou Leda Beck

Criatividade gaúcha faz a infovia de Porto Alegre

O programa Porto Alegre Wireless está em constante evolução. A Infovia de Porto Alegre, uma rede de cabos de fibras ópticas iniciada em 1999 e que oferece diversos serviços para órgãos da administração pública, empresas e cidadãos, deverá alcançar 400 quilômetros de extensão até o final do ano. Os 50 quilômetros adicionais foram garantidos com o contrato firmado entre a Procempa e a Rede Nacional de Pesquisas (RNP) para a manutenção da rede de fibra óptica que vai integrar diversas unidades da Universidade Federal do Rio Grande do Sul à estrutura da RNP.

A construção da infovia, que constitui o backbone da Procempa, empresa de processamento de dados do município, foi iniciada sem aporte direto de recursos municipais. Em seu lugar, foi traçada uma estratégia para canalizar para a infovia uma parte da extensa infra-estrutura de rede de fibra óptica que estava começando a ser implantada pelas empresas entrantes de telefonia fixa, em decorrência do processo de privatização das telecomunicações. A estratégia apoiou-se, basicamente, em dispositivos da nova legislação tributária e ambiental do município. Um deles estabelecia que a taxa de uso de solo inerente ao processo de licenciamento das empresas poderia ser paga em infra-estrutura. Por exemplo, ao passar cinco quilômetros de cabos em determinado local, a empresa deveria ceder dois pares ao governo.

Já a legislação ambiental estabeleceu regras para a realização de cortes nas vias públicas para a passagem de dutos. Com base nessas regras, foi feito um planejamento estabelecendo que, em determinadas áreas, os dutos deveriam ter capacidade para suportar todo o futuro cabeamento em fibra óptica da cidade. Como grande parte dessas vias (cerca de 220 quilômetros) pertence à prefeitura, a Procempa negociou permutas com as empresas interessadas em utilizá-las. Ou seja, a empresa autorizada a utilizar o duto de uma determinada rua deveria, em troca, passar “n” metros de fibra em outra rua, determinada pela Procempa. “Essa tem sido a principal estratégia para ampliação da infovia,  no que diz respeito a fibra”, afirma o presidente da Procempa, André Kulczynski. O sucesso da iniciativa despertou o interesse da Intendência de Montevidéu, que enviou alguns técnicos a Porto Alegre, em 2006 para conhecer in loco o sistema e obter cópias da legislação e de uma parte do cálculo empregado para estabelecer as permutas.

A implantação da rede sem fio nasceu da necessidade de ampliar a velocidade da rede de fibra, então de 64kbps. Enquanto na área urbana não houve problema em migrar para 155 Mbits, nas áreas periféricas qualquer mudança só seria possível com tecnologia sem fio. Foi escolhida a solução ponto-multiponto, na freqüência não licenciada de 5.8 Ghz. O projeto-piloto que deveria servir como base para o Porto Alegre Wireless foi implantado, em parceira com a Motorola, no bairro da Ilha da Pintada, um arquipélago no centro da cidade, com cinco estruturas públicas, inclusive escolas e telecentros, que foram integradas através de sete pontos de rádio.

Mas, devido ao questionamento de outras áreas de tecnologia da administração municipal sobre a viabilidade de implantar uma rede operando em freqüência não licenciada, a Procempa decidiu ampliar o piloto, partindo para uma solução mais abrangente e desafiadora. O beneficiado foi o bairro da Restinga, localizado a 45 quilômetros do centro da cidade e tendo um morro como obstáculo natural a ser vencido. Com mais de cem mil habitantes, o bairro conta com 24 estruturas públicas, entre escolas, postos de saúde, telecentros e prédios administrativos. Também ali foi adotada a tecnologia ponto-multiponto, complementada, em alguns lugares, com a tecnologia Power Line Communication (PLC), que usa a rede elétrica. O custo inicial foi inteiramente coberto pela Procempa.

Além de ser um grande laboratório para a solução sem fio definitiva da cidade, a rede da Restinga ofereceu aos executivos da Procempa a oportunidade de exercitar a criatividade para reduzir os custos de implantação do projeto. Ao tomar conhecimento de um projeto da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) para automatizar sua subestação na Restinga, a Procempa propôs uma parceria pela qual passariam os cabos de fibra óptica – que já estavam estocados – em 45 quilômetros das redes de alta tensão da empresa. Em troca, a CEEE permitiria o compartilhamento do cabo. “Meu custo foi apenas a mão-de-obra empregada para passar a fibra”, explica o presidente da Procempa.

Outra parceira foi firmada com a Brigada Militar, que permitiu a colocação de rádios na sua torre de comunicação no bairro, em troca da cessão de uma banda nos dois quilômetros adicionais de fibra que foram instalados. “Com isso e mais as antenas instaladas nas unidades-clientes, fizemos toda a cobertura da Restinga”, garante Kulczynski. Aprovado o projeto-piloto, o Porto Alegre Wireless recebeu o sinal verde da prefeitura. Mas a impossibilidade, naquele momento, de consignar em orçamento a totalidade dos recursos necessários exigiu uma nova dose de criatividade dos gestores. Foi traçada uma estratégia de implantação gradativa para integrar os 350 sites à infovia do município.

O projeto foi desmembrado em dois subprojetos, POA Educação e POA Saúde, o que permitiu a utilização de recursos constitucionalmente destinados a projetos de tecnologia nas duas áreas. Hoje, todas as escolas municipais já estão integradas em banda larga. Na área de saúde, no entanto, o ritmo de implantação é mais lento. Além de não contar com redes estruturadas — as poucas existentes são consideradas precárias —, a rede básica de saúde está passando por um processo de reforma física. Dessa forma, a implantação da rede foi acoplada ao cronograma de execução das obras. O presidente da Procempa acredita que o processo só será concluído na próxima gestão. Mas afasta qualquer hipótese de descontinuidade, uma vez que os equipamentos já foram adquiridos. “Todos os recursos já estão investidos”, garante.

Em Paraty, o modelo privado preserva o interesse privado

Um ano pode ser pouco para avaliar os resultados da implantação de um projeto de cidade digital. Mas, em Paraty, esse tempo foi o suficiente para que prefeito e autoridades afastassem qualquer dúvida quanto aos benefícios econômicos e sociais que a iniciativa Paraty Digital trará para o município. “Todos estão conscientes de que o projeto vai gerar economia para o poder público e melhorar a sua relação com o cidadão, que terá acesso facilitado a uma gama maior de serviços”, garante Fábio Cardo, da MktCorp, contratada pela prefeitura para assessorá-la na campanha para o reconhecimento de Paraty como patrimônio da humanidade pela Unesco, que exigia investimentos na melhoria da qualidade da educação e na infra-estrutura de comunicações. Foi Cardo quem sugeriu um projeto de inclusão digital. Hoje, a MktCorp faz a interface entre a prefeitura e a principal fornecedora de tecnologia do projeto de cidade digital, a NextWave.

Além do curto prazo para execução, o projeto tinha como desafio não interferir no conjunto arquitetônico, tombado pelo Patrimônio Histórico. A solução encontrada foi a tecnologia sem fio. O projeto foi financiado pela própria NextWave, empresa estadunidense fornecedora de tecnologia de banda larga móvel. Também participam o Proderj, centro de processamento de dados do estado do Rio de Janeiro, a VeriSign e a integradora SRVR, que é responsável pela manutenção e futura expansão da rede. Em troca da exploração comercial do serviço de banda larga, a NextWave oferece a manutenção gratuita da rede do governo municipal.

“O grande fator crítico de sucesso é a presença de provedor local, que tem experiência e conhecimento na monitoração de redes sem fio”, garante André Almeida, vice-presidente de desenvolvimento de negócios da NextWave. Dificilmente Paraty teria condição de dar continuidade ao projeto sozinha.” O provedor é a SRVR, que já conta com 750 assinantes privados e começa a atrair clientes de outro provedor, que utiliza um sistema antigo de rádiofreqüência. Sua rede também utiliza tecnologia de rádiofreqüência, a WiMesh xRF, desenvolvida pela Next­Wave, e cobre oito quilometros quadrados, incluindo o centro histórico. A rede  interliga prefeitura, câmara, secretaria de Turismo e departamento de fiscalização, além de três escolas municipais, duas estaduais e a sede local da APAE. Agora, a prefeitura pretende oferecer acesso gratuito à rede a todos que apresentem o carnê do IPTU, como prova de residência. Mas, para não concorrer com o provedor comercial, o acesso será oferecido em banda mais restrita.

Entre os planos de expansão, está a utilização de telefonia VoIP nos prédios públicos e a implementação de um programa de telefonia de baixo custo. O site da prefeitura de Paraty, em texto datado de julho de 2007, menciona a intenção de construir um Centro de Internet Comunitária (CIC) para oferecer cursos de alfabetização digital, a exemplo do que já ocorre em outros 61 CICs mantidos pelo Proderj em todo o estado do Rio. O Centro foi construído na Ilha das Cobras e está funcionando.

Surpresa em Tiradentes: quase 70% de cobertura


Escolhida pelo Ministério das Comunicações para sediar um projeto-piloto de cidade digital, a bela Tiradentes, em Minas Gerais, implantou a partir de 2006 cinco antenas no centro histórico e nos bairros adjacentes, com a expectativa de cobrir 30% da área geográfica do município. Para surpresa geral, as antenas acabaram alcançando entre 60% e 70% da área do município. “A gente não esperava que o sinal chegasse à periferia”, explica Jeanderson Fernando Marostegan, coordenador operacional do Projeto Tiradentes Digital na Prefeitura de Tiradentes. Só ficou de fora o bairro do Pacu, escondido num vale entre morros.

“Para chegar lá, superando todos os obstáculos naturais, vamos ter de quase triplicar o número de antenas, fazendo uma verdadeira trilha de antenas até o bairro”, diz Marostegan. Enquanto isso não acontece, porém, quem tem acesso à internet pública gratuita está contente. Uma pesquisa realizada pela Cisco, fornecedora da tecnologia do projeto, revela que a população local está muito satisfeita com o resultado: a iniciativa recebeu 70% de aprovação total da comunidade. As poucas críticas negativas (5%) vieram das pessoas que residem em áreas ainda não atendidas pelo serviço – provavelmente no Pacu.

“A visão negativa reflete apenas o desejo de inclusão no projeto”, garante Paulo Abreu, diretor de Estratégia para a América Latina na Cisco, acrescentando que uma parcela significativa da população, principalmente da comunidade empresarial (60%) está até disposta a pagar pelo acesso. “Esse porcentual já permite pensar na exploração comercial da rede”, afirma. Marostegan já pensou. Trabalhando, no momento, num estudo de sustentabilidade para o Tiradentes Digital, ele está convencido de que só a parceria público-privada pode garantir a sobrevida do projeto. “É nossa intenção manter o uso gratuito para a população, mas dependemos de um link da Telemar que, por enquanto, não nos cobra nada”, diz ele. O estudo só fica pronto no final do ano, mas Marostegan adianta que há receptividade do comércio local à idéia de pagar uma taxa módica que subsidie o acesso grátis para a população. “Nossa arrecadação não é suficiente”, garante.

Embora tenha priorizado a área da educação, o Tiradentes Digital inicialmente integrou apenas duas das nove escolas públicas da cidade à rede – uma municipal e uma estadual, ambas no centro histórico. Como explica a secretária municipal de Educação, Magda Marostegan, mãe do coordenador do projeto, “as outras sete escolas municipais serão informatizadas pelo ProInfo”, o Programa Nacional de Tecnologia Educacional do Ministério da Educação. A mesma pesquisa da Cisco demonstrou, porém, que o impacto do acesso sem fio em banda larga nas duas escolas incluídas foi significativo. O tempo de alfabetização das crianças, por exemplo, sofreu uma redução expressiva – não porque os computadores contribuam para uma aceleração do processo, mas porque só crianças alfabetizadas foram autorizadas a usar os computadores. No site da prefeitura de Tiradentes, outros resultados são destacados: cresceu o interesse das crianças pelo aperfeiçoamento da linguagem escrita, principalmente pela ortografia das palavras; desenvolveu-se o hábito de consultar o dicionário ou de verificar porque uma palavra ou frase está sublinhada; e, no laboratório de informática, as crianças estão desenvolvendo o simples hábito de ouvir.

Na área de saúde, onde o projeto tem alcance mais limitado, Abreu, da Cisco, também identifica vários benefícios para a população. Se, antes da implantação do projeto, a realização de exames específicos para  enfermidades mais complexas exigia que o paciente fosse encaminhado a Belo Horizonte, hoje essa prática foi reduzida. Os pacientes podem ser atendidos, remotamente, por especialistas da capital mineira. Só são encaminhados os casos que os especialistas julguem realmente graves, já que o pré-diagnóstico e a agenda são fechados remotamente.

Do ponto de vista econômico, diz Abreu, o fluxo de turistas aumentou graças à oferta de serviços nas pousadas, como o acesso à rede, as reservas online e a criação de sites mais informativos. Chico Doceiro, um famoso chef da cidade, que é também um pólo gastronômico, passou a usar a internet para buscar novas receitas para oferecer ao público. O projeto contribuiu, enfim, para estimular o surgimento de um comércio de equipamentos de informática e antenas, além dos serviços de manutenção. A pesquisa da Cisco revela um aumento de 50% do número de computadores na comunidade, em apenas um ano de operação do projeto. Já o uso da internet dobrou na cidade como um todo e triplicou na área de cobertura.